Ben Stiller, o Melga

"Zoolander" foi a primeira comédia que chegou aos ecrãs americanos depois de 11 de Setembro. Provocou alguma agitação, questiono-se o sentido patriótico do realizador, o comediante Ben Stiller: era legítimo, protestou-se, rir após a tragédia? O actor/realizador contra-atacou: a ele ninguém lhe dava lições de patriotismo. E respondendo à questão, desde então discutida com ansiedade - como é que o "entertainment" deve mudar? o que é que Hollywood deve produzir? -, Stiller mostrou que tinha ideias próprias: "o entertainment deve ser mais do que mera diversão".

Sim, mas o que é que essa manifestação de consciência - cívica? cinematográfica? - tem a ver com "Zoolander"?

É certo que Stiller, 36 anos, filho de um casal de actores e criado no caldeirão do showbiz, tem fama de "angry" e de obsessivo (também anda há anos a tentar adaptar ao cinema "What Makes Sammy Run", a sátira a Hollywood escrita por Budd Schulberg em 1941).

Não apostando na plasticidade (inimitável) de Jim Carrey, criou já uma "persona" envolta em paranóia urbana, como uma versão burlesca dos papéis que em tempos Robert de Niro fez para Scorsese.

É certo que os papéis que lhe dão são variações psicóticas do "chato" - é um dos actores em destaque, nesse mesmo registo, em "The Royal Tenenbaums", de Wes Anderson, neste momento o "darling" da crítica americana. É certo, ainda, que foi o realizador de "O Melga", o tal filme que quase avinagrou a carreira de Carrey - foi lançado como uma comediazita, quando era uma coisa negríssima.

Mas o que é que isso tem a ver com Derek Zoolander, o maior modelo do mundo, burro que nem uma porta que diz - e quando diz, puxa as maçãs do rosto para trás e atira os lábios para a frente - que "a vida não é só ser muito, muito bonito" e por isso está decidido a experimentar.

Na verdade, a carreira de Derek, que foi Model of the Year durante três anos, está a ser ameaçada por um irresistível pretendente, Hansel (Owen Wilson), e tem mesmo que mudar de vida. Não dá para regressar à mina onde o pai e os irmãos trabalham - especialmente porque Derek aparece à porta das grutas com um fato que fará gritar todos os "fashionistas", "o fato de pele de cobra de Cavalli!". Por isso, entre duelos na passarelle com Hansel, Derek vai prestar-se a isco do plano maléfico de um designer ultra-excêntrico, Mugatu, e da sua assistente Katinka (Mila Jovovich). Ou seja, "Prêt-a-Porter" cruzado com "Missão Impossível" ou James Bond em versão pateta - ou seja, cruzado com Austin Powers. Por falar em Powers/Mike Meyers: algum do melhor burlesco americano é trabalhado na televisão, nas cerimónias de entrega de prémios. "Zoolander" nasceu mesmo a partir de um sketch, em 1996, no VH1/Vogue Fashion Awards e numa personagem que Stiller criou com o argumentista/produtor do MTV Movie Awards, Drake Sather. É um humor que parasita filmes, que não deixa o cinema em paz (quem se esqueceu da "charge" de Stiller a "Missão Impossível 2" pode encontrá-la no DVD do filme de John Woo).

Tudo certo, com conceito visual por trás - um filme como uma revista de moda, a bombardear imagens por todo o lado; "fabricação" de portfollios para as personagens, "falsificando" campanhas para a Gucci, Perry Ellis, Tommy Hilfiger, e para capas de revistas como CG, Details, Rolling Stone, etc.. Ainda, intervenção familiar a apaparicar a talentosa estrela (em papéis secundários aparecem os pais e a irmã de Stiller - o agente, Maury Ballstein, é o pai - e a mulher, Christine Taylor, é a jornalista Matilda). Mas a graça é só muito esporádica. Porque no cinema não cabe sem mais o sketch televisivo, que é frequentemente cortado no pequeno ecrã por intervalos que permitem recarregar os níveis de tolerância. Enfim, um conjunto de sketches não que faz um filme - "Austin Powers" "Zoolander" não é. E logo Ben Stiller que se tinha mostrado um cineasta com "O Melga"...

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