O Alfaiate do Panamá

John Le Carré não é Graham Greene; John Boorman não é Joseph Mankiewicz; Geoffrey Rush não é Alec Guiness (o fleumático protagonista de "O Nosso Agente em Havana"), nem Audie Murphy, o herói de "O Americano Tranquilo". Pierce Brosnan está agora demasiado conotado com James Bond nas suas derradeiras aventuras, para funcionar independentemente de 007, sobretudo em ficções contíguas ao universo de Ian Fleming, mas em que o herói se encontra nos seus antípodas.

Estas analogias justificam-se por razões óbvias, uma vez que "O Alfaiate do Panamá" coloca questões interessantes de género e de tom: pensado como um "thriller", divulgado como história de espiões, passa mais por um registo de divertimento, de sátira política filtrada pelo crivo do irrisório. No entanto, permanece sempre numa zona de indefinição, algures entre o filme comercial e a meditação sobre as regras de género.

Um agente do MI-6 (Pierce Brosnan, demasiado "blasé" na sua variação bondiana do que não deveria ser mais que uma caricatura), expulso de outros postos e mal visto pelos serviços britânicos de espionagem, recebe como castigo a sua deslocação para o Panamá pós-Noriega e instrumentaliza um alfaiate (Geoffrey Rush, na sua costumeira composição crispada e histriónica), que criou para si próprio uma ficção de herdeiro de uma longa tradição da alfaitaria londrina, quando não passa de um ex-presidiário.

Todas as peripécias partem destas premissas de base: Brosnan quer aproveitar a sua passagem pela "república das bananas" para enriquecer, Rush, confrontado com as sombras do seu passado, procura conservar o seu prestígio de alfaiate "oficial" das altas individualidades e, sobretudo, o seu casamento com uma funcionária americana da administração panamiana do canal (discreta, mas segura, prestação de Jamie Lee Curtis).

A realização eficaz de John Boorman, um bom profissional, procura rentabilizar da melhor maneira todos os elementos envolvidos, mas nunca consegue escapar a uma certa superficialidade. O mais interessante deste "thriller" a contra-corrente acaba por ocorrer nas margens da narrativa principal, nas sequências do piquenique nas margens do canal ou no modo como Boorman enquadra as cenas domésticas, em casa de Rush.

O romance de Le Carré fornece os ingredientes possíveis depois do fim da guerra fria, mas encalha nos limites de um não definido inimigo: o conflito, muito ténue, consiste na invenção de uma inexistente resistência, pretensamente herdeira dos tempos conturbados de Noriega, e numa imaginária troca de administração do canal, levantando o fantasma, sempre útil, da China, ou de potências europeias.

Sobre esta confusa fábula política, constrói Boorman a espinha dorsal do seu divertimento, "pastiche" das aventuras dos anos 40 e 50: o Panamá, sem histórias nem grandezas, torna-se um pretexto, como acontecia em "Casablanca", para um filme de acção, sem acção. A perseguição final desilude, os encontros furtivos dos dois conspiradores, com destaque para a inutilidade representativa do uso da discoteca "gay", esgotam-se no anedótico.

O que explica, portanto, o relativo fascínio de um filme fora de moda e do tempo, como este "Alfaiate do Panamá"? Precisamente a sua desadequação temporal, exercício de estilo sobre a sofisticação de situações e personagens, fechados em si e no seu círculo como fantasmas de um cinema que não existe mais. Os "sub-agentes" de uma ficção, com dúvidas sobre a sua própria razão de ser, não passam, pois, de sombras de passados esplendores.

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