Juízes dizem que perigo foi o único motivo para retirar sete filhos a mãe

Conselho Superior da Magistratura pronuncia-se sobre retirada de filhos a mãe que não cumpriu acordos de protecção. Menores deverão ser entregues para adopção.

Liliana Melo, de 34 anos, continua a viver com duas das filhas em Sintra
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Liliana Melo, de 34 anos, continua a viver com duas das filhas em Sintra Rui Gaudêncio
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Imagem da casa de Liliana Rui Gaudêncio
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Liliana Melo, de 34 anos Rui Gaudêncio
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Imagem da casa de Liliana Rui Gaudêncio

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) emitiu na noite desta sexta-feira um comunicado sobre o caso da mãe a quem foram retirados, em Junho de 2012, sete dos seus dez filhos e entregues ao cuidado de instituições de acolhimento, tendo em vista a sua futura adopção. Garante que a decisão dos juízes do Tribunal de Sintra “funda-se unicamente na existência de perigo concreto e objectivo para os menores, quanto à satisfação das suas necessidades básicas de protecção e de cuidados básicos relativos à sua saúde e segurança”.

“Não foi fundamento da decisão do tribunal, para aplicação das medidas concretas de protecção, qualquer incumprimento de hipotética obrigação de laqueação das trompas por parte da mãe dos menores”, sublinha o conselho num comunicado onde diz que órgãos de comunicação social fizeram referências “descontextualizadas” ao assunto.

O acórdão de Maio de 2012 do Tribunal de Sintra passa em revista anos de intervenção junto da família de Liliana Melo, cabo-verdiana, a viver em Portugal há 20 anos. E enumera os vários problemas detectados, entre os quais: falta de higiene da casa e das crianças; menores a tomar conta de menores desde tenra idade; gravidez adolescente de duas meninas (uma das quais com 13 anos); vacinas e consultas em atraso; absentismo escolar...

Em 2007 foi feito um primeiro acordo de promoção e protecção. Previa medidas que obrigavam a mãe a vacinar as crianças, tratar da sua higiene, acompanhá-las na escola, assegurar as consultas médicas, supervisioná-las... Em 2009 aditaram-se ao acordo mais medidas, como esta: “A mãe terá que fazer prova do seu acompanhamento no Hospital Fernando Fonseca, no âmbito do seu processo de laqueação de trompas”, lê-se no acordo citado no acórdão pelo colectivo de juízes de Sintra.

Falta tudo, menos afecto

Os juízes citam depois os relatórios da Equipa de Crianças e Jovens (ECJ), que assessora o tribunal e é tutelada pela Segurança Social, que ao longo dos anos vão dando conta de vários incumprimentos por parte da mãe. Mantinham-se vários dos problemas iniciais. A casa não tinha então condições de higiene e segurança. Mas não só. Num relatório de Fevereiro de 2010, diz-se: “A progenitora afirmou que tinha-se inscrito para laqueação das trompas, aguardando chamada, mas o hospital informou que não é verdade que exista qualquer pedido ou inscrição”. Em Agosto de 2010, outro relatório refere que “a progenitora persistia na rejeição à laqueação de trompas”.

A cabo-verdiana, muçulmana, que alimentava os filhos graças, em grande medida, aos produtos do Banco Alimentar, diz que nunca concordou com a laqueação porque a sua religião não permite essa intervenção.

Por fim, no acórdão, analisa-se se “é adequado” retirar as crianças à mãe tendo em vista futura adopção. Os juízes dizem que os factos mostram que há ausência de comida, de higiene, de cuidados de saúde, de supervisão, uma criança não registada, entre outros problemas. Não há maus tratos, e há laços de afecto, mas verifica-se uma impotência da progenitora para prestar os cuidados necessários a um agregado tão numeroso e com um pai ausente.

Diz-se ainda que, “ao contrário do que se havia comprometido no acordo de promoção e protecção, [Liliana] não procedeu à laqueação das trompas e desde a instauração da acção até ao presente nasceram mais quatro menores”. Considera-se que o nascimento dessas crianças agravou a situação económica e de falta de organização da família. Algumas páginas à frente, decide-se retirar sete das crianças à família, com idades entre os sete anos e os seis meses.

Família “disfuncional”

A presidente do Tribunal de Sintra, Rosa Vasconcelos, também prestou hoje declarações à agência Lusa. Diz que as crianças lhe foram retiradas porque a família era “estruturalmente desorganizada”. E que “a laqueação de trompas” não foi “determinada pelo tribunal”. Mais: “Não foi pela senhora não fazer planeamento familiar que as crianças foram institucionalizadas”.

“Fala-se na sentença nisso, mas isso é uma questão incidental, não foi isso que determinou a sentença. Quando muito, isso evitaria o nascimento de outras crianças, não supriria os riscos das existentes”, sustentou.

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), por seu lado, fez um “esclarecimento público”. “A mãe, efectivamente, não procedeu à laqueação das trompas —o que traduziu uma violação de um compromisso assumido em acordo de promoção e protecção”. Mas esse facto, sustenta a ASJP, “não determinou a confiança dos menores a uma instituição por essa razão”.

“É uma família bastante disfuncional a quem durante anos foram dadas várias oportunidades”, acrescentou ainda Rosa Vasconcelos. Mas há “um momento em que o tribunal tem que pôr mão e um travão às situações”.

Também hoje, o presidente da Associação Portuguesa de Bioética, Rui Nunes, afirmou que não se pode impor a laqueação de trompas a uma mulher com capacidade de fazer escolhas livres. A laqueação não deve sequer ser aconselhada a uma mulher, por esta não ter condições para criar os filhos, disse.

“Mesmo que se comprove que uma mãe maltrata os filhos, isso não pode levar a qualquer tipo de pressão para laquear as trompas”, disse, por seu lado, o presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Miguel Oliveira da Silva. “Em caso algum” esse procedimento médico pode ser “condicionado ou relacionado com a possibilidade de se retirar o poder parental a uma mãe que maltrate os filhos”.

 

 
 

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