Decisão sumária da Relação dá razão a tribunal que tirou sete filhos a Liliana Melo

Despacho de juiz corrobora decisão de Maio de 2012 do Tribunal de Sintra, mas advogada explica que ainda se pode reclamar, faltando o acórdão.

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Tribunal europeu: "O recurso à esterilização nunca pode ser uma condição para [alguém] conservar os seus direitos parentais.” Rui Gaudêncio

O Tribunal da Relação de Lisboa deu razão à decisão tomada em primeira instância, em Sintra, de retirar sete filhos menores a Liliana Melo e institucionalizá-los para adopção. Contudo, como explicou ao PÚBLICO Maria Clotilde Almeida, uma das advogadas daquela mãe, esta é apenas uma decisão sumária pelo que falta um acórdão que ainda pode inverter os acontecimentos.

Liliana, de 35 anos, cabo-verdiana a viver em Portugal há cerca de duas décadas, viu, na tarde de 25 de Maio de 2012, o Tribunal de Sintra ordenar que lhe fossem retirados sete dos dez filhos (que tinham, então, entre seis meses e sete anos). Em Junho a decisão cumpriu-se. Não os vê desde então. Os juízes entenderam que, depois de sucessivos incumprimentos de várias medidas de protecção dos menores, as criançasestavam em perigo. A família era acompanhada desde 2007.

Depois de sucessivos percalços, com o Tribunal de Sintra a considerar que tinha ultrapassado os prazos para interpor um recurso e finalmente com o Tribunal Constitucional a dar razão à mãe, Liliana Melo avançou com o processo para o Tribunal da Relação. Agora, mais de seis meses depois de o recurso ter entrado naquele tribunal, um primeiro despacho corrobora a decisão da retirada das crianças.

Só que a advogada Maria Clotilde Almeida esclarece que “esta é uma decisão sumária que não é definitiva, o que significa que o processo não está resolvido e que ainda não transitou”. O despacho foi feito por um único juiz e caso nada se fizesse tornar-se-ia definitivo. No entanto, nesta fase ainda podem reclamar (das decisões sumárias não se recorre) e aguardar, então, que sobre o despacho seja feito um acórdão já em conferência, com um colectivo de juízes.

Ao PÚBLICO, Liliana Melo lamentou uma vez mais que “olhem apenas para as condições económicas para sustentar os filhos e desvalorizem tudo o resto”. “Parece que desde que eu tivesse todo o dinheiro, tudo o resto que eu fizesse já não contava”, desabafa, criticando ainda que não se esteja a ter em consideração as mudanças que aconteceram desde que lhe foram retiradas as crianças: conseguiu legalizar-se e tem um trabalho "seguro", a tempo inteiro numa casa. Conseguia acolher as sete? “Claro. Como é que todos os portugueses fazem? Tratava deles, deixava-os na escola e quando saísse ia buscá-los”.

Liliana não sabe nada dos filhos
Quanto aos novos passos no processo, Liliana Melo diz que “o problema é que é tudo muito demorado”, ainda mais quando os casos envolvem crianças. Não teve mesmo qualquer notícia de nenhum deles? “Nada de nada. Não sei onde estão, se estão bem. Não tenho uma amiga, uma conhecida, alguma pista de alguém que ao menos me diga se estão bem, se se lembram... se se lembram de mim. Nem sequer sei se estão juntos. A lei prevê que os irmãos para adopção fiquem juntos, mas fala de dois ou três. Duvido que estivessem preparados para os meus sete filhos.”

A advogada escusou-se a avançar mais informações sobre os próximos passos, lembrando que “o processo é confidencial e que só por isso não é possível divulgar as razões da discordância” com a posição inicial do juiz da Relação. Contudo, Maria Clotilde Almeida lamenta que, independentemente de todo o processo, que a mãe das sete crianças esteja impedida de as ver há mais de um ano e meio. “Nunca foram sequer autorizadas visitas e é preciso que se esteja absolutamente consciente dos danos que esta situação provoca sobretudo aos menores”, acrescenta.

Liliana tinha ainda na altura da primeira decisão outras duas filhas (de dez e 16 anos, integradas na escola) que foram autorizadas a viver com ela e que deveriam ser alvo de acompanhamento psicológico, para ajudar a lidar com a ausência dos irmãos – que não chegaram a receber. Havia ainda uma décima filha, mas que por ser maior de idade não foi incluída no processo.

Aliás, a primeira decisão judicial de Maio de 2012 gerou polémica não só pelo conteúdo mas também pela forma: foi lida numa tarde de sexta-feira, sem que Liliana tivesse advogado. E sem que tivesse tido acesso prévio às alegações do Ministério Público – foi notificada por telefone para ir a tribunal. E só na segunda-feira seguinte teve acesso ao texto onde se lia que os filhos iriam para uma ou várias instituições para virem a ser adoptados.

Na sequência deste caso, o PÚBLICO fez em Fevereiro deste ano um trabalho intitulado "Em nome do interesse da criança" para debater precisamente o conceito indeterminado e de interpretação contorversa onde se enquadram casos como o de Liliana Melo. A jornalista Ana Cristina Pereira, autora do trabalho, foi distinguida em Novembro pelo artigo com o prémio Direitos da Criança em Notícia.
 

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