A Máquina do Tempo

Desde os tempos "pré-históricos" da Ficção Científica, que a hipótese de viajar ao futuro e de percorrer a espiral complexa do tempo atrai a imaginação. H. G. Wells consegue o seu primeiro grande sucesso literário com as aventuras de um homem, que oscila entre a época vitoriana e o ano 802701, em "A Máquina do Tempo" (1895), que o cinema virá a adaptar com êxito relativo num filme de George Pal (1961), já responsável, embora apenas como produtor, por outra pioneira leitura do mundo de intricado de Wells em "A Guerra dos Mundos" (1953).

Antes, já Mark Twain, com intenções muito diversas, lançara em "Um Americano na Corte do Rei Artur" (1889) uma fábula sobre o confronto do presente americano com uma visão idealizada dos tempos arturianos, nos confins misteriosos da Idade Média. Em vez de uma prospecção científica, como em Wells, Twain preferia uma divertida sátira da América da "Gilded Age", a época do início da expansão imperialista. A fortuna cinematográfica da obra variou entre a solidez de um veículo para o "all american" Will Rogers (1931) e um musical de gosto duvidoso (embora muito típico da mentalidade americana do pós-guerra e da concepção de Idade Média "à la Disney"), para servir a popularidade de Bing Crosby.

No entanto, este curioso "Frequência" encaixa, de preferência, nas experiências televisivas de Rod Serling, argumentista do influente "Twilight Zone", que, até meados dos anos 60, moldou o imaginário americano na relação com o mistério, o inexplicável terror dos "extra-terrestres, ou as fronteiras entre o verosímil e o fantástico. É desta matriz que saem os modelos directos para esta ficção "mais ou menos científica": "The Terminator" (1984), de James Cameron, em que um exterminador vem do passado para o alterar, no futuro; ou num registo mais ligeiro, de banda desenhada (não por acaso dirigida por Robert Zemeckis) nos três tomos da série "Back to the Future"/ "Regresso ao Futuro". No primeiro (1985), o herói encontra-se com o pai, alterando o seu futuro; no segundo (1989), confronta-se com erros do passado na configuração do presente; no terceiro (1990), vai ao mítico "farwest" buscar o amigo cientista.

Porquê esta tão longa procura da ancestralidade de "Frequência"? Primeiro, porque o principal interesse do filme consiste na capacidade de erguer um argumento bem carpinteirado. Depois, porque todo o filme joga com o reconhecimento de situações (talvez devêssemos dizer citações) cinematográficas fortes.

Partindo do passado, da história de um bombeiro e da sua relação familiar com a mulher e com o filho, entramos para um "flash-forward" e apreendemos, por meio de elipses sucessivas e sugestões de recortes de jornais, que o bombeiro morreu por via de uma má escolha de percursos, ao salvar uma das suas vítimas. Entretanto, o filho, agora polícia, que cresceu com o mito da ausência do pai, rádio-amador, encontra o seu velho rádio e opera o "milagre": fala com o pai e consegue avisá-lo do perigo que "correu", salvando-o da morte. Só que esta "salvação" no passado vem baralhar todos os dados: como a mãe não vai velar o marido morto, torna-se ela mesma vítima de um "serial killer", cuja história o filho-polícia investiga no presente, devido à descoberta do esqueleto de mais uma das suas vítimas.

Confusos? Nada que a correcta narrativa fílmica de "Frequência" não possa resolver. O filme coloca todas as peças do "puzzle" no seu lugar e possibilita um agradável exercício de mistério, algures entre "Twilight Zone" e "Back to the Future", com a tensão do "thriller" policial, que passou pelas bandas das melhores séries televisivas das décadas de 80 e 90.

Dennis Quaid dá à figura do pai uma secura e uma espessura raras, Jim Caviezel (lembram-se dele, fabuloso, em "A Barreira Invisível"?) confere ao filho a fragilidade necessária e uma perturbante duplicidade, hesitando entre a fidelidade à memória e uma sanidade mental mantida a custo.

Por estes vectores, passa o melhor do filme, sempre febril e delirante, demasiado realista na pormenorização para se afundar num divertimento fácil, demasiado empenhado na tresloucada tentativa de misturar temporalidades, questionando-as, para se transformar num teledrama. Arrepiante, por exemplo, é a sequência em que o pai coloca a prova, que poderá incriminar o assassino, num esconderijo improvável, para que o filho a recolha, quase em "raccord" perfeito, 30 anos depois. Igualmente curiosa é a cena que muda toda a acção, a da repetição do incêndio.

As outras personagens, incluindo a da mãe e a do amigo de infância, que estabelece o contraponto com o protagonista, resultam mais frágeis. Porém, aquilo em que o filme fraqueja, de forma quase catastrófica, é no tenebroso "happy ending", com que destrói muito do que de inteligente fora construindo. Aquele "barbecue" pateta, com a reunião familiar e uma pitada de beisebol, nem sequer procura socorrer-se dos bons artifícios do melodramático. Limita-se a ser esquemático, rápido e básico, como se tivesse vergonha, e deixa-nos boquiabertos e desarmados.

Um filme com pressupostos (e execução) tão interessantes, com um final feliz patético, a martelo, é forte pena.

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