A Palestina ganha hoje o estatuto do Vaticano: Estado observador da ONU

A Palestina - território ocupado por colonatos e governado por facções rivais ganha hoje, na ONU, estatuto igual ao do Vaticano. A data é simbólica: há 65 anos nascia Israel.

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O plano de Abbas tem como objectivo reforçar o apoio internacional aos palestinianos Marko Djurica/Reuters

No dia 29 de Novembro de 1947, "o Estado de Israel foi criado através de uma guerra; em 29 de Novembro de 2012, o Estado da Palestina poderá nascer da paz", exulta Gershon Baskin, o activista judeu que tem no seu telemóvel os números de Benjamin Netanyahu e do Hamas.

Hoje, "todos, incluindo Israel, deveriam apoiar a proposta de resolução que fará da Palestina "Estado observador não-membro" (e não apenas "entidade observadora") da Assembleia-Geral da ONU, porque representará, também, a aceitação de facto do Estado de Israel", disse ao PÚBLICO, por telefone, o fundador e vice-presidente do Israel/Palestine Center for Research and Information.

Para Baskin, que ajudou a libertar o soldado Gilad Shalit e estava a negociar uma "trégua de longa duração" com o comandante militar do Hamas (entretanto assassinado) que o sequestrara, "é preciso que Israel reforce a posição do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas", fragilizada depois de mais uma ofensiva que reforçou o poder dos extremistas na Faixa de Gaza.

O plano de Abbas, depois de uma tentativa fracassada junto do Conselho de Segurança em Setembro de 2011, tem como objectivo reforçar o apoio internacional aos palestinianos numa altura em que o processo de paz se encontra quase em fase terminal. O voto a favor de França, já garantido, e de outros países europeus, poderá ser um ponto de viragem, uma vez que agrava o isolamento de Netanyahu e obriga os EUA a repensar a sua política externa face ao seu grande aliado.

Com o estatuto de "Estado observador" - até agora exclusivo do Vaticano -, a Palestina pode solicitar admissão noutras instituições da ONU e instaurar processos por crimes de guerra contra líderes israelitas junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) e do Tribunal Penal Internacional em Haia (TPI). O Reino Unido prometeu abster-se na condição de Abbas não seguir para o TIJ, não requerer adesão da Palestina como membro pleno da ONU e aceitar reatar as negociações com Israel.

Apesar do simbolismo que uma votação esmagadora possa representar, e mesmo que reconheça um Estado da Palestina nas actuais áreas A e B (sob controlo exclusivo palestiniano e sob domínio de ambas as partes, respectivamente), Israel continuará a ser, segundo as leis internacionais, uma "potência ocupante". 

A "ocupação" não se define, do ponto de vista legal, como "presença militar permanente" mas como "a capacidade de uma força estrangeira controlar efectivamente o território de outrem", seja um Estado ou não. O mesmo se aplica a Gaza, de onde soldados e colonos judeus foram retirados em 2005, já que Israel continua a ter controlo absoluto por terra, mar e ar.

Duas avaliações
Numa avaliação da iniciativa de Abbas de (com o apoio do rival Hamas) pedir legitimidade à Assembleia-Geral, onde não há direito de veto como no Conselho de Segurança, Shmuel Rosner, editor de política do Jewish Journal e influente analista político ligado à direita israelita, escreveu ontem: "Pode ser que os países europeus estejam cansados de Israel arrastar os pés; que os diplomatas decidiram que o único meio de avançar com um processo de paz saudável e frutífero, a única maneira de construir um Estado palestiniano viável é elevar o estatuto palestiniano na ONU". Pode ser uma forma de "censurar Israel, envergonhar os EUA, abanar o barco e dar a Abbas algum progresso".

No entanto, adverte Rosner, também pode significar que "o mundo está cansado do processo de paz", que "os europeus já não querem gastar mais dinheiro com os palestinianos [este ano, a Comissão Europeia ofereceu mais 100 milhões de euros] e que os EUA ficam sozinhos, porque são os únicos capazes de manter unidas ambas as partes".

Em relação aos EUA, Rosner acredita que, após a votação na ONU, ficará mais exposta do que nunca "a dependência de Israel", a partir de agora numa "posição muito dura quando a América exigir concessões". O "cálculo dos palestinianos foi correcto", adianta. "É verdade que Israel pode dificultar ainda mais a vida à Autoridade Palestiniana, mas isso só ajudará forças mais extremistas, como o Hamas. Israel pode ficar furioso, mas não é (sempre) estúpido. Por isso, é provável que, desta vez, Abbas fique imune."

Numa outra análise, publicada no New York Times, Yousef Munayyer, director executivo do Jerusalem Fund, organização não-governamental com sede em Washington, deixou um conselho à Administração Obama: "É preciso uma reavaliação das políticas da América que contribuem para o marasmo." Mais de 160 palestinianos e cinco israelitas mortos depois de uma nova ofensiva em Gaza "não dão garantias" de que Israel ficará mais seguro ou que os palestinianos conseguirão ser independentes.

"O fracasso" das políticas dos EUA, acrescenta Munayyer, deve-se ao facto de se basearem "na assunção de que que o hard power da América, através do apoio a Israel e a outros governos do Médio Oriente, pode abafar as queixas populares". No entanto, a operação Pilar de Defesaem Gaza "mostrou uma vez mais que o uso da força é incapaz de garantir segurança porque a raiz das queixas não é entendida".

"A paciência dos palestinianos diminuiu à medida que o número de colonos triplicou entre o início do "processo de paz" em 1991 e o presente", salientou Munayyer. Para os palestinianos, a promessa de soberania subjacente ao processo de paz "foi feita ou de má-fé ou era uma mentira descarada". E a política dos EUA levou a que o processo de paz fosse, igualmente, visto como "uma mera cobertura para uma infindável colonização por parte de Israel".

Também o modo como os EUA lidaram com o Hamas enviou "uma mensagem errada", sustenta Munayyer. "Em vez de promover a paz, apenas criou o incentivo para o uso de armas", já que as sanções impostas após a vitória eleitoral [do movimento] em 2006 indicaram que os islamistas - curiosamente agora escolhidos como interlocutores favoritos de Washington, como a Irmandade Muçulmana no Egipto - seriam marginalizados, se não aceitassem duas condições: reconhecer Israel e renunciar à violência. O que o Hamas demonstrou foi que estas condições, aceites pela Fatah, a principal facção da OLP, não travaram a expansão dos colonatos nem puseram ao fim a "um cerco brutal" à Faixa de Gaza, de onde 1,7 milhões de palestinianos não podem sair nem entrar, por terra, mar e ar.

Ontem, a cadeia de televisão pan-árabe Al-Jazira entrevistou Munib al-Masri, uma das mais influentes personalidades palestinianas. "Há 40 anos que apoio o processo de paz", disse, enquanto guiava Sir David Frost, uma das estrelas do canal do Qatar, numa visita à Cisjordânia. "A Primavera está a chegar, e o tsunami está a chegar, e o vulcão está a chegar", acrescentou o homem a quem chamam de "O Padrinho", com uma fortuna avaliada em 1600 milhões de dólares.

"Vivemos numa grande prisão; Gaza é uma grande prisão, a Cisjordânia é uma grande prisão; Jerusalém é uma grande prisão - todos os lugares [na Palestina] são uma grande prisão", lamentou Masri, presidente da Palestine Development and Investment Company (Padico) - representa ¼ de toda a economia palestiniana. "Estes não são os valores da religião judaica. Eles [judeus] têm bons valores e espero que respeitem esses valores em relação aos [palestinianos]. Não podemos viver sob ocupação durante toda a nossa vida. Vamos sentar-nos, falar e ouvir as aspirações e necessidades de cada uma das partes."

É isso que Gershon Baskin também deseja: "Que israelitas e palestinianos mantenham o diálogo, para que seja possível a solução de dois Estados", evitando que Israel se torne num "Estado único com um regime de segregação, uma minoria governando uma maioria sem direitos".

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