Crimeia pede integração na Rússia, União Europeia aprova sanções contra 21 pessoas

Integração na Federação Russa aprovada por 96,77% dos eleitores, num referendo que os Estados Unidos e a União Europeia consideram ilegítimo e ilegal. Ministros europeus aprovam sanções contra 21 cidadãos russos e ucranianos e Vladimir Putin faz declaração na terça-feira.

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Houve festejos nas ruas de Sevastopol VIKTOR DRACHEV/AFP
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Os resultados finais DR
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A consulta não é reconhecida pela União Europeia e pelos Estados Unidos Vasili Fedosenko/Reuters

A integração da península ucraniana da Crimeia na Federação Russa foi aprovada por 96,77% dos eleitores que votaram no referendo de domingo, anunciou o presidente da comissão de eleições local. As agências russas avançam que a Crimeia já pediu formalmente a integração na Rússia e a mudança para o fuso horário de Moscovo, até 30 de Março.

Em conferência de imprensa, o responsável pela comissão de eleições, Mikhail Malishev, precisou que o "sim" à pergunta "É a favor da reunificação da Crimeia com a Rússia como parte da Federação Russa?" obteve 96,77% dos votos. Segundo o mesmo responsável, votaram 83,1% dos 1.274.096 dos eleitores. 

O anúncio do resultado final foi recebido com entusiasmo no Parlamento russo. O vice-presidente da câmara baixa (Duma), Sergei Neverov, anunciou que "todos os passos legislativos necessários sobre os resultados do referendo serão tomados o mais rapidamente possível". "O referendo mostra que o povo da Crimeia vê o seu futuro com parte da Rússia", acrescentou o mesmo responsável.

As primeiras estimativas apontaram para uma vitória da integração na Federação Russa com um resultado acima dos 95%, pelo que o anúncio oficial não altera em nada a situação.

Assim que os resultados finais do referendo foram anunciados, as autoridades pró-russas da Crimeia arrancaram para uma alucinante corrida legislativa. Em poucas horas, o novo Conselho de Estado da República da Crimeia pediu formalmente a integração na Rússia, anunciou a nacionalização de duas grandes empresas de gás ucranianas (a Chornomornaftogaz e a Ukrtransgaz) e deu três opções aos militares ucranianos: integrarem as forças armadas da Rússia, partirem para a Ucrânia ou mudarem de profissão.

O governo russo começa já a fazer contas. O vice-ministro das Finanças disse nesta segunda-feira que "a provável integração" da península ucraniana na Federação Russa "terá um impacto significativo" na economia do país. Sergei Shatalov admite mesmo que o processo terá de incluir a aplicação de "um regime especial de impostos" durante um período de transição.

Pouco tempo depois do anúncio dos resultados finais surgia a notícia de que as autoridades pró-russas da Crimeia já enviaram o pedido formal de integração na Federação Russa ao parlamento do país. Segundo a agência russa Interfax, o pedido inclui a mudança da hora na Crimeia, para ficar em linha com Moscovo – se o pedido for aceite, a capital da Crimeia, Simferopol, passa de mais duas horas em relação a Portugal continental para mais quatro horas.

O Presidente russo, Vladimir Putin, vai fazer uma declaração perante o parlamento russo na terça-feira.

O primeiro-ministro da Crimeia, Sergei Aksionov, disse à mesma agência que o rublo será adoptado na próxima semana com uma segunda moeda oficial, em simultâneo com o hrivnia ucraniano. Este sistema deverá estar em vigor dentro de seis meses.

O responsável pró-russo disse que a integração deverá estar concluída dentro de um ano e fez saber que pretende manter relação com "entidades económicas, incluindo a Ucrânia".

O facto de a população da Crimeia ser constituída por cerca de 24% de ucranianos e 12% de tártaros, para além de outras minorias, põe em causa a percentagem da afluência às urnas (83,1%), já que foram anunciados boicotes à votação. Confrontado com este facto no Twitter, o jornalista da estação RT (financiada por Moscovo) Alexei Iaroshevski disse que "isso não faz sentido" e que ele próprio viu "alguns tártaros a votar a favor da integração na Rússia" (as urnas eram transparentes e muitos eleitores não dobraram os boletins).

Também nesta segunda-feira, o parlamento da Ucrânia aprovou a mobilização de 40.000 reservistas para reforçar o poder militar do país. O secretário da Segurança Nacional e do Conselho de Defesa, Andrii Parubi, anunciou que 20.000 reservistas vão ser colocados nas forças armadas e os restantes 20.000 na recém-criada Guarda Nacional.

União Europeia aprova sanções
Os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia (UE) chegaram a acordo nesta segunda-feira para a aplicação de sanções a 21 cidadãos russos e ucranianos, acusados de terem responsabilidades no processo que levou à realização do referendo na Crimeia.

O anúncio foi feito pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, Linas Linkevicius, através do Twitter, no final de uma reunião dos representantes da política externa dos países da UE, em Bruxelas.

Não foram divulgados nomes – sabe-se apenas que as sanções incluem "restrições a viagens" e "congelamento de bens". O ministro lituano disse ainda que a UE irá tomar outras medidas nos próximos dias, sem avançar pormenores. No final desta semana, na cimeira de líderes da UE, poderão ser aprovadas novas sanções a personalidades mais próximas do Presidente russo, Vladimir Putin, avança a agência Reuters.

Antes da reunião desta segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros austríaco, Sebastian Kurz, encarregara-se de baixar as expectativas. Numa entrevista à estação pública ORF, o responsável disse ser "improvável" que as sanções atinjam proprietários de grandes empresas do sector da energia.

Na sexta-feira, o jornal alemão Bild avançou que Alexei Miller, presidente executivo da Gazprom, e Igor Sechin, presidente da Rosneft, estariam na lista da UE, mas o ministro dos Negócios Estrangeiros austríaco disse nesta segunda-feira que "não é expectável" (nem desejável, segundo os líderes europeus) que tal aconteça. "Acho que visar homens de negócios indiscriminadamente, neste momento, seria um passo errado", disse Sebastian Kurz. De fora ficaram também altos responsáveis políticos russos. O objectivo da UE é manter a porta aberta para o diálogo com o Presidente Vladimir Putin.

EUA falam em "custos adicionais" para a Rússia
Também os Estados Unidos voltaram a avisar a Rússia de que a validação do referendo de domingo terá consequências, que passam também pelo reforço das sanções.

O Presidente dos EUA, Barack Obama, reafirmou no domingo, numa conversa telefónica com o Presidente russo, Vladimir Putin, que "as acções da Rússia violam a soberania e a integridade territorial da Ucrânia".

Num comunicado publicado no site da Casa Branca, lê-se que Obama sublinhou a "coordenação" com os líderes europeus, dizendo que, todos juntos, estão "preparados para impor custos adicionais à Rússia como resultado das suas acções".

Apesar disso, o Presidente norte-americano disse que "continua aberto um caminho para a resolução desta crise por via diplomática, de uma forma que vá ao encontro dos interesses russos e do povo da Ucrânia", tal como frisou o secretário de Estado John Kerry na sexta-feira.

Ao contrário do Japão – que condenou o referendo e pediu à Rússia que não anexe a Crimeia –, a China absteve-se de fazer qualquer comentário sobre a legitimidade da consulta popular e reafirmou que não apoia a aplicação de sanções à Rússia

"Esperamos que todas as partes consigam evitar que a situação piore. A única saída é o diálogo", disse o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Li Baodong.

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