A revolução morreu. Brindemos?

Começou na Tunísia e é mesmo por lá que ainda pode triunfar, falta ainda tanto para perceber o que isso significa. Começou há três anos e quase meio.

Morreu tanta gente entretanto. As eleições desta segunda e terça-feira no Egipto fecham um círculo. Para alguns encerram de vez em desilusão o que milhões, do Magrebe ao Golfo Pérsico, ousaram sonhar possível. 

Estas presidenciais egípcias, as segundas desde a detenção de Hosni Mubarak, são em tudo diferentes das primeiras, em 2012. Em número de candidatos, em discussão política, programática, ideológica, em opções para os eleitores. São uma espécie de eleições, com vencedor conhecido à partida. Nenhum egípcio, nem o único rival do marechal Abdel Fatah al-Sissi, o nacionalista de esquerda, Hamdeen Sabahi, tem ilusões em contrários. 

Perderam-se tantas ilusões nestes anos. Viveu-se tanto, de Tunes a Damasco, que não cabe no tempo que passou. No Cairo, também. “Roubaram-nos a revolução”, dizem os que a tentaram fazer, desde Janeiro de 2011. Eles ajudaram – digo eu. Viram a Irmandade Muçulmana chegar ao poder e assustaram-se: “Vão roubar-nos a revolução”. Demorou mais de um ano em protesto contra a junta que ocupou o poder e tentou salvar o regime para obrigar os generais a marcar eleições. A Irmandade ganhou e nem um ano depois os mesmos revolucionários saíram à rua contra Morsi, dando aos mesmos militares desculpa para reinar de novo. 

Morsi cometeu erros, muitos. Foi incompetente. Mas foi eleito democraticamente. Convidou Sabahi para vice-presidente. E tentou mesmo dialogar. Mesmo se no fim já ninguém se lembrava disso. Morsi sabia que o regime não tinha desaparecido. E alguns erros foram apenas tentativas de sobrevivência: chamou a si poderes para os retirar aos militares – que agora detêm e torturam como nunca no Egipto – e aos juízes – que agora condenam à morte às centenas sem que os advogados de defesa cheguem a abrir a boca em tribunal. Ninguém lhe deu o benefício da dúvida. Porque, como tantas vezes ouvi de Tunes a Cairo nestes mais de três anos, “islamistas moderados é algo que não existe”. 

Continuo sem certezas. Na Tunísia, o Ennahda deu maus e bons sinais. A Irmandade Muçulmana egípcia continua a tentar – com a velha guarda ocupada por estes dias a tentar impedir que os mais jovens apoiantes da confraria peguem em armas e recorram a bombas contra a vaga de repressão que os tentou banir do mapa.

Sissi não esconde ao que vem. Mandou prender islamistas e jovens revolucionários. Fez campanha sem programa nem promessas nem comícios com a sua presença. Não precisa. Não quer ser Presidente, quer ser o salvador da nação. Pode ser esse o seu pecado mortal. A nação está em mau estado. E, para ou bem ou para o mal, aprendeu que pode derrubar presidentes, mesmo com muito sangue derramado a cada tentativa.

Mahmoud Salem, activista mais conhecido pelo nome de guerra @sandmonkey, com o qual já blogava contra Mubarak anos antes dos protestos de milhões, escreve que os revolucionários já ganharam. Para Sissi ser bem-sucedido, terá de “criar políticas económicas que conduzam a reformas verdadeiras e sustentáveis”, “pôr ordem na corrupção nas várias instituições do Estado”, “reformar e modernizar a polícia”, “reduzir o défice, pagar a dívida e reformar a política de subsídios”. Mais: “reformar a Justiça de forma a dar-lhe credibilidade, o que é necessário para o regresso do investimento estrangeiro” e “trazer de volta o turismo”.

Os egípcios, antecipa, vão dar-lhe dois anos. Se tudo lhe correr bem, “serão excelentes notícias para o país e uma vitória para os revolucionários” que começaram a revolução em nome de muitos destes objectivos. Se Sissi falhar? Então, “não será apenas o seu fim, mas o fim do mito na necessidade de um regime militar e de uma reincarnação de Abdel Nasser”: “O mito do Estado militar que nos trará prosperidade e estabilidade vai juntar-se para sempre ao mito do Estado islâmico no caixote de lixo da história do Egipto”.

Num ou noutro cenário: “O país vai avançar por vossa causa e por causa do que vocês começaram. Os vossos sacrifícios, os vossos esforços incansáveis, os próximos que perderam para a morte ou para a prisão, nada foi em vão. Aconteça o que acontecer, vocês já ganharam. Só que ainda não sabem”, escreve Salem. A revolução morreu ou escreve-se apenas por linhas muito tortas? Veremos. A mensagem de Salem aos que, como ele, a iniciaram, é curta: “E um brinde a todos vocês…”.

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