A África do Sul entre a ameaça de greves mineiras e o espectro da violência policial

A economia sul-africana e a confiança na liderança de Jacob Zuma afundam-se, enquanto a desigualdade entre ricos e pobres aumenta. Mas analistas acreditam que a África do Sul não é, nem será, o Zimbabwe.

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Os grevistas só aceitam negociar um salário minímo que seja mais do dobro do actual Mike Hutchings/Reuters

As três maiores minas de platina do mundo – exploradas pelas gigantes Anglo-American Platinum, Lonmin e Impala Platinum – estão na África do Sul, onde o sindicato com maior peso no sector mineiro marcou, para esta quinta-feira, o início de uma nova greve. O novo ano pode ser como 2013, um ano de contestação, nas minas, mas também nas ruas, num país com uma economia minada pelo desemprego e uma sociedade partida ao meio pelas crescentes desigualdades.

2014 será também ano de eleições para a escolha do novo Presidente, num quadro de profundo desgate de Jacob Zuma e enraizado desencanto com o partido histórico, o Congresso Nacional Africano (ANC). O novo ano é também o primeiro sem Nelson Mandela. O primeiro Presidente do país que acedeu à liberdade há 20 anos morreu em Dezembro passado.

Só por isso, o país não escaparia ao radar daqueles que temem – ou apenas se interrogam – para onde vai a África do Sul, agora que esta figura, símbolo máximo de tolerância, autoridade e visão, desapareceu. Mas os receios são também outros. E ganham forma porque, não longe, paira o espectro do Zimbabwe, onde uma liderança repressiva e corrupta tirou todo o brilho a um país antes próspero e respeitado no plano internacional. “Será a África do Sul o próximo Zimbabwe?”.

A pergunta dificilmente se ouve, mas está na cabeça de alguns – mesmo se a liderança sul-africana mistura figuras minadas pela corrupção e o descrédito e outras muito respeitadas; mesmo se a resposta mais comum, entre analistas, é : “A África do Sul não é o Zimbabwe, nem será.” Entre as possíveis sombras do percurso, está a repressão policial, como aquela a que o país assistiu, incrédulo, em Agosto de 2012, em Marikana, quando a polícia abateu a tiro, num só dia, 34 mineiros em greve.

Os receios ganham expressão quando para a greve, prevista para começar hoje, a Associação dos Trabalhadores das Minas e da Construção (Amcu, na sigla em inglês) coloca a fasquia alta: o seu presidente, Joseph Mathunjwa – descrito por jornalistas como capaz de mover as massas, mas também como agressivo, por sindicalistas que não concordam com esta greve –, só aceita negociar um salário mínimo que seja mais do dobro do actual. Na prática, exige 12.500 rands (950 euros) na Anglo American Platinum e Lonmin; e 8500 rands (650 euros) na Impala Platinum.

Além disso, quando apela aos “camaradas” para “intensificarem a luta por melhores salários”, Mathunjwa invoca a memória do massacre de Marikana. “Estamos aqui para garantir que o sangue dos nossos companheiros não foi derramado em vão”, disse há dias num grande Estádio de Wonderkop, a 100 quilómetros de Joanesburgo.

Marikana (onde está uma das companhias atingidas por este movimento de greve, a Lonmin) não é apenas uma lembrança do mais terrível exemplo da brutalidade da polícia desde o fim do apartheid. Marikana continuou a ser – durante pelo menos muitos meses depois do que aconteceu em 2012 – terreno fértil de disputas entre sindicatos rivais e de ameaças a testemunhas no inquérito aberto para se apurarem responsabilidades nas mortes daquele Agosto.

Os líderes das três grandes empresas de platina atingidas pela greve prevista para hoje manifestaram juntos, esta semana, “grande preocupação” perante o que dizem ser “as promessas feitas pela Amcu que não podem ser cumpridas”. Mathunjwa não tem o apoio dos outros sindicatos e é por vezes acusado de forçar os trabalhadores a fazer greve, mas tem o peso da maior representação no sector mineiro. E pode estender a contestação ao sector das minas de ouro e de carvão.

O movimento de greves está aceso, como estão também outras formas de protesto em subúrbios pobres. Na semana passada, em Mothutlung, quatro pessoas morreram em violentos confrontos, supostamente devido à acção da polícia, quando exigiam acesso a serviços básicos, como a água, nos seus bairros.

Aos receios de repressão ou de divisões violentas entre sindicalistas, junta-se, para os próximos tempos, o temido impacto das greves no sector mineiro – sobre o qual a África do Sul fundou a sua economia para se tornar na primeira economia do continente (com o mais alto Produto Interno Bruto).

O ministro das Finanças, Pravin Gordhan, alertou esta semana para o golpe que uma greve, nas três empresas em simultâneo, representará nas exportações, na confiança dos investidores e no futuro da economia. Em todas as minas do país, trabalha cerca de um milhão de pessoas. Pode parecer pouco num país de 52 milhões de habitantes, dizia há um ano, numa conferência na Chatham House (Royal Institute of International Affairs de Londres), a analista política, escritora e ex-jornalista Fiona Forde, para depois notar que o salário de cada mineiro sustenta, muitas vezes, 15 pessoas de uma mesma família. É muito, insistia.

Quando, nessa mesma conferência, perguntavam a Fiona Forde se a África do Sul seria o próximo Zimbabwe, a especialista respondia com um claro “não”. “A África do Sul não é o Zimbabwe, nem é o futuro Zimbabwe. Enquanto o Zimbabwe teve uma forte tradição militar, a África do Sul teve uma tradição de activismo político”, disse.

Na mesma ocasião, a especialista previa “uma grande instabilidade” pelo menos até 2014, ano de eleições, mas congratulava-se com “a boa vontade na África do Sul para mudar as coisas” e melhorá-las, apesar de todos “os desafios e erros” da actual liderança. Por isso, quando à primeira pergunta se associava outra – se havia esperança para a África do Sul? –, a resposta era positiva, mas não de forma muito clara. 

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