A galáxia das WhatsApp’s

A empresa Facebook anunciou a compra da WhatsApp por um total de 19 mil milhões de dólares. É um negócio de outra “galáxia” que dificilmente se entende pelas regras tradicionais das finanças.

Não há melhor avaliação de uma empresa do que aquela que vemos no mercado. Qualquer coisa vale de facto o que alguém estiver disposto a pagar por ela. É assim em tudo, num carro usado, num livro, num quadro, em qualquer investimento e, claro, em qualquer empresa.

A Facebook valia, antes do anúncio da compra da WhatsApp, considerando a média das últimas seis sessões de bolsa, qualquer coisa como 166,4 mil milhões de dólares. Se a compra anunciada fosse considerada “cara” o valor das ações Facebook teriam que cair. Ora depois do anúncio a primeira reação foi efetivamente de descida mas rapidamente as cotações recuperaram e, aos preços de fecho da sessão de hoje, a empresa vale cerca de 175 mil milhões de dólares. Em resumo, a WhatsApp foi comprada por 19 mil milhões mas o mercado não achou que fosse cara, antes pelo contrário, achou que foi bom para a Facebook, que aumentou o seu valor em quase 9 mil milhões. Mas como se justifica este preço e este valor?

Vejamos em que termos o negocio foi feito, alguma coisa tem que justificar esta montanha de dinheiro. A Facebook paga quatro mil milhões em dinheiro e emite o equivalente a 12 mil milhões em ações próprias. Emite ainda o equivalente a três mil milhões num tipo de ações especiais (RSU - restricted stock units), uma espécie de um produto híbrido de ações com opções, que na prática se convertem em ações normais daqui a quatro anos, a distribuir aos fundadores e aos colaboradores da WhatsApp. A parte em dinheiro é substancial se tivermos em conta o que é habitual em fusões de empresas, mas não é por aqui que encontramos justificação para o preço.

A WhatsApp é uma empresa em fortíssimo crescimento com um serviço de mensagens pessoais em tempo real que se transmitem pela Internet. Há cerca de 450 milhões de pessoas a usar este serviço mensalmente, em média 72% destes utilizadores estão ativos em cada dia, o volume de mensagens é equivalente a todas as SMS que se fazem pelas empresas de telecomunicações, e o crescimento continua, com cerca de um milhão de novos utilizadores em cada dia. O presidente da Facebook, Mark Zuckerberg, acredita que o número de utilizadores chegue aos mil milhões de pessoas e que um serviço que atinja este patamar é extremamente valioso.

Os números começam a fazer o mínimo de sentido. Zuckerberg está então a pagar cerca de 42,2 dólares por cada utilizador do WhatsApps prevendo que este valor se dilua para 19 dólares quando o número de utilizadores for de mil milhões. Mas a minha dúvida mantém-se, como se recuperam 19 dólares por utilizador? E em quanto tempo? É que não se sabe ao certo quanto é que a WhatsApp factura mas o que é anunciado é que cada um dos utilizadores paga um dólar anualmente a partir do segundo ano de utilização, o que daria um “payback” entre 20 a 40 anos, o que é um absurdo.

Claro que todo o negócio ainda tem que ser aprovado por diversos reguladores. Está previsto que se não for autorizado a Facebook pagará cerca de dois mil milhões de dólares de indemnização, quase um pormenor em relação aos números que estão envolvidos. Pormenor, pensando bem, é o dobro do valor que a Facebook pagou em 2012 pela Instagram, uma aplicação de fotografias que na altura também apresentava um alto crescimento. Lembro-me de ter pensado sobre esse negócio como se justificava pagar mil milhões de dólares por uma aplicação deste tipo… bom, acho que ainda hoje não sei.

Há uma outra maneira de olhar para este negócio: a Facebook compra esta empresa porque alguém que tem 450 milhões de utilizadores e um crescimento tão elevado é por si uma ameaça. No fundo é dizer-se que se paga 19 mil milhões por um potencial concorrente, alguém que está a crescer mais que nós. Repare-se que a Facebook era considerada a referência dos crescimentos rápidos. Começou em 2004, tinha 100 milhões de utilizadores em 2008 e em março de 2013 tinha 1,11 mil milhões e quando foi para a Bolsa, em fevereiro de 2012, foi avaliada em 104 mil milhões de dólares (que na altura achei um disparate mas que o mercado justificava pelo número de utilizadores). No início deste ano a Facebook tinha 1,31 mil milhões de utilizadores e 680 milhões de utilizadores móveis, é um aumento de 22% entre 2012 e 2013, 48% destes utilizadores ligam o Facebook diariamente e o tempo médio de cada visita é de 18 minutos, 48% dos utilizadores com idades entre os 18 e os 34 anos ligam o Facebook quando se levantam e 28% ligam-no quando ainda estão na cama, em cada 20 minutos há um milhão de links partilhados na rede, dois milhões de pedidos de amizade e três milhões de mensagens enviadas.

É fácil perdermo-nos na curiosidade das estatísticas do Facebook, podemos não entender de imediato como isso se transforma em dinheiro mas é evidente o potencial de qualquer coisa que envolva este número de pessoas. O Facebook tem 4600 colaboradores, facturou 5,09 mil milhões de dólares em 2012 e 6,15 mil milhões em 2013 (proporcionalmente é parecida com a nossa Galp, que emprega 7000 pessoas e facturou em 2012 cerca de 18,5 mil milhões de euros, a diferença é que a Galp “só” vale no mercado 9,7 mil milhões de euros, 30% menos que o valor da WhatsApp! e 92% menos que o Facebook).

Vejamos outra perspectiva, a WhatsApp vale pela sua simplicidade, que é o que tem justificado o seu crescimento. Nos primeiros quatro anos de lançamento, o Skype conseguiu 52 milhões de utilizadores, o Twitter 54 milhões, o Gmail chegou aos 123, o Facebook atingiu 145 e o WhatsApp 419 milhões de utilizadores, veja-se a abissal diferença no crescimento. De facto, não passa de uma aplicação simpática para enviar mensagens de texto, fotografias ou vídeos para os amigos em qualquer parte do mundo e sem pagar nada (ou pagando o tal dólar por ano) mas, ao contrário de outras aplicações de mensagens, como o iMessage da Apple, funciona na maioria dos sistemas operativos móveis, e ao contrário da generalidade das empresas de telecomunicações não cobra nada pelo envio das mensagens. Para além disto tem um aspeto simpático igual ao usado nos telemóveis mais sofisticados, longe das aplicações sem graça de SMS’s que eram usadas nos telefones mais antigos. Isto tudo é verdade mas ainda não justifica o preço!

Os dois criadores da WhatsApp justificam de forma curiosa porque é que não vendem publicidade e, consequentemente, porque cobram um dólar por ano a cada utilizador. Os dois trabalhavam na Yahoo!, cuja principal fonte de receitas era a publicidade que vendiam para pôr nas páginas. A Yahoo! quase desapareceu do mercado e foi ultrapassada pela Google, que é um vendedor muito mais eficiente de publicidade, pela simples razão de que sabendo o que cada utilizador procura pode direcionar a publicada mais ajustada, o que é um argumento de peso para os clientes.

Reparem que estas empresas sabem cada vez mais tudo o que nos diz respeito, concretamente quais os nossos amigos e quais os nossos interesses. O que é que alguém que quer fazer publicidade pode querer mais? Quando começaram com a WhatsApp concentraram-se em fazer um produto que as pessoas gostassem porque funcionava bem e porque lhes pouparia uns euros no envio de mensagens. Assim poderiam cobrar alguma coisa pelo serviço e não teriam que vender publicidade. Talvez a escolha por este modelo de negócio justifique a fortíssima penetração no mercado. Ninguém se levanta entusiasmado para ver publicidade mas poderá fazê-lo por um serviço de mensagens simpático de baixíssimo custo. Se a empresa vende publicidade, grande parte dos seus colaboradores gastam a maioria do tempo em elaborados modelos de análise de dados para descobrir a melhor publicidade para aparecer em cada utilizador em cada momento, se a empresa não vende publicidade o trabalho concentra-se no próprio serviço, para que continue simpático de utilizar.

Quando a publicidade está envolvida no negócio o próprio utilizador é o produto, é isso que a empresa vende aos clientes, tenho aqui estes milhões de tenrinhos prontos para lhes oferecer os seus produtos. Esta é a grande diferença da WhatsApp em relação aos restantes serviços de mensagens no mercado. Mas voltamos ao mesmo, então assim sendo um dólar por ano chega?

Intrigado na justificação do valor desta empresa fui procurar os argumentos dos vendedores mas não ajudam grande coisa. Acham que os 450 milhões de utilizadores revelam uma nova fase de 150 anos de história de comunicações, que começou com a Pony Express em 1860 e que foi evoluindo com os telegramas, as cartas enviadas pelo correio, os telefones, o correio electrónico e agora por estes sistemas de mensagens.

Dizem que são uma equipa de 32 engenheiros, focados na construção de um serviço confiável que processa 50 mil milhões de mensagens por dia em sete plataformas diferentes, um serviço que funciona 99,9% do tempo e que por isso é tão confiável como os telefonemas “tradicionais”. Dizem que se distinguem por não venderem publicidade e que a maior prova que o serviço vale por si é que nunca gastaram um tostão em marketing (a empresa nem tem ninguém com funções de relações publicas). Mas volto ao mesmo, e o valor vem donde? Fui ao comprador, Zuckerberg, que resume tudo na última frase que “postou” na sua página do Facebook sobre o negócio: “esta gente fez um trabalho fantástico ao conectar cerca de 500 milhões de pessoas, estou ansioso que se juntem ao Facebook e que nos ajudem a conectar com o resto do mundo”. Simples!

O valor investido na criação da WhatsApp é, evidentemente, irrelevante no preço que neste texto tentei explicar mas não deixa de ser curioso. Uma empresa de capital de risco, a Sequoia Capital, é a única entidade a deter ações da WhatsApp. Não se sabe ao certo quanto investiu, existiram 3 fases de investimento, a primeira sabe-se que foi de oito milhões de dólares, em 2011, e estima-se que no total tenham sido 60 milhões, a ultima fase a meio do ano passado. Estima-se que pelo acordo de participação no negócio esta gente receba entre 17 e 19% do preço, isto é, entre 3,2 e 3,6 mil milhões. Excelente!

Mark Zuckerberg pode ser meio tolo, não digo isto de forma depreciativa mas de facto parece ter uma relação invulgar com o dinheiro ou então, que é o mais certo, tem uma visão de criação de valor muito à frente, algo que eu, e acredito que a maioria das pessoas formatadas com o estado atual da ciência das finanças e da gestão, não atingimos direito. Certo, certo, é que começou uma empresa há 10 anos que vale hoje 175 mil milhões de dólares. Sei que não é comparável mas o PIB nominal português deve andar pelos 200 mil milhões. O negócio da WhatsApp é de outra galáxia!

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