Parque Cinematográfico

E, ao terceiro filme da série, fez-se escuridão. A série B tomou definitivamente conta dos dinossauros excelentíssimos de Spielberg. Desapareceu o que restava de narrativa. Ficaram a emoção e a rugosidade das formas. Dinossauros no parque cinematográfico 2001/2002.

As sequelas sofrem sempre de uma espécie de complexo, a que poderíamos chamar, à falta de melhor denominação, de "síndroma da comparação". E, no caso particular de "Parque Jurássico III", há alterações de monta: Steven Spielberg mantém-se como produtor executivo, mas cedeu a realização a alguém como Joe Johnston, o responsável pelo interessante "Rocketeer", mas também pelo tenebroso "Querida eu Encolhi os Miúdos"; pela primeira vez na "odisseia jurássica", o material escrito de origem não está assinado Michael Crichton, antes foi entregue a uma equipa de argumentistas (Peter Buchman, Alexander Payne e Jim Taylor), lidando com uma ideia pré-formatada. Tanto bastará para que ao terceiro tomo da trilogia se "acrescente" uma menos-valia, decorrente da falta de caução autoral dos anteriores, agravado por uma vontade de abstrair e de cristalizar a aventura.

Comecemos pelo princípio: um exercício de parapenta, um misterioso ataque ao barco que o move, a desaparição de uma criança não identificada numa ilha. Só depois aparece a explicação para este breve intróito, após a formação da expedição à Isla Sorna, regressando a uma das personagens-chave de "Parque Jurássico I" (1994) - abandonada no seguinte, "Mundo Perdido" (1997) -, Dr. Alan Grant (Sam Neill), convidado pelos pais da criança perdida a voltar aos dinossauros.

Assim, o elemento científico junta-se à família numa narrativa sem narrativa, apenas centrada numa busca. Ao contrário das prequelas, "Parque Jurássico III" aposta, desde início, não num projecto de definição de objectivos científico-narrativos, mas na observação de uma célula familiar submetida às regras da sobrevivência e da aventura. Em relação ao primeiro, falta-lhe o pendor teorizante; em relação ao segundo, aligeira a visão negra e trágica, mas mantém a capacidade de instrumentalizar o cinema do passado, embora de forma bem mais minimal: enquanto "O Mundo Perdido" lidava ainda com situações típicas de género, "Parque Jurássico III" trabalha sobre ruínas, à base de "gags" isolados, de fogachos de acção.

A memória da série B. Quando em "O Mundo Perdido" assistimos ao confronto entre dois grupos, um movido por nobres motivos de índole científica, o outro levado por intuitos comerciais, parece que nos situamos numa paradigmática aventura africana, entre heróis e vilões, embora na senda dos gorilas de "Mogambo" (John Ford, 1953) ou na perseguição aos rinocerontes de "Hatari!" (Howard Hawks, 1962).

Havia no filme uma grandeza de tom, um domínio autoconsciente das formas: dizia-se, por exemplo, "é assim que começa e depois desata tudo a correr e a gritar", antecipando o próprio desenrolar da acção. Por outro lado, a personagem do aparente vilão (Pete Posthlewaite) parecia trazer um grão de demência, nomeando os "monstros" de Elvis ou Frei Tuck, enquanto a relação de Julianne Moore com a cria ecoava possíveis conexões com "E.T.".

Mesmo quando se passava da Costa Rica para San Diego, importando o perigo para casa, era ainda a exemplos maiores que se iam colher referências: o barco abandonado com a tripulação morta, sob o controlo do "monstro", citava "Nosferatu" de Murnau e o mito de Drácula; o passeio do dinossauro pelos subúrbios duplicava "King Kong", vindo da série B para o imaginário dominante.

"Parque Jurássico III" recusa este reconhecimento narrativo e concentra-se no esfacelamento das personagens e situações; é mais uma sucessão de efeitos do que uma sequência lógica de acontecimentos.

Depois de chegar à ilha, a expedição viaja pela memória do(s) filme(s) anterior(es), usando as ruínas como refúgio e fazendo da criança, entretanto encontrada, uma espécie de duplo infantil de Tarzan, em versão chunga de série Z.

O próprio realizador, Joe Johnston, invoca para o seu filme a proximidade dos filmes catastrofistas dos anos 70, mas presente em cada fotograma está a memória da série B dos anos 50 (para além de "serials", como "Flash Gordon", das décadas de 30 e 40) e também a das grandes produções que com ela se cruza - a década de 50 marcou o momento de esplendor da fusão de géneros num género único, o filme de aventuras (africanas, de ficção científica, ou de puro terror).

O pretexto para a aventura, em "Parque Jurássico III", é a procura de um indivíduo perdido em terras incógnitas, como em "As Minas de Salomão" (Compton Bennett e Andrew Marton, 1950), colorido pela MGM, a partir do clássico vitoriano de Rider Haggard. A viagem, rio abaixo, não deixa também de evocar "A Rainha Africana" (John Huston, 1951).

No entanto, a confusão iconográfica e o grafismo rápido e imediatista vêm-lhe, de facto, de outras bandas, de filmes como "This Island Earth" (1954, Joseph Newman e, não creditado, Jack Arnold) ou "Tarantula" (Jack Arnold, 1955). O primeiro, visível influência sobre George Lucas ou sobre o Tim Burton de "Marte Ataca!", parte da ideia de ilha como isolamento e cadinho de experiências, aplicando-a aos pavores anti-vermelhos, que originaram grande parte da ficção científica primitiva. Representa, ainda, no imaginário planeta Metaluna, o desejo laboratorial para construir um mundo alternativo, segundo princípios científicos, que, em última análise falham.

"Tarantula", um clássico dos filmes sobre monstros mutantes, revela-se muito influente pelo modo como configura a intervenção da força aérea no ataque à ameaça. Aliás, de uma maneira geral, a obra, ainda demasiado subestimada, de Arnold tem uma visibilidade gráfica incontornável neste tempo de efeitos especiais: filmes como "O Monstro da Lagoa Negra" (1954) ou "The Incredible Shrinking Man" (1957) determinaram um modo especial de configurar a ameaça exterior por uma especial concepção económica do tempo e uma atmosférica espacialidade, capazes de conferir ao horripilante uma densidade e um "suspense" que não dependem dos meios produtivos. São cinema em estado puro e miraculoso.

"Parque Jurássico III", salvaguardadas as devidas distâncias, até porque ostenta meios de que Arnold e os seus pares nunca dispuseram, deve inscrever-se nesta linhagem, uma espécie de "parque cinematográfico" sinalizado por ambiências fortes e excessivas. Há no filme uma crueza, uma rugosidade que contrasta com muita da complacência da "aventura" moderna, de que a delambida "perfeição" computacional de "Final Fantasy" é apenas a ponta do "iceberg". Por isso, pouco nos interessa a lógica da salvação final de Billy Brennan, que julgávamos morto e que "ressuscita", apenas ferido, na fuga aérea final. Tudo se justifica por uma lógica de fragmentos de filmes feita.

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