A Múmia

Na década de 30, a Universal especializou-se nas representações do terror e do demoníaco, herdadas do expressionismo alemão: "Drácula" (1930), de Tod Browning, e "Frankenstein" (1931), de James Whale, estabeleceram-se como paradigmas de um género e das múltiplas variações sobre as míticas personagens que apresentavam. Usando uma das grandes estrelas do estúdio, Boris Karloff, celebrizado pelo monstro de "Frankenstein", a Universal lançou em 1932 um outro produto de duradouro sucesso, "The Mummy", assinado por Karl Freund, fotógrafo de génio, responsável pela imagem de clássicos do cinema germânico, como "O Último dos Homens", de Murnau, ou "Metropolis", de Fritz Lang. O filme capitalizava as lendas sobre maldições de múmias dessacralizadas, que se seguiram, por toda a década de 20, à descoberta e violação do túmulo de Tutankamon. No entanto, ao contrário dos Draculas e dos Frankensteins, de tão prolífica linhagem cinematográfica, as sequelas de "A Múmia" não obtiveram nunca o mesmo impacte: em 1940, o pouco emblemático Tom Tyler protagonizava "The Mummys Hand" e, de seguida, Lon Chaney Jr. revestia as sacrossantas ligaduras em três variações cada vez mais ridículas sobre o tema - "The Mummys Tomb" (1942), "The Mummys Ghost" (1944) e "The Mummys Curse" (1945). Mesmo as paródias ficaram sempre por pobres orçamentos para cómicos de segunda: os Three Stooges, em "Mummies Dummies" (1938), ou Abbott e Costello em "Meet the Mummy" (1954). Da recuperação de todos os monstros feita pela Hammer, só vale a pena mencionar "The Mummy" (1959), com Christopher Lee e a deslocação para um ambiente vitoriano, tão ao gosto do estúdio britânico. A nova ressurreição de "A Múmia", a cargo do seu velho estúdio de origem, a Universal, tem porém outros antecedentes próximos, já que o realizador e argumentista, Stephen Sommers, muito louvado pela adaptação de "The Jungle Book", de Rudyard Kipling, reclama expressamente a influência dos filmes de aventuras de Errol Flynn, a que se deverá acrescentar "Gunga Din", de George Stevens, e, sobretudo, a incontornável sombra de "Os Salteadores da Arca Perdida" e da trilogia de Indiana Jones de Steven Spielberg. O sumo-sacerdote Imhotep, culpado de amores ilícitos com a amante do faraó, é mumificado na cidade perdida de Hamunaptra, e precisa de recompor-se à custa dos corpos dos arqueólogos que o descobrem, para executar o plano de vingança do Mal sobre toda a Humanidade, começando pela reconstituição das antigas pragas lançadas sobre o Egipto bíblico. Resulta este projecto, concebido em torno do crescente carisma de Brendan Fraser? A resposta tem de considerar o disparate das peripécias, a incipiência dos actores e o ridículo dos efeitos especiais. O que poderia resultar como um dos fulcros do filme, o cruzamento com o "gore", uma vez que às ligaduras dos clássicos se substituem calcinados monstros em decomposição, contribui para acentuar um lado de "pechisbeque chunga". Versão de série Z de "Indiana Jones", "A Múmia" só pode recuperar-se, pois, pela vertente do cómico involuntário: o "pastiche" torna-se evidente, mas as cenas mais hilariantes são as que mais jogam com a pseudo-sofisticação dos efeitos. Nem os "cowboys" armados em arqueólogos, nem o super-britânico veterano do ar passam de figuras perdidas numa paisagem de total vácuo representativo. Aliás, se quiséssemos encontrar uma fórmula relativamente rápida para sintetizar o efeito de "A Múmia" poderíamos optar pelo peso do vazio ficcional, disfarçado por um excesso de objectos sem função, ou seja, o uso absurdo de resquícios de um género para atingir um resultado nulo.

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