Lamentei muito que o Brasil deixasse Portugal fora do programa Ciência Sem Fronteiras

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Nélson Garrido

A política externa do Brasil deve manter o seu rumo histórico, mas tem de atender à emergência de um mundo multipolar. Eduardo Campos considera Portugal uma “porta histórica” a abrir para acentuar a integração com a UE e defende que os dois países têm de “jogar juntos” no aprofundamento da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP).

O Brasil tem mantido uma relação tensa com os Estados Unidos, que se agravou com as escutas à Presidente Dilma. Que papel devem ter os EUA nas prioridades da política externa do Brasil?
O Brasil tem na sua tradição diplomática defendido de maneira muito clara um mundo mais multipolar, que se integre, que respeite a autodeterminação dos povos. Acho que não devemos abandonar parceiros que historicamente tivemos ao nosso lado, mas ao mesmo tempo devemos buscar alianças em áreas do mundo onde estivemos distantes. Não podemos desconhecer o que está acontecendo em termos de crescimento económico na Ásia. Hoje temos a China como um grande parceiro do Brasil. Abrimos muitas parcerias com África, um continente que marcou e contribuiu muito para a formação do Brasil, com quem, nós, brasileiros, temos uma enorme dívida histórica. Temos uma relação com os EUA que não pode de maneira nenhuma ser colocada ao sabor dos governos. Tem de ser uma relação de nação a nação, de um povo que entende e respeita o outro. A relação com os EUA é importante para o equilíbrio da América do Sul. Não podemos ter uma atitude de um esquerdismo infantil, de achar que podemos colocar a relação com um país ao sabor das idas e vindas deste ou daquele Governo.

Que importância tem para si a União Europeia nessa equação?
Precisamos de uma maior integração com a UE e essa integração não se pode fazer por outra porta que não seja a porta que nos une à Europa, a porta histórica, a porta de uma relação muito querida pelos brasileiros que é a relação com Portugal. Temos uma relação muito forte com Portugal, com a Europa, que tivemos como referência de sociedade, de padrão político, de lutas importantes para a construção de uma sociedade mais equilibrada.


Como avalia a complacência com que o Brasil se relaciona com regimes nos quais a democracia tem uma consistência duvidosa, como na Venezuela ou no Equador?
O Brasil precisa de cuidar da sua democracia, que tem de melhorar. Mas precisa de respeitar os outros países. Esse é um dos pressupostos básicos da nossa política externa.

O Brasil deve ter a mesma intensidade de relações com o Chile e com a Venezuela?
Eu respeito as mais amplas liberdades de imprensa, de direitos humanos. Vim de uma família de perseguidos políticos, que conheceu o ferro de uma ditadura, que conheceu o cárcere, o exílio, não posso comungar nada que afronte esses direitos. Agora, o Brasil tem uma relação com os seus vizinhos que não é deste Governo nem do Governo de ontem, que é uma tradição que deve preservar porque isso faz parte, inclusive, de um papel importante que o Brasil tem no equilíbrio desta região.

Que relação deve ter o Brasil com os países de língua portuguesa?
A CPLP precisa efectivamente de mais apoio. Precisa de Portugal e Brasil jogando juntos o jogo da integração desses países, na troca de experiências, no apoio multilateral, na troca de pesquisa (investigação científica) de formação de pessoas. Eu lamentei muito que o Brasil não tivesse colocado Portugal entre os países destinatários do programa importante que é o Ciência Sem Fronteiras [formação de jovens brasileiros em universidades estrangeiras], porque nós precisávamos exactamente de fomentar a integração no seio da juventude, para que esses jovens que estão formando nas mais diversas áreas pudessem conviver em Portugal com muitas pessoas de Moçambique, de Angola, da Guiné-Bissau, para que a gente construa uma integração não só económica mas também cultural.

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