Em luta pelo poder, Erdogan estende a mão aos militares

Primeiro-ministro turco diz apoiar repetição dos julgamentos de centenas de oficiais condenados por conspirarem contra o Governo que lidera.

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Erdogan mostra que está disposto a aliar-se aos velhos rivais ADEM ALTAN/AFP

O primeiro-ministro turco apoia a repetição do julgamento de centenas de militares condenados por conspiração contra o Governo que lidera. Declarações que indiciam uma reviravolta nas lutas de poder na Turquia, depois da ruptura entre Tayyip Erdogan e um dos seus mais poderosos aliados e das investigações por corrupção contra a cúpula do executivo.

“Somos favoráveis à repetição do julgamento”, disse o primeiro-ministro num encontro com jornalistas, domingo à noite, antes de partir para a Ásia. “Não acho que haja problema com esta repetição, desde que seja estabelecida uma base legal. Em termos de regulamento, estamos prontos a fazer o que estiver ao nosso alcance”, acrescentou.

Centenas de pessoas – na sua maioria militares, mas também jornalistas e advogados – foram condenadas nos últimos anos em dois megaprocessos que se revelariam decisivos para reduzir a influência do Exército, que em nome da laicidade do Estado tutelou durante décadas a política turca, liderando quatro golpes militares entre 1960 e 1997.

Em 2012, mais de 300 actuais e antigos oficiais foram condenados a penas de prisão por envolvimento num exercício militar em 2003, com o nome de código Sledgehammer (marreta), que o Ministério Público disse ter sido, na verdade, uma conspiração com o objectivo de derrubar o então recém-eleito Governo do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP, pós-islamista). No ano passado, o general Ilker Basbug, antigo chefe do Estado-Maior turco, foi condenado a prisão perpétua e dezenas de outros militares e intelectuais receberam penas pesadas por envolvimento numa outra conspiração contra Erdogan, conhecida pelo nome de Ergenekon.

Os mediáticos processos, num país onde o poder dos militares era inquestionável, firmaram a autoridade de Erdogan, numa manobra para a qual foi decisivo o apoio de Fethullah Gulen, líder de um movimento com milhões de seguidores e que integra uma rede global de escolas e instituições de caridade. Muitos dos seguidores deste imã, há anos a viver nos EUA, ocupam importantes cargos na polícia e na Procuradoria turca e terão sido decisivos na instrução dos processos, que a defesa sempre afirmou terem motivações políticas.

Mas os mesmos procuradores ordenaram, em Dezembro, dezenas de detenções relacionadas com dois casos de corrupção envolvendo dirigentes e figuras próximas do AKP, incluindo os filhos de três ministros, entretanto forçados a demitir-se. Erdogan e os seus fiéis denunciaram uma “conspiração internacional” destinada a desestabilizar a Turquia – o nome que não pronunciaram foi o de Gullen, que, após meses de afastamento, entrou em rota de colisão com o Governo depois de este ter ordenado, em Novembro, o fecho de escolas que constituíam uma importante fonte de financiamento da sua rede.

Na semana passada, aproveitando declarações de um conselheiro de Erdogan, que acusou alguns meios judiciais de conspirarem contra as instituições do Estado, o Estado-Maior das Forças Armadas exigiu a repetição dos julgamentos, acusando a polícia e os juízes de terem manipulado provas para condenarem os militares. Um pedido formal foi apresentado nesta segunda-feira para a reabertura das investigações.

Ao apoiar agora o pedido do Exército, o primeiro-ministro indica que está disposto a aliar-se aos velhos rivais para assegurar o poder do AKP. Contudo, os dois sectores são inimigos figadais e, como notava o correspondente da BBC em Istambul, é improvável que Erdogan esteja disposto a permitir que os militares recuperem a influência perdida nos últimos anos.
 
 

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