Quase 57% dos africanos vivem em regiões onde é fácil contrair malária

Entre 2000 e 2010 só 3,7% dos africanos deixaram de viver em zonas com média ou alta probabilidade de ter malária. Apesar de se ter investido nove vezes mais no controlo da doença, a evolução é “modesta”.

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Há 183,5 milhões de pessoas a viver em regiões onde o Plasmodium falciparum existe abundantemente Adriane Ohanesian/Aid Reuters

Guiné, Togo, Mali, Moçambique, Burkina Faso, Gana, Costa do Marfim, Uganda, Nigéria e República Democrata do Congo são os dez países africanos que albergam 87,1% da população (159,9 em 183,5 de milhões de pessoas) que vive em regiões com uma probabilidade alta ou muito alta de contraírem o parasita mais mortal da malária. Os dados são de 2010, e mostram que a evolução do controlo da malária na primeira década do século XXI é “modesta”, apesar do financiamento para o seu combate ter aumentado nove vezes.

Assim, naquele ano, 56,8% dos 815,7 milhões de pessoas daquele continente viviam em regiões com média ou alta probabilidade de apanhar esta doença. Em 2000, 60,5% da população estava nas mesmas condições. Ou seja, nos dez anos seguintes, apenas 3,7% da população passou a viver em regiões com risco baixo, mínimo ou nulo de contrair a doença, segundo um trabalho publicado hoje na revista The Lancet.

Liderado por Abdisalan Noor e Robert Snow, dois investigadores do KEMRI-Wellcome Trust – uma parceria entre o Instituto de Investigação Médico do Quénia, a Universidade de Oxford e o Wellcome Trust (uma organização privada britânica que financia investigação médica) –, o estudo retrata, pela primeira vez, a evolução da doença após a criação da iniciativa Roll Back Malaria. Esta parceria iniciada em 1998 para coordenar uma resposta global contra a malária reúne mais de 500 parceiros – entre países onde há malária, empresas, fundações, institutos de investigação, grandes organizações como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Banco Mundial ou a UNICEF.

“Para a maioria dos países de África com malária endémica, o fardo da doença associado ao Plasmodium falciparum, e como esse fardo mudou ao longo da década de 2000-2010, continua a estar mal definido”, lê-se no artigo. O Plasmodium falciparum é a espécie mais letal que causa a malária nas pessoas.

Transmitido pelo insecto anófeles, o parasita entra na circulação humana depois de sermos picados por um mosquito infectado, e segue em direcção ao fígado, onde infecta uma célula. Aqui, o parasita multiplica-se milhares de vezes e sai para o sangue. No sangue passa a infectar os glóbulos vermelhos, onde se multiplica novamente. Quando os glóbulos vermelhos rebentam, os sintomas da doença aparecem: febres altas, dores no corpo, dor de cabeça. Por vezes, as pessoas morrem.

O problema é que a contabilização do número de mortes por malária tem uma enorme variação. Estudos diferentes defendem que em 2010 a malária matou entre 655.000 e 1,23 milhões de pessoas.

Abdisalan Noor e Robert Snow optaram por analisar a malária nos vivos. Reuniram informação de 26.746 estudos feitos em 49 países africanos, desde 1980. Estes trabalhos contaram o número de crianças entre os dois e os dez anos com Plasmodium falciparum no sangue, abarcando 3,5 milhões de pessoas. Com estes números, e aplicando um modelo, a equipa conseguiu mostrar a prevalência da malária, neste grupo etário, em 2000 e em 2010, revelando assim a evolução da malária em África.

“Os resultados apresentados são encorajadores e preocupantes ao mesmo tempo”, escrevem Brian Greenwood, da School of London de Higiene e Medicina Tropical, e Kwadwo Koram, do Instituto Memorial Noguchi de Investigação Médica, em Acra, no Gana, num comentário do The Lancet sobre o artigo, onde elogiam este método de amostragem, que dá “ uma forma válida de avaliar as mudanças na incidência da malária ao longo do tempo”.

A malária é endémica em toda a África subsariana, menos no Sul. Entre 2000 e 2010, o número de pessoas que vivem em lugares com mais de 50% de crianças infectadas com o Plasmodium falciparum desceu de 218,6 (34,4% da população africana que em 2000 era de 635,7 milhões) para 183,5 milhões de pessoas (22,5% da população africana, que em 2010 era de 815,7 milhões). No entanto, a população a viver em regiões com prevalência média deste parasita subiu de 178,6 milhões (28,1% da população) em 2000, para 280,1 milhões (34,3%) em 2010.

Os autores do estudo notam que em 2010, 217,6 milhões de pessoas viviam em regiões que dez anos antes estavam num nível mais grave de endemismo de malária. Mas o aumento populacional de 200 milhões de pessoas a viver em regiões onde há malária “diminuiu parte do ganho proporcional na redução da transmissão”, lê-se no artigo.

Entre 2000 e 2010, o financiamento dado para controlar a malária subiu de 145,1 milhões de euros para 1308 milhões, segundo o relatório de 2010 da OMS sobre a malária. No entanto, este montante “ainda é baixo para os recursos necessários para controlar a malária, estimados em mais de 4.362,37 milhões de euros para o ano de 2010”, lê-se no relatório.

Para Brian Greenwood e Kwadwo Koram, os resultados da luta contra a malária, evidenciados neste novo estudo, são “modestos”. Os especialistas alertam para as ameaças como as resistências emergentes do mosquito a insecticidas e do parasita aos antibióticos, nomeadamente a artemisina.

Para Robert Snow, estes resultados são um sinal claro para não se abandonar a luta contra esta doença: “Se o investimento na [luta contra a] malária não for mantido, centenas de milhões de africanos correm o risco da infecção recuperar, com consequências catastróficas.”

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