Renamo põe fim a tratado de paz em Moçambique após ataque a base de Dhlakama

Líder da antiga guerrilha está bem, mas não participa nas eleições municipais de 20 de Novembro. Tensão com Frelimo ao rubro.

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Afonso Dhlakama em campanha eleitoral, em 2009 CARLOS LITULO/AFP

A tensão política em Moçambique agudizou-se inesperadamente. A Renamo (Resistência Nacional de Moçambique), principal partido da oposição, declarou o fim do tratado de paz de 1992, depois de as Forças Armadas terem tomado a base nesta segunda-feira, na Gorongosa, na província de Sofala, onde o seu líder, Afonso Dhlakama, estava aquartelado há cerca de ano.

O Governo português já fez saber que acompanha a situação com preocupação e “faz votos” para que se regresse rapidamente à normalidade, para que Moçambique “prossiga no caminho do desenvolvimento económico e do progresso social”, indica uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros divulgada ao início da noite de hoje.

“A atitude irresponsável do comandante-geral das forças de segurança põe fim ao tratado de paz”, afirmou à AFP o porta-voz do partido em Maputo, Fernando Mazanga, referindo-se desta forma ao Presidente da República, Armando Guebuza, que, aliás, iniciou nesta segunda-feira uma Presidência Aberta e Inclusiva em Sofala, num ambiente altamente carregado.

“A responsabilidade é do Governo da Frelimo, porque não quis ouvir as queixas da Renamo”, declarou ainda, citado pela Reuters. Pelo menos durante a sua estadia em Sofala, Armando Guebuza não negociará com Dhlakama, garantiu o Presidente.

“Afonso Dhlakama está bem, a nossa equipa falou com ele”, disse ao PÚBLICO Jeremias Langa, director do jornal moçambicano O País. Repórteres deste jornal entraram hoje na base da Renamo com as Forças Armadas de Moçambique — e constataram que as pessoas que lá viviam a tinham abandonado antes dos intensos bombardeamentos da manhã desta segunda-feira. “Não havia vítimas, e dada da intensidade do ataque e o número de pessoas que lá vivem — 200, 300 —, o normal é que tenham saído antes”, explicou.

Hoje, as tropas moçambicanas estavam mesmo muito perto da base — 250, 350 metros, relata Langa. "Mesmo assim, Dhlakama e as pessoas que estavam na base conseguiram sair sem ser notadas."

“Declaração de guerra”
A Renamo recusa-se a participar nas eleições autárquicas marcadas para 20 de Novembro, por discordar da composição dos órgãos eleitorais que considera favorecerem a Frelimo, o partido que tem a maioria no Parlamento. As eleições presidenciais e legislativas estão marcadas para 15 de Outubro de 2014 e Dhlakama diz que também não participará nesta votação se não for corrigido o que diz serem distorções na lei eleitoral que deixam o seu partido em desvantagem.

A ameaça da Renamo, então, é para levar a sério? “Na prática, é uma declaração de guerra”, diz Jeremias Langa. “Pressupõe que vão retaliar, é possível que ataquem alvos civis.”

A Gurongosa é uma zona de difícil penetração para as Forças Armadas, explica o director de O País. “É uma cadeia de montanhas, com uma floresta densa. E Dhlakama conhece muito bem esta região. A Renamo poderia partir desde o centro e espalhar-se a partir daqui”, analisa. Perto daquela base fica a Estrada Nacional 1, que liga Moçambique de norte a sul e onde a circulação automóvel tem estado dificultada por causa de ataques da Renamo este ano.

O ataque à base da Renamo causou polémica em Moçambique. Figuras como o chefe da Igreja Anglicana de Moçambique, que estava a tentar agir como intermediário para negociações entre Dhlakama e o Presidente Armando Guebuza, por exemplo, criticaram a precipitação, relata Jeremias Langa. "O país inteiro pede que Armando Guebuza e Afonso Dhlakama se encontrem para negociar."

Tensão em crescendo
O episódio é mais um passo na escalada da tensão político-militar em Moçambique, onde um acordo de paz foi assinado em 1992, pondo fim a 16 anos de guerra entre a antiga guerrilha da Renamo e o Governo da Frelimo. Nos últimos meses, multiplicaram-se os casos de tensão e escaramuças entre as partes.

O Governo de Armando Guebuza acusa a Renamo de estar a tentar desestabilizar o país e levá-lo de volta à guerra. Enviou um reforço de tropas para Sofala para proteger o tráfego automóvel e as vias férreas que a Renamo ameaçou cortar. Raides da Renamo em Abril e Junho resultaram na morte de, pelo menos, 11 soldados e polícias e seis civis, e obrigaram a uma suspensão temporária das exportações de carvão. O turismo também foi afectado.

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