Rebel With a Pose

O que é que levaria um actor de presença tão marcante, mesmo autoritária, como Sean Connery a contratar (também é produtor de "Descobrir Forrester") um realizador tão sinuoso - e, convenhamos, com um universo "queer" - como Gus Vant Sant? A resposta, se calhar, chama-se "O Bom Rebelde": o que está em evidência em "Descobrir Forrester" é a tentativa de repetir uma receita anterior que deu sucesso.

A pergunta, então, deve ser outra: porque é que Gus Vant Sant aceitou a encomenda? Como é que o autor de "Mala Noche", "Drugstore Cowboy" ou "My Own Private Idaho" é capaz de se mostrar assim tão - desavergonhadamente? - "mainstream", sobretudo depois de uma provocação chamada "Psico"? Desavergonhadamente? É que no final de "Descobrir Forrester" aparece Matt Damon, como se apadrinhasse a patifaria oportunista - tipo: "sim, isto é mesmo 'O Bom Rebelde 2'". Mas se é tão óbvio assim, não haverá aqui ironia, mesmo perversidade? Quem é, afinal, Gus Van Sant? O realizador que fez "My Own Private Idaho" ou o que fez "Descobrir Forrester"?

Quem o conhece fala numa afectação de passividade, como se fosse uma reencarnação de Andy Warhol. Às vezes, Gus Van Sant é escorregadio como Warhol, e parece estar também em perda de materialidade. Será que o "mainstream" é uma mascarada e que à força de querer parecer convencional está, afinal, a ser perverso? Será também um "gesto artístico", como a sua versão de "Psico"?

A incógnita não se resolve com "Descobrir Forrester", e o máximo que podemos concluir é que se a convenção pode ser, no caso dele, uma pose ou máscara, Gus Van Sant perdeu-se nela, e ela arrisca-se a passar a ser o seu rosto - como num conto fantástico em que vemos uma figura atormentada a querer arrancar de si a "outra" personalidade que se arrisca a ser dominante.

Vejamos: sempre houve "bons rebeldes" no cinema do realizador; e relações paternais de substituição, histórias de orfãos que encontram uma figura "paterna". Mas isso ficava a pairar num universo rasgado e desequilibrado pelo onírico (pelo humor e pela provocação; o universo de Van Sant abeirou-se do "camp"). A partir de "O Bom Rebelde" (1997), isso ficou definitivamente preso na convenção; os rebeldes que ansiavam por uma família, deixaram-se seduzir pela normalidade "dourada" - era essa, aliás, a história fora do filme, que, se recordamos bem, contava a fábula de dois jovens, Damon e Affleck, que triunfaram como argumentistas antes de se tornarem actores/estrelas.

Em "Descobrir Forrester" há também algumas epifanias: é um primeiro argumento, de Mike Rich, vencedor de um concurso lançado pela Academia de Hollywood, e lança um jovem actor negro, Rob Brown, que tem um percurso exemplar que caberia na perfeição no espírito do filme (candidatou-se a figurante, ficou com o papel principal). E é, verdadeiramente, "O Bom Rebelde" outra vez, com um pequeno "twist": o filme interessa-se mais pelo maduro (Connery) do que pelo jovem (Brown), de tal forma que é o primeiro, de facto, o "jovem rebelde".

Van Sant enquadra bem. E até faz decoração, tecendo, em "flashes", um painel social americano (mas ele sempre gostou dos bandos da rua). Quer mostrar que acredita na "americana". Nem que para isso seja preciso fechar os olhos ao reaccionarismo (porque é que o autor do "great american novel" tem que ser um duplo de J. D. Salinger? Não aconteceu mais nada na literatura? Se fosse pintor, seria Picasso?), nem que para isso tente esconder o cinismo - "lendo" bem o argumento conclui-se que não é a amizade que interessa, mas o amigo que se arranja, e, convenhamos, não é todos os dias que um jovem negro do Bronx entra em casa de J. D. Salinger, na versão de Sean Connery.

Seria um bocado exagerado ver aqui um toque da perversidade... Mas não é exagerado sentoe que já parecem "flashes" de um sonho muito distante as imagens de "Mala Noche", "Drugstore Cowboy", "My Own Private Idaho"...

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