Dos elogios de Passos e Moedas à visão de Portas sobre o “dever cumprido”

Passos voltou ao lugar onde tomou posse para fazer o balanço. Mas foi Portas quem protagonizou a análise política.

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A "fotografia de família" depois do Conselho de Ministros Enric Vives-Rubio

Depois da “circunstância humilhante” de um país com nove séculos de história ter que viver “em assistência externa, numa espécie de co-governo com os credores”, Portugal está agora prestes a sair do resgate da troika, num cenário que Paulo Portas vê como de “dever cumprido”.

A ideia foi deixada nesta quinta-feira pelo vice-primeiro-ministro num discurso durante o Conselho de Ministros, que, num formato especial, reuniu no Palácio da Ajuda (onde o primeiro elenco ministerial tomou posse) todos os ministros e secretários de Estado para fazer um balanço dos últimos três em que o país esteve sob o programa de assistência económica e financeira.

O primeiro-ministro, o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro Carlos Moedas, a ministra das Finanças, e o vice-primeiro-ministro não se cansaram de repetir a ideia de um Portugal que ultrapassou com sucesso a difícil prova da troika. Tal como não se cansaram de tecer auto-elogios, com direito a um balanço reunido em livro para resumir as medidas que foram cumpridas nos últimos três anos: nas contas do executivo, 450 medidas. Portas disse mesmo que todo o Governo pode conjugar “duas palavras muito portuguesas”: “Dever cumprido”.

Primeiro, coube a Passos, nuns breves minutos, descrever o período “tão difícil para a generalidade dos portugueses”. Depois, a Carlos Moedas agradecer aos colegas de Governo, actuais e ex-ministros e secretários de Estado. E para Paulo Portas ficou a análise política do momento e o que a data de 17 de Maio significa. O dia, aliás, em que o Governo se reúne num Conselho de Ministros extraordinário para aprovar um documento a que Passos chamou um “documento de estratégia de médio prazo”.

Para elogiar o “grande trabalho”, o “sucesso”, a “caminhada contínua” de três anos de troika, para recordar a “extrema complexidade” da implementação do programa de resgate, as “mais emblemáticas reformas” e para não deixar em branco o “dia-a-dia dos memorandos”, Carlos Moedas lançou o livro A Gestão do Programa de Ajustamento – 1000 dias, 450 medidas cumpridas, um resumo em cerca de 150 páginas com a leitura das principais metas do programa que o executivo considera cumpridas. “Uma forma modesta e sincera” de homenagear os membros do executivo, enfatizou Moedas. “Este livro pertence a todos”.

Passos Coelho justificara minutos antes a realização deste balanço público com o facto de não o fazer durante o período formal da campanha eleitoral para as europeias. Mas, prometendo cumprir o “dever estrito de imparcialidade”, adiantou que o Governo não deixará de “encontrar uma forma simbólica” de assinalar o 17 de Maio. E enquanto Moedas enumerava as principais reformas, Passos percorria algumas linhas do livro.

Maria Luís Albuquerque discursaria a seguir, para lembrar a política expansionista seguida em 2008 e 2009 que diz ter exacerbado os problemas financeiros do país e percorrer as principais medidas do Ministério das Finanças. E Portas também faria, de seguida, marcha atrás no tempo para lembrar que, em 2011, Portugal “foi obrigado a pedir ajuda externa em desespero de causa porque não havia praticamente dinheiro nos cofres”.

E da troika, passou ao pós-troika, enumerando dez mudanças. A partir de agora, disse, Portugal “deixará de ter a obrigação de negociar linha por linha as suas leis com os credores”; recupera a capacidade de “se poder financiar com autonomia”; a palavra dominante deixa de ser “cortes” para passar a ser “recuperação” – “de salários (progressivamente), de pensões (substancialmente), de rendimento (necessariamente)”.

A que se soma um “ciclo de crescimento”; uma governação de “sustentabilidade das políticas públicas”; a necessidade de fazer reformas e consensualizá-las; aplicar uma “cultura de compromisso” entre “todos os actores políticos e sociais”; o Governo poderá “aproximar-se mais do seu programa e a oposição terá que se tornar mais competitiva”; acabam o ambiente “depressivo”, a “angústia por antecipação” das avaliações, que são substituídas por um “respirar mais em liberdade e com responsabilidade”. E, por último, Portas considera que se poderá responder à “grande questão dos últimos três anos: conseguiremos chegar ao fim do ciclo da troika com um resultado que dê sentido útil aos sacrifícios que estamos a fazer?” Portas não tem dúvidas: “Conseguimos. Como nação, conseguimos.”

Mas também adverte para a criação de uma nova pergunta: “Quem nos garante que não voltaremos a cair nas causas e nas políticas que levaram ao resgate e a estes três anos dolorosos?” A esta, porém, não deu resposta.

Terminados os discursos, ministros e secretários de Estado desceriam para a “fotografia de família”, no pátio calcetado do palácio. Passos caminha quase lado a lado com o ministro da Educação, Nuno Crato, acenando-lhe discretamente com a cabeça em sinal afirmativo. Depois dos sorrisos para as câmaras, segue em direcção ao interior do palácio. Com Portas ao lado sorrindo, mas agora de semblante fechado.

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