Os Heróis e as Suas Mulheres

Randall Wallace foi o argumentista de "Braveheart", o filme que deu a Mel Gibson inesperada glória como realizador. Depois disso, aventurou-se ele próprio na realização, e assinou uma paupérrima versão de "O Homem da Máscara de Ferro", onde desbaratava um "cast" de luxo (DiCaprio, Jeremy Irons, Malkovich, Depardieu...). "Fomos Soldados" é a sua segunda incursão na realização, e é mais ambiciosa: revisitar a história recente dos EUA, e um dos seus capítulos mais complexos e dolorosos, o Vietname.

A má notícia é que, se já tinha percebido, pela amostra de "O Homem da Máscara de Ferro", que Wallace não tinha muito talento para realizar, "Fomos Soldados" é disso uma penosa confirmação. O filme centra-se num episódio dramático da guerra do Vietname, o massacre de uma companhia americana numa zona que ficaria conhecida como o "Vale da Morte". Arriscamos dizer que a situação narrativa se prestava a um bom filme de guerra, com uma potencial unidade de espaço e continuidade temporal que um bom cineasta não deixaria de saber utilizar.

Mas não é bem um filme de guerra (ou só um filme de guerra) o que Wallace quer fazer. "Fomos Soldados" aspira ao épico, ao canto pelo heroísmo dos guerreiros americanos - e lá estão as referências ao General Custer (por analogia com a personagem do tenente-coronel Moore/Mel Gibson), por exemplo. A opção é legítima, mas exige um estofo que Wallace não possui. E a tentativa de impregnar o filme de um fulgor épico resulta apenas numa grandiloquência balofa que atinge por vezes o ridículo, como quando Wallace mostra o comandante vietnamita, no fim da batalha, de bandeirinha americana na mão, a prestar "homenagem" ao heroísmo dos derrotados.

A coisa agrava-se com o contracampo escolhido para as cenas de batalha. Visto que uma das intenções do filme passa por salientar a "normalidade" dos soldados, o facto de terem famílias, mulheres e filhos, as cenas no Vietname são alternadas com outras em que, na América, é mostrada a angústia dessas famílias e dessas mulheres - o elogio da família e da classe média é parte fundamental no discurso ideológico de "Fomos Soldados". Mas é aí que se instala com mais veemência o tom sentimentalista, mesmo retrógrado (garantimos que até John Ford filmou essa figura de maneira mais "progressista" a figura da "mulher devotada e sofredora"...), que até dá para desperdiçar uma das poucas boas ideias dramáticas do filme: a mulher da personagem de Gibson, Madeleine Stowe, como uma espécie de mensageiro da morte, distribuindo pelas outras os telegramas com as más notícias vindas do Vietname.

Como aconteceu em "Cercados", de Ridley Scott (aliás um filme bastante comparável a este), no final da projecção temos saudades de Samuel Fuller.

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