Álvaro Siza: "Glória ao Oscar Niemeyer"

As reacções em Portugal e no Brasil à morte do arquitecto Oscar Niemeyer.

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O Palácio do Planalto é um das obras emblemáticas de Niemeyer Ueslei Marcelino/Reuters

A morte de Oscar Niemeyer, aos 104 anos, não deixou o mundo indiferente. Arquitectos e outras figuras da cultura e sociedade portuguesas e brasileiras expressaram a admiração por um dos nomes mais marcantes da arquitectura mundial.

“Glória ao Oscar Niemeyer” 

Álvaro Siza, arquitecto português

“Oscar Niemeyer foi um grande arquitecto, realizado completamente com uma vida longa e uma pessoa encantadora. É triste, sempre, a notícia da morte, mas é claro que com 104 anos tinha que acontecer qualquer dia, e assim aconteceu. Glória ao Oscar Niemeyer. 

[Um dia, na Escola de Belas Artes do Porto] apareceu o arquitecto [Fernando] Távora, que era então um jovem professor de Projecto, com um livro debaixo do braço, chamado Brazil Builds, onde vinham os desenhos e projectos de vários arquitectos da época, entre os quais o Niemeyer. Este foi o que mais nos impressionou. Todos ficámos impressionados com aqueles desenhos levíssimos, as curvas, os pilares que eram como pontes. Ele teve uma influência muito grande em termos de linguagem e de géneros.

Niemeyer é um arquitecto e um criador que domina o século XX e o princípio do século XXI, também.”

Depoimento recolhido pela Agência Lusa

Brasília é um milagre!
Fernanda Barbara, arquitecta e urbanista brasileira


Oscar Niemeyer foi um dos maiores arquitectos do século XX. O trabalho que desenvolveu desde o início dos anos 40, a partir do projeto da Pampulha, fala da cultura brasileira de uma maneira ampla, que se reconhece por todo o país e por todo o mundo.

Ainda como estagiário de uma equipe coordenada por Lúcio Costa, sob a consultoria de Le Corbusier, em 1936, deu uma contribuição decisiva ao famoso projeto do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro, sendo de sua autoria os primeiros traços do projeto.

Em São Paulo, em 1951, Oscar faz dois projectos de grande importância: o edifício Copan, residencial com apartamentos para diversas faixas de renda no centro histórico de S. Paulo, e o Parque Ibirapuera, com edifícios belíssimos como o do da Bienal de São Paulo e o Palácio das Artes, conhecido como Oca. Até hoje referências urbanas da cidade.

Por outro lado, Brasília é um milagre!Não há como não destacar o conjunto de Brasília na sua obra. Em Brasília, além da qualidade surpreendente dos projectos há uma postura cívica e profissional que merece a nossa atenção. Niemeyer projectou um conjunto enorme de edifícios públicos em três anos, edifícios que são símbolo de um momento, da esperança de um Brasil democrático e mais justo.

A crítica internacional reconhece a contribuição de Niemeyer ao desenvolvimentos das possibilidades formais e estruturais do concreto armado, ele gostava de lembrar que sempre trabalhou com grandes calculistas e dizia "a solução natural para o concreto é a curva". Sua obra foi sem dúvida propulsora de avanços técnicos em relação o concreto armado no Brasil.

Além de ser um arquitecto com posições políticas claras, durante a ditadura, Niemeyer recebeu nos seus escritórios fora do Brasil muitos arquitectos exilados, amparando a profissão e revelando as circunstâncias do país.

Niemeyer ainda é a referência para grandes arquitectos de todo o mundo, mas paralelamente a isso é um arquitecto popularmente conhecido. Hoje o Brasil inteiro chora a morte de Oscar Niemeyer, as mais diversas pessoas, das mais diversas classes sociais. A ele devemos parte importante da construção da cultura moderna brasileira.

"Aposta nas formas curvas"
Nuno Teotónio Pereira, arquitecto português

“É uma figura emblemática, que teve uma enorme influência na Europa e também alguma em Portugal. Foi importante numa altura em que a arquitectura moderna estava em dificuldades e a ser posta em causa na Europa, acusada de não respeitar os valores nacionais, sobretudo nos países que então viviam sob regimes e ideologias totalitários, como a Alemanha, a Itália e também Portugal. A obra dele conheceu uma grande divulgação com o livro que foi publicada a pretexto duma grande exposição dedicada à arquitectura moderna brasileiro no MoMA, em Nova Iorque. Aí se mostrava que a arquitectura brasileira era muito diferente da que se praticava na Europa, que era recta, com superfícies lisas, planas; enquanto no Brasil, e especialmente o Niemeyer, apostava nas formas curvas."

"Do modernismo tropical às experiências space-age"
Pedro Gadanho, curador de arquitectura no Museum of Modern Art

"Niemeyer era um arquitecto do seu lugar. A sua obra única bebia a inspiração num só lugar: o Rio de Janeiro e as suas formas extraordinárias. Nas entrevistas ele dizia que as suas ideias vinham da vida que o rodeava, mas ninguém ligava muito a tais devaneios. Porém, a sua evolução de um modernismo tropical de formas voluptuosas para as experiências space-age do Museu de Arte de Niterói fala precisamente de uma relação intensa com as transformações das experiências e percepções de uma metrópole única - quer do ponto de vista da relação da cidade com a paisagem, quer do ponto vista social e humano.

Nos Estados Unidos, Niemeyer é um herói do modernismo. Logo, e mesmo permanecendo fiel a ideias comunistas, é um herói americano. De resto, ainda Niemeyer era um 'jovem' de 50 anos - e Rockefeller criava museus no Rio de Janeiro e São Paulo - e já o MoMA dedicava uma exposição 'a arquitectura brasileira, em 1955. Existe um acompanhamento duradouro da obra de Niemeyer e não é portanto de admirar que, por entre as reacções mediáticas abrangentes, o NYT imediatamente o coloque na última linhagem de grandes mestres modernistas como Le Corbusier ou Mies van der Rohe."

"A explosão de originalidade se alargou à Arquitectura-Mundo"
Nuno Portas, arquitecto e urbanista português

“Oscar Niemeyer foi uma revelação pioneira do modernismo sul-americano dos anos 30-40 e, ainda hoje, em minha opinião, as suas obras mais interessantes estão em Minas Gerais, e que influenciaram os arquitectos modernos portugueses do pós-guerra.

Deixou-nos depois a sua participação no nascimento de Brasília – os edifícios do Planalto e as primeiras quadras de habitação no Brasil –, sem a qual a nova capital, traçada por Lucio Costa, não ganharia o rápido prestígio mundial que hoje conhecemos.

As suas obras das últimas décadas não tiveram a mesma repercussão. Talvez porque a explosão de originalidade se alargou à Arquitectura-Mundo”.

 
"Omnipresente na arquitectura mundial"
José Mateus, arquitecto português

"O Niemeyer foi sempre uma figura omnipresente na arquitectura mundial, na arquitectura brasileira, cuja vida se confunde com a arquitectura, ou seja, a arquitectura não era uma profissão – era a forma de vida dele. Deixou obras extraordinariamente profundas, coerentes, que reflectiam um optimismo da arquitectura modernista brasileira da qual ele foi um dos grandes protagonistas.

O que tem de extraordinário o legado do Niemeyer é que ele foi um arquitecto modernista que sobreviveu até à contemporaneidade, e que nos trouxe um testemunho forte e inspirador da arquitectura brasileira, pela sua participação em seminários, nas universidades. A minha obra favorita é o Palácio da Alvorada.

É uma arquitectura própria de um visionário, toda aquela riqueza espacial e formal com sentido muito plástico, lúdico e fluido é muito própria de um momento da arquitectura brasileira de grande optimismo e que se tornou uma referência mundial.

A arquitectura brasileira hoje vive uma crise profundíssima, os grandes arquitectos não têm praticamente acesso às encomendas e haver arquitectos como o Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha que continuavam interventivos foi importantíssimo.

Era obsessivo e passava a sua vida pessoal e a dos seus colaboradores para uma posição completamente secundária. Um arquitecto que trabalhou com ele num projecto na Argélia ou na Tunísia contou-me que um dia foi preso, ligou para ele muito aflito porque queria sair da prisão e o Oscar só lhe fazia perguntas sobre como estava o projecto. Até que ele insistiu: ‘Ó arquitecto, mas eu estou preso! Como é que saio da prisão?’” Ou seja, estava-se nas tintas para a vida, o que é um bocado contraditório porque ele era um profundo humanista e activista. Mas, sendo um profundo humanista, em certas circunstâncias a vida passava para segundo plano."

"Há um antes e um depois do Niemeyer"
Manuel Aires Mateus, arquitecto português

"Associava o Oscar Niemeyer a uma ideia de liberdade. Há uma espécie de leveza na forma como ele tocou a arquitectura porque é completamente revolucionária a maneira como conseguiu captar o espírito de um tempo e de um povo, de uma nação, fazendo aquela arquitectura que parece flutuar, sem pertencer quase à gravidade. É um dos mais importantes arquitectos do século XX. Deixa um legado de uma enorme abertura sobre as possibilidades de fazer arquitectura. A mais maravilhosa das obras que visitei do Niemeyer é na Pampulha, em que uma pessoa percebe que se alargaram as fronteiras da possibilidade humana. É como redesenhar uma nova possibilidade para o mundo, e isso depois acompanha-o e é determinante, quando ele faz a grande obra de Brasília – ele funda uma cidade, mas levando ao limite o seu tempo e a sua cultura.

A vida dele é um legado fundamental para as gerações futuras por esse lado de liberdade que abriu – há uma antes do Niemeyer  e um depois do Niemeyer. Conseguiu transformar a cultura brasileira – a arquitectura dele é tão local, é tanto a tradução de uma verdade local, que a torna completamente global. Nunca mais se poderá olhar para o Brasil sem olhar para o Niemeyer."

"Ele engole o modernismo de Corbusier e regurgita-o como modernismo brasileiro"
Nuno Grande, arquitecto e professor português

“O Oscar Niemeyer é um personagem histórico do século XX, um grande arquitecto. Está para o hemisfério Sul como o Le Corbusier está para o hemisfério Norte, sendo uma espécie de reinterpretação deste. Há uma piada que normalmente se conta sobre o Brasil: ‘O país tem menos de 200 anos, e 104 deles são do Niemeyer!’ Isto mostra a importância que ele tem para a nação. O modernismo do Niemeyer é uma reinterpretação do de Corbusier. Ele faz aquilo que artistas brasileiros modernistas de outras áreas fizeram com o chamado Manifesto Antropofágico [1928], utilizando a ideia do índio canibal, que come o seu opositor e depois o regurgita, ganhando-lhe a força. O que o Brasil fez com o modernismo europeu foi um pouco isso, foi engoli-lo e depois regurgitá-lo, mas à sua medida, sob uma forma tipicamente brasileira. O Niemeyer transporta isso para a arquitectura: engole o modernismo de Corbusier e regurgita-o como modernismo brasileiro. É isso que se vê, por exemplo, em Brasília, que foi construída para ser a capital, com o arquitecto e urbanista Lúcio Costa – o Niemeyer estava inicialmente no júri. Estes dois homens são fundadores de uma identidade nacional, que é um modernismo muito próprio, muito brasileiro, sul-americano. É interessante lembrar que o próprio Corbusier esteve no Brasil, em 1929 e 1932, a desenhar com Lúcio Costa o Ministério da Educação e Saúde Pública, no Rio de Janeiro. Esta é a primeira obra que marca o modernismo brasileiro, e que abre o caminho a toda a nova geração dos modernistas. O Brasil teve que inventar a sua identidade, depois de durante muito tempo ter vivido sob o domínio neocolonial. E o Niemeyer é a figura fundamental desse processo, na arquitectura”.
 

"Toda a sua obra nos alegra, toda a sua obra nos emociona"
Manuel Graça Dias, arquitecto português

“Oscar Niemeyer é, ele próprio, o expoente da modernidade, é um homem que trabalhou durante todo o século sempre ao lado da arquitectura moderna. Tinha uma enorme capacidade de sintetizar os problemas, de os perceber, de compreender o sítio em que está a intervir e o programa que está em causa. Animado por uma enorme sensibilidade plástica, consubstancia essa resposta em formas sempre emocionantes, sempre bem enquadradas na disposição espacial que ele entende organizar.

Na quarta-feira, morreu um grande amigo meu, o Joaquim Benite, e no PÚBLICO referem uma coisa que ele disse acerca do teatro, mas que se aplica a todas as artes: ter perante as pessoas a generosidade de lhes dar qualquer coisa de diferente, qualquer coisa que fuja à banalidade e que de algum modo possa alegrar-nos a vida. Isso acontece com Niemeyer. Toda a sua obra nos alegra, toda a sua obra nos emociona e remete-nos para um mundo menos mesquinho e menos banal. Ao mesmo tempo, é um homem de uma personalidade fascinante. De uma enorme simplicidade, mas ao mesmo tempo muito profundo. Um homem preocupado com a modernidade, com a justiça social, que é sempre valorizada na sua arquitectura. É um homem que se emociona com a vida, com as pessoas, com as mulheres.

Toda a boa arquitectura é sempre mais qualquer coisa do que aquilo que é encomendado. Ultrapassa sempre a encomenda e dá ao mundo outras soluções. Niemeyer também cumpre esse lado. Muitas vezes, falamos de uma procura muito intencional. Quando lhe foi solicitado o Sambódromo no Rio de Janeiro, que era suposto serem umas bancadas para observar as escolas de samba passar, ele reinventou-o. Num dos lados, sob as bancadas, acolheu-se uma escola. [Ou seja] aproveitou-se esse ensejo para dotar aquele sítio de mais um equipamento que tivesse relevância. Há sempre em Niemeyer a vontade de que os seus objectos tenham utilidade social. O mundo não muda com a arquitectura, mas pode tornar o mundo mais alegre.

Por mais estranha, insólita e original que pareça, [a arquitectura de Niemeyer] nunca é feita à custa de coisas esquisitas que não servem para nada. Formas relativamente puras e relativamente correntes que são conjugadas de uma maneira brilhante e económica, no sentido de uma economia expressiva. Há uns filmes em que o vemos explicar alguns projectos e percebe-se aí a economia dos seus esquissos, em que ele consegue explicar imediatamente a principal opção do seu trabalho. Há uma enorme capacidade de sintetizar o problema. É também por essa razão que a sua arquitectura é tão emocionante. Com Niemeyer as coisas são sempre relativamente fáceis de relatar, o que não quer dizer que não tenham complexidade no seu interior. Não se esgotam. Descobrimos sempre surpresas.

"A genialidade de seus traços"
Marta Suplicy, ministra da Cultura do Brasil

“O Brasil acaba de perder um de seus grandes. A genialidade de seus traços, a generosidade de sua alma e a firmeza de suas convicções fazem de Oscar Niemeyer um exemplo para a humanidade. Meu coração chora ao se despedir de um gigante na arte, poesia e coragem. Um homem que viveu na plenitude cada minuto de sua vida com lado e posição, e busca da beleza, da harmonia e justiça”.

 
"O Brasil como ícone da arquitectura moderna"
Sydnei Menezes, presidente do Conselho de Arquitectura e Urbanismo do Rio de Janeiro

“A trajectória e o legado de Niemeyer projectaram internacionalmente o Brasil como ícone da arquitectura moderna, dado o seu pioneirismo na exploração das possibilidades construtivas e plásticas do betão armado - o que, desde a década de 1940, lhe rendeu um justo reconhecimento em todo o mundo.
Embora estejam sob alguns parâmetros que são comuns à arquitetura moderna, o seu modo de projectar e a sua expressão têm uma dose muito importante de sua criatividade individual, o que faz com que seus traços sejam admirados, mas não reproduzidos”.

 
“Niemeyer foi um inventor brasileiro”
Caetano Veloso, compositor

“O varandão do Alvorada é uma das imagens que formaram minha mente. Niemeyer foi um inventor brasileiro. Um ‘garoto da praia’, como me disse Burle Marx. Suas curvas ensinaram algo muito nosso ao vasto mundo.”

 
“Um dos maiores artistas do seu tempo e um homem maior que a sua arte”
Chico Buarque, compositor

“Oscar Niemeyer teve uma vida muito bonita. Foi um dos maiores artistas do seu tempo e um homem maior que a sua arte.”

“Mudou a linguagem da arquitectura moderna”
Ferreira Gullar, poeta, Prémio Camões 2010

“Para os amigos, sua morte é uma perda de uma pessoa afectuosa, carinhosa. Já o Brasil perde uma de suas figuras mais significativas. E o mundo perde um grande artista, que mudou a linguagem da arquitectura moderna. O lema da arquitectura era que a forma segue a função, a sua preocupação fundamental tinha que ser a funcionalidade, a beleza estava em segundo plano. Oscar juntou as duas coisas, funcionalidade e beleza, dizendo que beleza também é função”.


Depoimentos recolhidos por Joana Gorjão Henriques, Isabel Salema, Isabel Coutinho, Mário Lopes e Sérgio C. Andrade, e de agências e jornais brasileiros
 
 
 
 
 

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