Aos três anos, as crianças de Fukushima sabem dizer a palavra "radiação"

As crianças mais pequenas deixaram de poder sair à rua – tudo por medo da radiação e do cancro. Três anos após a catástrofe, há outros desastres que se vão preparando, em silêncio, vidas modificadas de forma drástica.

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Aos dois anos, Nao Watanabe perde-se entre as milhares de bolas de um parque infantil Toru Hanai/Reuters
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Areia, pás e baldes, tudo como se estivessem numa caixa de areia ao ar livre Toru Hanai/Reuters
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Entre paredes os aviões também podem voar Toru Hanai/Reuters
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Um medidor Geiger regista um nível de radiação de 0,442 microsieverts por hora num parque infantil em Koriyama Toru Hanai/Reuters
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Crianças cumprimentam a sua educadora antes de entrarem num autocarro escolar que as irá levar até ao jardim-de-infância Toru Hanai/Reuters
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Uma menina usa uma mascara enquanto aguarda a chegada do autocarro que a irá levar até à escola Toru Hanai/Reuters
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Um homem alias a areia de um parque infantil perto de um medidor Geiger, que mede o nível de radiação em 0,207 microsieverts por hora Toru Hanai/Reuters
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Crianças brincam num parque infantil dentro de portas Toru Hanai/Reuters
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Uma menina chega ao jardim-de-infância Emporium, à porta do qual está um medidor de radiação Geiger Toru Hanai/Reuters
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Neste jardim-de-infância as caixas de areia estão dentro de portas Toru Hanai/Reuters
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Bonecas de papel feitas por crianças enfeitam as parades do jardim-de-infância Emporium Toru Hanai/Reuters
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Uma menina aguarda junto à porta da sala das educadoras Toru Hanai/Reuters
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Crianças jogam na enorme sala do seu jardim-de-infância onde decorrem as actividades desportivas Toru Hanai/Reuters
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No jardim-de-infância Emporium, as crianças jogam sempre dentro de uma grande sala Toru Hanai/Reuters
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Sakuya Zui tem dois anos e como muitos meninos da sua idade brinca num parque infantil interior devido aos receios dos pais dos níveis de radicação Toru Hanai/Reuters
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Daichi Toyota, de um ano, brinca com a mãe num parquet para crianças interior Toru Hanai/Reuters
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Sakuya Zui, dois anos, brinca num dos parques infantis de Koriyama Toru Hanai/Reuters
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Iori Hiyama, de quatro anos, anda de triciclo numa pista criada para os mais pequenos Toru Hanai/Reuters
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Uma criança passa junto a um dos vários medidores Geiger distribuídos por Koriyama Toru Hanai/Reuters
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Atsunori Kaneta, de cinco anos, brinca sorridente na sua casa Toru Hanai/Reuters
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Masyoshi Kaneta, de sete anos, joga com uma Nintendo Wii U na sala de estar da sua casa Toru Hanai/Reuters
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Uma menina de cinco anos é submetida a um exame à tiróide numa clínica em Nihonmatsu Toru Hanai/Reuters

As crianças que têm à volta de três anos e vivem em Koriyama, e em muitas outras povoações em torno de Fukushima, quase não sentem o Sol na pele. Após o desastre nuclear que se sucedeu ao sismo e brutal tsunami de 11 de Março de 2011, foi feita a recomendação de que as crianças até dois anos não passassem mais de 15 minutos na rua por dia. Os que tivessem três a cinco anos podiam, no máximo, pôr o nariz fora de casa durante meia-hora – tudo rigorosamente controlado com medidores de radiação instalados na rua, ou outros portáteis, que as próprias crianças podem usar.

“Tenta evitar tocar o ar exterior”, recomendava uma mãe preocupada ao seu filho, à porta de um recreio interior na cidade de Koriyama, a cerca de 55 km para ocidente da central de Fukushima. Até as crianças de três anos sabem dizer a palavra “radiação”, relata a Reuters. Estes limites draconianos à exposição das crianças foram levantados em Outubro, mas os pais japoneses não confiam que seja seguro. Brincar no recreio só debaixo de tecto.

Após o acidente nuclear de Tchernobil, em 1986, houve uma subida de casos de cancro da tiróide nas crianças. Mas em Fukushima, não houve crianças sujeitas a níveis de radiação tão elevados como aconteceu no acidente da central nuclear na Ucrânia – o nível máximo no Japão, 50 milliesieverts, era um dos valores mais baixos a que estiveram sujeitas as crianças que vieram a sofrer de cancro da tiróide após a explosão da central soviética em 1986, disse à BBC Shinichi Suzuki, professor na Faculdade de Medicina de Fukushima.

A Organização Mundial de Saúde diz que as crianças expostas a maiores doses de radiação após o acidente de Fukushima correm um risco ligeiramente superior de virem a sofrer de cancros como leucemia, da tiróide ou da mama durante toda a sua vida do que a população em geral. Mas o aumento é muito pequeno, dizia a OMS num relatório publicado há um ano.

O risco de sofrer do cancro da tiróide – um cancro raro – deve subir 70% nas crianças do sexo feminino nas zonas com maior radioactividade. Mas o risco normal, durante toda a vida, é de apenas 0,75%, pelo que o risco sobe apenas para 1,25%, sublinhava a OMS.  

Mas três anos após o acidente nuclear de Fukushima, as autoridades de saúde estão a reportar um aumento significativo dos casos de cancro da tiróide entre as crianças e adolescentes que vivem naquela área. Não é possível ainda destrinçar se isto se deve a uma vigilância demasiado apertada, que está a detectar casos que normalmente passariam desapercebidos, ou se realmente se está a verificar um aumento do número de casos de doença relacionados com o acidente nuclear.

O que é também fácil de verificar é que as crianças têm falta de capacidades normais, que se aprendem nas actividades do dia-a-dia, a brincar no recreio: falta-lhes força motora, não têm coordenação, não conseguem sequer andar de bicicleta. É comum terem problemas emocionais. São irritadiças e cheias de medos. Antes de comerem seja o que for, perguntam a um adulto: “Isto tem radiação?”, relatou à Reuters Mitsuhiro Hiraguri, director da creche Emporium, em Koriyama.

Nem todos se resignam a serem flores de estufa.“Alguns querem mesmo, mesmo brincar na rua. Querem fazer bolinhos de terra. Temos de lhes dizer não, temos pena. Tens de brincar na caixa de areia dentro de casa.”
 

   

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