Filha do rei de Espanha vai a tribunal responder por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais

O caso que já custou caro à imagem da monarquia chega pela primeira vez a um membro directo da família real.

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Daniel Aguilar/Reuters

Sábado, o chefe da Casa Real, Rafael Spottorno, descrevia os três anos de instrução do caso Nóos como “um martírio” para a monarquia. O martírio ainda podia piorar e assim aconteceu, com o indiciamento da infanta Cristina por branqueamento de capitais, gestão de fundos suspeitos gerados por negócios do seu marido, Iñaki Urdangarín, e fraude fiscal.

O juiz José Castro passou nove meses a investigar as contas da filha do rei de Espanha, reconstruindo a sua vida financeira e tributária, e considera que há “indícios fundamentais de culpabilidade”. Cristina é suspeita de saber das actividades do marido e de ter mantido “uma atitude própria de quem olha para o lado”, pactuando assim com o desvio de 5,8 milhões de euros de que Urdangarín e o seu sócio, Diego Torres, são acusados.

O processo que tem o genro do rei no centro é conhecido como caso Nóos, nome da fundação desportiva sem fins lucrativos que Urdangarín geriu durante anos e que terá usado para desviar dinheiro.

Através do Instituto Nóos, Urdangarín celebrou contratos com municípios, obtidos graças ao seu lugar na família real, cobrando serviços que não realizava e passando facturas falsas. Parte deste dinheiro acabou na Aizoon, uma sociedade patrimonial detida pelo casal. Ao longo dos anos, Cristina fez vários pagamentos com cartões de crédito da Aizoon, usando assim parte do dinheiro desviado pelo marido.

Algumas destas despesas apareciam como gastos empresariais quando, na verdade, se destinavam a compras pessoais, incluindo as obras de remodelação do palacete de Pedralbes, a propriedade de mil metros quadrados que o casal comprou em 2004 por seis milhões de euros.

O indiciamento de Cristina foi decidido pelo juiz contra a opinião do procurador anticorrupção, Pedro Horrach, que não encontra indícios que impliquem a infanta mas pede 12 anos de prisão para o seu marido. O juiz Castro já quis ouvir a infanta antes, primeiro em 2012, por suspeitas de tráfico de influência. Em Abril do ano passado, indiciou-a uma primeira vez, mas a defesa recorreu e a Audiência de Palma de Maiorca desautorizou o juiz e deu razão aos advogados da infanta.

A defesa de Cristina anunciou esta terça-feira que vai recorrer do indiciamento, com o advogado Miquel Roca i Junyent a dizer-se “absoluta e plenamente convencido” da sua inocência. Mas também é possível que o recurso não avance: “Não descarto a possibilidade de que acabemos por não recorrer, se o juiz tem tanta vontade de ouvir as explicações da infanta”, disse aos jornalistas.

Aconteça o que acontecer, este caso já beliscou e muito a imagem da família real, afectada em simultâneo por outros escândalos que envolvem o próprio rei, como o safari de caça ao elefante em plena crise.

Enquanto Urdangarín foi imediatamente afastado de todos os actos protocolares e deixado cair, a Zarzuela manteve um comportamento diferente em relação à filha do meio dos reis. Em 2013, quando o mesmo juiz a quis indiciar por ter autorizado o uso do seu “nome, tratamento e cargo” nos negócios do marido, a Casa Real defendeu-a, expressando a sua surpresa.

Justiça igual para todos?

Muito aconteceu entretanto para explicar o comunicado da Zarzuela desta terça-feira, onde se expressa apenas “respeito pelas decisões judiciais”. A opinião dos espanhóis, por exemplo, mudou de forma significativa. Em Dezembro de 2011, 88% dos inquiridos numa sondagem do instituto Sigma Dos para o El Mundo apoiava a gestão que a Casa Real fazia do processo; agora, 83,4% criticam essa gestão e 93% têm má impressão do casal (64,8% da infanta).

Pior: 70% dos espanhóis vêem motivos para acusar a infanta e 90,1% consideram que a justiça não é igual para todos. Esta foi, aliás, uma das ideias sublinhadas pelo juiz na resolução de 227 páginas. José Castro considera que é "um acto obrigatório" ouvir Cristina e assim “evitar que a incógnita [sobre o papel da infanta] se perpetue” e confirmar aos espanhóis que “a justiça é igual para todos”.

O único líder partidário a comentar os desenvolvimentos no caso, o coordenador federal da Esquerda Unida, Cayo Lara, pediu exactamente isso, que a justiça seja “igual para todos”, exigindo ao Partido Popular, no poder, que deixe de “meter o nariz” nos processos em curso.

Domingo, uma outra sondagem divulgada pelo El Mundo mostrou que 62% dos espanhóis gostariam de ver o rei abdicar a favor do filho, o príncipe Felipe. Para a monarquia, o “martírio” continua. Dia 8 de Março, às 10h, o juiz José Castro quer ouvir Cristina.


 

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