Escândalos do Candidato

"Nunca ouvi um presidente, hoje, falar de um sacrifício sem ser treta. Kennedy poderá também ter mentido, mas as pessoas acreditavam e eu queria acreditar". Quem fala assim em "Escândalos do Candidato"/"Primary colors", de Mike Nichols, é um idealista, neto de um activista negro pelos direitos humanos dos anos 60, que se junta à campanha eleitoral de um governador de um estado do sul, Jack Stanton, pretendendo ser nomeado pelos democratas americanos à candidatura para as presidenciais.

O idealismo de Henry Burton (Adrian Lester) vai ser emperrado pelos jogos de política e pelas revelações sobre a vida sexual do candidato (John Travolta). Atravessa o "purgatório" da descrença, e no final só lhe resta uma tábua de salvação para ficar com o candidato até à sua eleição: "Prefiro o homem que acredita naquilo que eu acredito mas que mente para ser eleito, do que o tipo que se está a marimbar para tudo". Em contrapartida, a conselheira do candidato e especialista em "lavagem de sujidades", Libby Holden (Kathy Bates), suicida-se porque a utopia falhou. Ou seja, "Escândalos do Candidato" e Mike Nichols não têm outra alternativa senão ficarem também com Henry Burton... e com Bill Clinton, a partir do qual Travolta, e o autor do "best seller" homónimo, Joe Klein, construíram a personagem.

A Europa começa agora a ver o rosto presidencial - o de Clinton - que ainda estava invisível em "Manobras na Casa Branca", de Barry Levinson, outro filme de Hollywood sobre Washington. Joe Klein, ex-colonista da "Newsweek", juntou a sua experiência de 30 anos de jornalismo político num livro, que publicou sem assumir a autoria, construído com personagens compósitas mas essencialmente baseado na sua experiência, e desilusão, ao cobrir a campanha de Bill Clinton - e de Hillary - em 1992 para a liderança da candidatura democrática às presidenciais. Mesmo que ele diga que não sabe nada da vida sexual de Clinton, embora saiba tudo sobre a vida sexual da personagem Jack Staton, todos leram o livro como um retrato de Bill Clinton, e o próprio Travolta esmera-se nos maneirismos do actual presidente americano, embora tenha ido buscar referências a Kennedy e a Reagan. De modo que, depois da polémica na altura da edição do livro - os colegas jornalistas de Klein revoltaram-se porque o "anónimo" só tardiamente assumiu ter sido descoberto; os partidários presidenciais falaram em traição - "Escândalos do Candidato", o filme, estaria aí para revelar a "verdadeira face" do presidente. Ora, se não correu bem nas bilheteiras - porque os americanos se cansaram da "overdose" televisiva pós-Mónica Lewinsky; ou provavelmente porque a realidade até é mais tortuosa do que a ficção -, terá corrido muito bem para Clinton, como vários analistas políticos têm dito. No entanto, será menos a vontade de "exposição" ou "revelação", e mais a assumpção da "fábula moral", que move o filme. Também, a impossibilidade da utopia - Frank Capra é hoje impossível, parece dizer um plano do filme que praticamente reproduz um quadro de Edward Hooper ao filmar o candidato com pontos fracos num balcão de "fast food" - e a necessidade de preservação do humano. No "cast", Mike Nichols encontrou, com a personagem do idealista Henry Burton, uma tábua de salvação para não se afogar nas suas desilusões.

Se entre Travolta e Emma Thompson (a mulher, "dupla" de Hillary") tudo é insondável, a intimidade nunca é devassada, a relação permanece misteriosa, entre a camaradagem e o contrato negocial - a visibilidade possível do casal Bill e Hillary -, o primeiro será sempre um "nice guy", por mais patifarias que faça, e mesmo a sua voz alquebrada é um canto às imperfeições do humano; e Emma Thompson é demasiado terrena e transparente para a versão de Hillary como advogada escorpiónica e manipuladora.

Mas sobre todos os que precisam de continuar a acreditar ecoará a voz da suicida interpretada por Kathy Bates: "Tudo é humano, tudo é triste".

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