Dark City - Cidade Misteriosa

Alex Proyas teve o seu baptismo de fogo americano com o muito incensado e muito desequilibrado "O Corvo", exercício de estilo com algum fôlego, embora muito devedor da estética do teledisco, para servir de veículo às piruetas acrobáticas de Brandon Lee.

"Dark City - Cidade Misteriosa" aposta num projecto ainda mais ambicioso com concepção de cenários de Patrick Tatopoulos, responsável entre outros por "O Dia da Independência" e por "Stargate". A história de um homem que acorda no meio de uma lavagem ao cérebro, pensada como troca de memórias, e se encontra acusado de assassínios em série, que não sabe se cometeu, releva de uma lógica kafkiana para o qual seriam necessários um rigor e uma tensão ausentes da gramática primária de Proyas: nem a personagem tem densidade que lhe permita afrontar o absurdo de um processo sem causa, nem o argumento de falsa ficção científica escapa aos lugares comuns acumulados nos produtos mais rasteiros do género.

Um elenco em que avultam o psiquiatra de Kiefer Sutherland e o estranho detective de William Hurt, herdado de um cruzamento estranho, mas curioso, entre o filme negro e a sua matriz germânica, evolui pelo meio de uma dispersiva e pouco complexa galeria de fantasmáticas figuras, a citar os monstros do expressionismo alemão, de "Caligari" a "Nosferatu", do "Golem" aos habitantes do perturbante "Gabinete das Figuras de Cera".

No entanto, e ao contrário de universos mais consistentes em que a revisita aos escaninhos representativo dos mestres expressionistas (pense-se, sobretudo, no magnífico "Batman Regresso" de Tim Burton) passava por uma reformulação inteligente dos terrores da mente, Proyas limita-se ao folclore do fantástico, sem nervo para agarrar situações, nem qualquer sentido da "mise-en-scène". Assim, os cenários "futuristas", pequena Metropolis dos pobrezinhos são totalmente desaproveitados: mesmo os efeitos especiais estão contidos na mais estrita ortodoxia decorativa.

As reuniões dos "Strangers", casta invasora, por vezes usadas para reconhecíveis citações dos mestres alemães (o exemplo perfeito é o da condenação à morte, filmada como em "M", de Fritz Lang) raramente escapam ao ridículo, tornando o que poderia ser uma interessante revisão das origens do cinema fantástico num ensosso "pastiche" por vezes à beira da comédia involuntária.

Sugerir correcção
Comentar