Redford/Pitt Descubra as Diferenças

Num jogo de espiões, a argúcia do olhar é tudo. James Bond acabou por revelar-se o pior inimigo dos agentes secretos a sério, empreendendo cruzadas solitárias e aparatosas contra tiranos maléficos, sempre em benefício da sua imagem e, sobretudo, nunca comprometendo a pausa para tomar um "dry martini - shaken, not stirred". A sofisticação das suas missões impossíveis - "gadgets" improváveis, explosões q.b., as "Bond girls" - tornou-se o padrão dominante das histórias de espionagem, de tal forma que quando nos querem convencer de que um espião pode ser treinado a uma mesa de café, pondo à prova os seus talentos de observador, o mais natural é desconfiar. Mas nem é por isso que "Jogo de Espiões" é um filme mole. Pode-se tentar começar por dizer que se trata de uma nova realização de Tony Scott, que, como ninguém, tem assumido na sua filmografia uma espécie de assunção máscula - afinal, não era Tarantino quem avançava a tese de que "Top Gun" era um filme sobre um grupo de homens em luta contra a sua homossexualidade? Se, por estes dias, Tarantino ainda continua a ver filmes, que dirá de "Jogo de Espiões"? Que é um filme sobre o amor impossível de dois agentes da CIA?
É certo que Robert Redford sacrifica tudo - poupanças, regras, a tranquilidade do último dia de trabalho - para salvar Brad Pitt, mas talvez tudo não passe desse esforço de aproximação que o ex-"golden boy" tem exercido em relação à nova geração de actores. É curioso que Redford tenha procurado contornar a questão do confronto geracional através da passagem de testemunho - ao contrário, por exemplo, de Paul Newman, capaz de ensombrar Tom Cruise em "A Cor do Dinheiro". A fase do espelho chegou tarde para Redford: as suas experiências na realização são processos de transferência, com Redford a olhar (filmar) para Brad Pitt (em "A River Runs Through It",1992) e, mais recentemente, Matt Damon (em "A Lenda de Bagger Vance") como olhavam para ele nos idos de 70 - o "all-American boy".
"Jogo de Espiões" assinala, então, a reunião de Redford e Pitt no écrã e evidencia a tal "passagem de testemunho": desde logo, porque o primeiro é um agente da CIA a um dia da reforma, responsável pelo recrutamento e treino do segundo - aliás, praticamente as únicas cenas em que os dois actores contracenam.
Quase todo o filme é construído num "flashback" despoletado pela detenção e anunciada execução de Tom Bishop (Brad Pitt) numa prisão de Beijing, nas vésperas de uma visita do Presidente dos EUA (estamos em 1991, era Bush Sr.) à China. A CIA prefere deixar "cair" o seu operacional a comprometer as relações entre EUA e China, mas Natahn Muir (Redford), chamado para uma audiência com as hieraquias, mantém-se do lado do seu homem, relembrando os tempos em que se conheceram, na Guerra do Vietname.
Com uma banda sonora insuportavelmente omnipresente e uma câmara irrequieta, Tony Scott vai passando revista aos tempos da Guerra Fria, não conseguindo mais do que dar um tom pitoresco aos lugares, de Berlim a Beirute. Quanto a Redford e Pitt, apesar da tipificação dos papéis e da diferença de estilos - o primeiro mais pragmático e cerebral, o segundo mais instintivo e de acção -, são igualmente transparentes e inanes. O que prova que o esforço de aproximação de Redford terá os seus frutos. "Do you remember when we could tell the good guys from the bad guys?", pergunta Nathan Muir a um velho colega. Bons velhos tempos.

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