Peritos confirmam “provas claras” do assassínio de 11 mil detidos na Síria

Relatório encomendado pelo Qatar já foi disponibilizado à ONU. "É exactamente o tipo de prova que um procurador espera e quer ter.”

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Síria segura retrato de um desaparecido num protesto anti-Assad em Homs Reuters

Não é a primeira vez que alguém diz que os responsáveis do Governo sírio podem ser acusados de crimes de guerra, mas segundo três experientes procuradores novas provas “documentam assassínios a uma escala industrial”. “Isto são provas de um tipo que não tínhamos antes. O caso assim fica muito forte”, disse ao Guardian Desmond de Silva, ex-procurador chefe do Tribunal Especial para a Serra Leoa.

As provas de que fala De Silva estão num relatório encomendado pelo Qatar e foi um desertor da polícia que as fez sair da Síria e as passou ao Movimento Nacional Sírio, um grupo da oposição apoiado por este Estado do Golfo. O desertor, identificado no relatório como César, era um fotógrafo da polícia militar. O seu trabalho, disse aos investigadores, era “fotografar os detidos mortos”.

Peritos forenses analisaram as fotografias e autenticaram amostras de 50 mil imagens digitais que correspondem a cerca de 11 mil vítimas.

A investigação esteve a cargo de De Silva e de outros dois ex-procuradores em tribunais de guerra: Geoffrey Nice, ex-procurador chefe da acusação a Slobodan Milosevic no Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, e David Crane, que acusou o Presidente Charles Taylor da Libéria no tribunal da Serra Leoa. Os três entrevistaram o polícia em três sessões ao longo dos últimos dez dias e consideram que é credível e que o seu relato é “muito convincente”, escreve o Guardian, que teve acesso ao relatório.

De acordo com o diário britânico, a maioria das vítimas eram homens jovens e há corpos com sinais de tortura; alguns sem olhos, outros com marcas de estrangulamento ou electrocução.

“Ao todo, há provas de que um número significativo dos detidos estava esquelético e que uma minoria significativa tinha sido amarrada e ou espancada com objectos do tipo de barras de metal”, lê-se no relatório.

Segundo explicou César aos procuradores, “quando os detidos eram mortos nos locais de detenção os seus corpos eram levados para um hospital militar, onde eram vistos por um médico e um responsável jurídico”. “Podia haver 50 corpos num dia para fotografar”, descreveu.

“As razões para fotografar pessoas executadas são de dois tipos. Primeiro, isso permite produzir uma certidão de óbito sem que as famílias tenham de ver o corpo e assim evitar que as autoridades tenham de contar como é que os detidos morrem; em segundo lugar, as imagens confirmavam que as ordens de execução tinham sido cumpridas”, diz o relatório.

O documento já foi disponibilizado à ONU, a diferentes governos e a organizações de direitos humanos.

Nas contas da Amnistia Internacional, mais de mil detidos já morreram nas prisões sírias desde o início da revolta, em Março de 2011. Algumas ONG estimam em 30 mil o número de desaparecidos nas prisões ao longo destes quase três anos. Nadim Houry, da Human Rights Watch, diz que se estas fotografias forem autênticas "sugerem que até agora nós não tínhamos chegado à verdadeira dimensão da tortura nas infames masmorras sírias"

“Agora, temos provas directas do que estava a acontecer às pessoas que desapareciam. Estas são as primeiras provas directas e confirmáveis de que aconteceu a pelo menos 11 mil seres humanos, que foram torturados e executados”, diz ao Guardian David Crane, outro dos procuradores. "Temos fotografias, com números que correspondem a documentos com os mesmos números — documentos oficiais do Governo. Temos a pessoa que tirou as fotografias", enumera. “Isto é espantoso. É exactamente o tipo de prova que um procurador espera e quer ter.”

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