Espadachins de serviço

Houve quem saudasse o chatíssimo "O Homem da Máscara de Ferro" como uma ressurreição do filme-de-capa-e-espada, sinal de que o género, afinal, não estava morto. A total ausência de emoção e o ridículo da "mise-en-scène", abusando das vedetas em personagens sem qualquer lógica dramática, resultam ainda mais claros depois de assistirmos a "A Máscara de Zorro", revisita do mito que foi criado nos anos 10 e logo atingiu o ecrã como veículo para Douglas Fairbanks (entre "The Mark of Zorro", 1920, e "Don Q., Son of Zorro", 1925), actor de todas as acrobáticas espadeiradas.

Com efeito, um sólido argumento e uma produção imaginativa trazem nova consistência a um filão que parecia esgotado, resgatando Antonio Banderas de uma série de falhadas tentativas de integração em Hollywood em papéis que lhe não convêm.

Depois de Fairbanks, Zorro arrastou-se pela "pulp fiction" (inclusive, com variações sobre a figura do vingador hispânico), por filmes de pequeno orçamento e por, pelo menos, dois "serials" ("Zorro Rides Again, 1937, e "Zorros Fighting Legion", 1939), até atingir o cume com a engenhosa coreografia de Rouben Mamoulian, espantoso director de grandes musicais.

"A Marca do Zorro" (1940), "remake" explícito do filme de Fairbanks, moldava-se à pequena versatilidade de Tyrone Power, ídolo das matinés, senhor dos corações femininos e um dos espadachins de serviço da época, ainda por cima com a sorte de ter tido do seu lado o génio de cineastas como Mamoulian ou Henry King em produções de prestígio da Fox, incluindo um indiscutível paradigma do filme de piratas, "O Pirata Negro".

Talvez se lamente que o mais emblemático dos herdeiros da tradição Fairbanks, Errol Flynn, com muito mais "panache" e humor do que o ensosso Power, nunca tenha abordado o vingador mascarado. Contudo, Flynn teve a sua quota parte de heróis aventurosos, de Robin dos Bosques a Don Juan, passando por Captain Blood e por uma infindável galeria de figuras históricas, entre universos tão díspares e complementares como os de Walter Scott ou Rudyard Kipling, muitas vezes sob a batuta de bons artesãos da imagem como Curtiz ou Sherman. A sua elegância e agilidade permanecem inultrapassáveis no imaginário de gerações que não encontraram substitutos à sua altura, apesar de Burt Lancaster, Stewart Granger ou Cornel Wilde, para já não mencionar o mais inesperado dos DArtagnans, Gene Kelly.

Com efeito, o bailarino-acrobata, vindo do fabulosa fantasia de Minnelli, "O Pirata", misto explosivo de "swashbuckler" e de musical, protagonizava um "all-star cast" (Lana Turner, June Allyson, Van Heflin, Vincent Price, Angela Lansbury) em "Os Três Mosqueteiros" (1949), dirigido por outro coreógrafo e realizador de musicais, George Sidney, que reincidiria com o excelente "Scaramouche", o melhor dos veículos para Granger, uma das figuras reinantes no género nos anos 50. Nessa década, o Zorro de serviço, Guy Williams, dirigia-se ao público da televisão, embora, numa altura em que os géneros populares imigraram para os estúdios europeus, tenha feito em Espanha, para o grande ecrã, um "O Sinal do Zorro".

De tal tentativa pouco reza a história, o mesmo acontecendo com o facto de Alain Delon (1975) ter acrescentado, sem glória, o herói californiano à sua galeria de personagens aventurosas, para já não mencionar a lamentável paródia em que George Hamilton embarcou com "Zorro, the Gay Blade" (1981). Mais do que uma evolução da personagem, ficou a nostalgia de um género, a memória de um estilo e de uma "souplesse". Errol Flynn permanece, por isso, como a epítome do herói de capa-e-espada, em abstracto, independentemente das personagens.

Ora, o que "A Máscara do Zorro" tem de revigorante é a apologia do movimento e da importância coreográfica da pirueta, esgrimindo com a acção e com a palavra. Um brilhante início dá indicações preciosas de como é possível reverter para o conflito dramático a pirotecnia dos meios de produção. A câmara revela uma agilidade que não aguenta todo o filme, breve se acomodando à modorra. No entanto, o artifício de complementar o velho Zorro (Anthony Hopkins) com o seu "discípulo" (Antonio Banderas), a recordar velhas sequelas como "Os Filhos dos Três Mosqueteiros" ou "O Filho de Robin Hood", é perfeito, até porque Banderas parece ter nascido para a personagem e se revela um notável "pivot" da acção.

Desde os tempos de Almodóvar que não o víamos tão luminoso e consistente. É pena não ter um Mamoulian ou um George Sidney a comandar a dança ou um Michael Curtiz a marcar o compasso. Mesmo assim, o filme recupera dos pontos mortos com um final a fazer jus à homenagem que quer prestar ao género. Não menos importantes são o vilão de Stuart Wilson (sem chegar aos píncaros do sinistro Basil Rathbone, indissociável da fita de Mamoulian e de tantos veículos de Flynn) e a donzela, Catherine Zeta-Jones, digna das Lindas Darnell e das Olivias de Havilland do passado.

Especialmente de saudar é a saborosa ironia dos diálogos, a denotar uma saudável paródia do mito: "Rendes-te?" diz Alejandro/Banderas. "Não, mas posso gritar", responde Elena/Zeta-Jones. "Às vezes produzo esse efeito", replica o herói. Não é uma obra-prima mas dá boas indicações de que Hollywood pode, com bom material de base, muita imaginação e alguma dose de auto-ironia, refazer um dos géneros mais populares do passado.

Por nós, contentes por nos lembrarmos das matinés do Condes ou do Eden, dos velhos filmes de Errol Flynn no Lys ou no Royal (salas que desapareceram já), limitamo-nos a piscar o olho ao herói e a dizer "bem te conheço ó máscara, fazes parte do melhor da minha infância e da minha adolescência!".

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