Das comarcas-piloto para distritos-comarcas?

Com a entrada em funcionamento das comarcas-piloto de Grande Lisboa - Noroeste, Baixo Vouga e Alentejo Litoral, em Abril de 2009, teve início, no terreno, a primeira fase da reforma do mapa judiciário que o Parlamento aprovara no ano anterior. Nessas novas comarcas, de dimensão alargada, passaram a existir mais tribunais especializados, incluindo em concelhos, como Sines, onde nunca tinha havido tribunal. Houve reformulação. Não houve encerramento de tribunais.

Mudava-se em termos de matriz territorial, modelo de gestão, modelo de competências e de afectação de recursos, além de se concretizar a opção pela especialização. Nas comarcas-piloto chegavam também ao terreno outras inovações da lei: presidentes e magistrados coordenadores com novos papéis, administradores, conselhos de comarca, avaliação da actividade do tribunal, objectivos mensuráveis… de que agora se volta a falar.

As 3 comarcas-piloto inseriam-se num modelo legal de 39 comarcas, que substituía o modelo existente de 231, em aplicação dum critério territorial, especificamente acordado para o efeito entre o PS e o PSD, baseado numa agregação de concelhos (NUTS III, na linguagem europeia). Com essa opção, pretendia-se modernizar consensualmente a geografia judiciária, sem um distanciamento excessiva da anterior escala.

Tendo em conta o balanço da primeira fase da reforma, o “Memorando” de 2011 previu a sua aplicação a todo o país, tendo-se estabelecido a data-limite de Dezembro de 2012 para implantar as 39 comarcas (cf. 7.3). Mas esta viria a ser uma das áreas em que as celebradas metas originárias do memorando não foram cumpridas. Tendo-se libertado do calendário num ulterior entendimento com a troika, o actual governo atirou também fora, unilateralmente, o critério e o mapa das 39 comarcas. Não se tratava, como se poderia supor, de regressar à solução alternativa avançada pelo PSD (o mapa dos 58 círculos) para romper, algum tempo antes, o “acordo para a reforma da justiça”. A operação era agora em sentido inverso: ao mesmo tempo que desmantelava os governos civis, o governo prometia aos distritos uma nova oportunidade como comarcas. E assim nascia o mapa das 23 comarcas, cuja regulamentação aguarda publicação.

Este registo não permite falar de uma evolução promissora. A reincidência no rompimento e na desvinculação unilateral (primeiro com Luís Filipe Meneses, depois com Passos Coelho), com fundamentos contraditórios, delapidou consensos que eram essenciais para uma reforma como esta, que precisa de mais do que uma legislatura para se enraizar. Uma escolha insensata da actual coligação - “a comarca- distrito” - vem agravar e dificultar em vez de ajudar a resolver. Até mesmo sob ângulos novos: quando o princípio da proximidade faz a Constituição prever que a regra para a primeira instância é o tribunal de comarca, uma maioria de governo está credenciada para escolher a “comarca- distrito” em vez da “comarca-concelho”?

Se não for restaurado um entendimento interpartidário alargado e substituídas as opções unilaterais incorporadas, esta nova versão da reforma poderá ainda transmitir, por mais algum tempo, a imagem de prosseguir rumo à realidade. Mas tendo já sido perdida a oportunidade mais abrangente - que teria sido o cumprimento integral do prazo e termos constantes do Memorando - o debate interior que a consome é já hoje o da justificação do seu adiamento.

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