Os Caça-ETs

Depois de "Os Caça-Fantasmas", os caça-ETs. Não é só por isso que já vimos este filme. Aqui se pilha "Alien", "Parque Jurássico" ou "Marte Ataca".

Ivan Reitman não gosta que lhe falem de "Ghostbusters". Não é que o realizador (e produtor) tenha problemas em recordar o filme - os filmes, já que houve sequela - que lhe trouxe maior sucesso. O que Reitman não quer é que lhe peçam para reconhecer as "coincidências" entre a sua caçada fantasmagórica de 1984 e a perseguição alienígena de "Evolução". Finge que não percebe - "Coincidências?! O que quer dizer com isso?" -, irrita-se, prefere perguntas menos (nada) comprometedoras sobre o início da sua carreira cinematográfica ou o futuro de um cinema face às novas tecnologias.

"Coincidências, semelhanças", ainda tentam os jornalistas. No tipo de humor, no trio de cabotinos que tenta salvar o planeta (ou, no caso, os EUA, o que vai dar no mesmo) de ameaçadoras criaturas viscosas, no "casting" de Dan Aykroyd...?

Não, não, não, repete Reitman. E é David Duchovny, o actor "sério" que queria ver como é que se dava numa comédia de maior fôlego, quem vem em sua defesa, mais tarde: "Não censuro o Ivan. Porque tantas pessoas 'roubaram' o 'Caça-Fantasmas' que ele, de todos, deve ser autorizado a trabalhar nesse campo que ele criou. A comédia de ficção científica não existia antes dele." Duchovny não deve ter visto "Dark Star", a primeira longa-metragem de John Carpenter, dez anos antes de "Os Caça-Fantasmas", para elevar Reitman à condição de "inventor" da paródia "sci-fi". Mesmo "Ghostbusters" estaria mais adequado, na confusão de géneros e sub-géneros, a uma arrumação na prateleira dos filmes fantásticos do que na ficção científica.

Escatologia. Mas se houve quem se entretesse a "pilhar" os fantasmas de Reitman, este, além da auto-citação, decidiu "vingar-se": "Evolução" exibe um catálogo de remissões para outros filmes, de "Alien" a "Parque Jurássico: O Mundo Perdido", passando por "MIB - Homens de Negro" e até "Marte Ataca", de Tim Burton. Não para, como este último, jogar com a iconografia do género, mas apenas para divertir - e, nesse sentido, está puramente ao serviço de uma comédia passadista, tudo o resto é um apanhado de elementos primários da ficção científica.

Aliás, quando o argumentista Don Jakoby (o mesmo de "Vampiros", de Carpenter) lhe apresentou um primeiro esboço do guião do filme, propondo um "thriller" dramático, Reitman tinha a certeza que isso era o que menos lhe apetecia fazer e chamou David Weissman e David Diamond (a dupla que escreveu "Dois Destinos", com Nicolas Cage e Téa Leoni, mulher de Duchovny) para conferir à história a comédia potencial que via nela. É certo que há um lado "cheesy", pindérico, na ficção científica (que começa, desde logo, na convencionada caracterização dos alienígenas) que pode ser tentador (nas primeiras imagens de "Marte Ataca", por exemplo, ainda antes do genérico, o cheiro a churrasco invadia o Midwest americano com a debandada de uma manada de vacas a arder). Mas nem é por aí que Reitman explora o "comic relief". Não, ele prefere os "gags" de voluntário mau gosto, repletos de piadas sexistas e escatológicas (é uma obsessão, aparentemente). E racistas: Reitman bem tenta brincar com o "blaxploitation", através da personagem de Orlando Jones, o companheiro negro de Duchovny - quando este lhe pede para pegar num dos crustáceos (as formas que os ETs assumem no filme são inesgotáveis...), ele hesita, dizendo: "Já vi este filme. O preto morre primeiro." Mas Jones pode estar descansado, porque Reitman reservou-lhe outro destino: o da infindável humilhação.

É, justamente, quando se afasta (raras vezes) desse registo que "Evolução" cumpre a sua função de divertimento: veja-se o episódio no centro comercial, invadido por um pterodáclito, numa piscadela de olho à sequela de "Parque Jurássico" - não é por acaso que Reitman recorreu a Phil Tippett (o mesmo de "Parque Jurássico", "Starship Troopers", "A Guerra das Estrelas" e "Robocop") para a criação computorizada dos extraterrestres mutantes.

A "Marte Ataca", por seu turno, parece ir buscar a inspiração para o inusitado e absurdo antídoto para a invasão de ETs. Tal como no filme de Burton, enquanto as autoridades ameaçam com medidas extremas (o ataque nuclear no caso de "Marte Ataca", os bombardeamentos de "napalm" em "Evolução"), os "heróis" descobrem a "arma" perfeita: a açucarada música "country" que fazia explodir os cérebros dos malfeitores do espaço no filme de Burton é aqui substituída pelo champô "Head & Shoulders", numa descarada promoção à marca (como se não bastasse, antes do genérico final, os três actores, David Duchovny, Orlando Jones e Sean William Scott vêm apontar boiões ao ecrã).

Quanto a Julianne Moore, no papel de uma epidemóloga desastrada, não faz muito mais do que tropeçar durante o filme todo - reproduzindo a débil inteligência do realizador?

Em "The Primal Screen: A History of Science Fiction Film" (1991), John Brosnan distingue três categorias de filmes de ficção científica: as viagens espaciais ("Alien", por exemplo), as sociedades futuristas (de que "Metropolis", de Fritz Lang, é o paradigma), e as invasões alienígenas. "Evolução" faz jus à definição que o autor propõe desta última categoria, como sendo a mais "preocupante", porque, além do seu conservadorismo - na forma como aponta o ser vindo do espaço como uma figura ameaçadora à ordem social -, é um terreno propício à misoginia, ao racismo e ao "chauvinismo" nacionalista. Reitman não quis deixar nada de fora.

Para voltar à afirmação de Harry Block/Orlando Jones: "Já vi este filme."

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