Cavaco muito crítico com “políticas erradas” de dirigentes e governos da UE

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Cavaco acusa governos de "irresponsabilidade" e instituições europeias de "ineficácia" Foto: Nuno Ferreira Santos/arquivo

Cavaco Silva usou palavras muito duras aos dirigentes da União Europeia e aos governos dos estados membros, acusando-os de serem responsáveis pela crise.

Cavaco Silva fez esta quarta-feira duras críticas à União Europeia (UE) e aos governos dos países dos Estados-membros, considerando que as causas da crise económico e financeira se devem a “políticas erradas” e à “deficiente supervisão por parte das instituições europeias”.

Numa intervenção no Instituto Universitário Europeu, Florença, Itália, o Presidente da República recusou a ideia de que a responsabilidade da crise se deve ao euro. “As causas radicam nas políticas erradas, nomeadamente orçamentais e macroeconómicas, seguidas pelos Estados-membros e, por outro lado, numa deficiente supervisão por parte das instituições europeias. A responsabilidade por esta crise é claramente partilhada pelos Estados-membros e pelas instituições europeias”, afirmou Cavaco no ciclo de conferência intitulado “A Europa em Debate”.

Aos que criticam o Tratado de Maastricht e que dizem que as dificuldades actuais vêm das insuficiências do tratado, Cavaco diz que “esquecem as circunstâncias”: “o Tratado da União Europeia foi negociado há vinte anos, a globalização estava ainda a emergir, a UE tinha 12 membros, o muro de Berlim tinha caído há apenas dois anos, os novos actores económicos da era global ainda pouco se afirmavam. O mundo era diferente.”

Neste capítulo, o Chefe de Estado diz que foi “a execução do Tratado, e do Pacto de Estabilidade e Crescimento que o veio complementar, que ficou aquém do que se exigia”, por “irresponsabilidade de governação dos Estados e por ineficácia das instituições europeias”. “Em particular, houve um factor decisivo para desencadear a crise: o mau escrutínio do rumo das finanças públicas nalguns Estados.”

Cavaco não se poupou nas críticas à Comissão e ao Conselho Europeu, acusando-os de não terem feito tudo “o que lhes competia para corrigir as situações de défice excessivo”: “É bom lembrar a quebra de credibilidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento provocada pelo próprio Conselho, ao tudo fazer para que passasse incólume a violação dos limites do défice orçamental por parte da Alemanha e da França, nos primeiros anos deste século.”

“Um mau sinal para os mercados”, considerou o Presidente da República, uma vez que a União Europeia “estava pronta a renunciar ao rigor dos critérios, em favor de considerações e circunstâncias políticas impostas por interesses nacionais”. “Como alguns de vós se recordarão, houve, até, quem, para justificar o ajustamento das regras do Pacto, lhe tivesse chamado ‘estúpido’”, disse. “Não se atribua, portanto, a culpa da crise da Zona Euro ao Tratado e apenas aos Estados Membros financeiramente indisciplinados.”

Resposta tardia

Cavaco diz ainda que, perante a evidência da crise, “a União tardou a reconhecer a sua natureza e a sua escala e tardou a dar-lhe a resposta que se impunha”. “Enredada numa retórica política de recriminações mútuas, evitando reconhecer a responsabilidade partilhada, ignorando a evidência dos riscos de contágio, hesitando na solidariedade, oscilando nos instrumentos a usar, promovendo uma deriva intergovernamental, a União Europeia deu guarida a uma crescente especulação sobre a zona euro, alimentando as incertezas sobre o próprio futuro da moeda única. Ora, o que os mercados estão a testar é precisamente a existência de uma verdadeira e consistente União Económica e Monetária”, acrescentou.

Citando Jean Monet – “Não temos senão uma escolha: entre as mudanças para onde seremos arrastados ou aquelas que decidimos por nossa vontade realizar” –, Cavaco disse que a Europa de confronta de novo essa escolha: “ou enfrentamos a crise com as medidas que se impõem ou seremos arrastados por ela para mudanças imprevisíveis e incontroláveis que põem em risco a própria União Europeia”.

Cavaco Silva afirmou também que se exige acção e acção rápida, porque “os mercados não esperam por discussões labirínticas e negociações intermináveis”: “Custa a compreender, por exemplo, que as positivas decisões do Conselho Europeu de 21 de Julho ainda estejam prisioneiras de obstáculos políticos e formais. Tal como é inadmissível o happening quotidiano de discursos divergentes por parte dos líderes europeus. Este tempo exige, mais do que nunca, convergência, solidariedade e responsabilidade sem falhas.”

Acrescentou, porém, que começa a haver uma convergência quase generalizada de que “um Estado da zona euro sob dificuldades não pode ser deixado cair em incumprimento descontrolado”, sob pena de criar “um efeito dominó de consequências imprevisíveis para o próprio projecto de integração europeia”. “O fracasso do euro poria em causa o mercado interno, alimentaria o retorno de nacionalismos e proteccionismos, enfraqueceria a Europa na cena internacional.”

Ao contrário, continuou, é preciso reafirmar que a União Europeia “tem os recursos, os instrumentos e os meios institucionais para superar esta crise”. “O que tem faltado é a vontade política para mobilizar uns e outros e fazê-lo com um método eficaz e de forma célere. Em suma, a resposta à crise tem de ser europeia, sistémica e eficaz no curto prazo.”

Intervenção mais ampla

Depois, apontou algumas medidas “que se impõem e que não podem esperar”, a começar pelo reforço do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), “instrumento fundamental para assistir os Estados em dificuldades”.

Cavaco diz também ser necessária uma intervenção mais ampla e previsível do Banco Central Europeu (BCE) “no mercado da dívida soberana dos países solventes que enfrentam problemas de liquidez, a disponibilidade para uma intervenção ilimitada no mercado secundário”. “Não se trata de operar uma intervenção descontrolada e de risco sem medida. Trata-se de um compromisso credível para matar cerce a especulação e garantir, por essa via, as condições para o funcionamento dos mercados da dívida soberana num quadro de estabilidade e confiança”, afirmou.

A recapitalização e financiamento dos bancos europeus é outra medida que considera “urgente” e “que exige uma intensa concertação e a mobilização de instrumentos com natureza e escala de nível europeu”.

Sobre a emissão de Eurobonds, títulos de dívida europeus, Cavaco diz que tem acompanhado de perto a controvérsia, afirmando não duvidar que poderia ser “uma poderosa resposta a esta crise”. Porém, “a sua implementação está envolta em tantas indefinições, quer de natureza política, quer de natureza técnica, que a tornam impossível de levar à prática, num tempo compatível com as dificuldades do presente”. “Os chamados eurobonds devem estar na agenda europeia, havendo, rapidamente, que clarificar o conceito e determinar os requisitos exigidos em termos de transferência de soberania para as instituições europeias e de alteração da arquitectura institucional da União Económica e Monetária”, acrescentou.

Uma resposta efectiva à crise impõe, ainda, o aprofundamento da governação económica europeia, outra das medidas que Cavaco considera ser necessária para combater a crise. “Há que ser claro neste ponto: o reforço do FEEF e a intervenção do BCE só se podem realizar num quadro em que os orçamentos e as políticas macroeconómicas dos Estados sejam adequadamente escrutináveis e respeitem um rumo equilibrado e sustentável. Mas tal não implica a criação de novas estruturas, concorrendo com as actuais, mas o reforço das que existem, começando pelo papel central que cabe à Comissão Europeia”, acentuou.

O Chefe de Estado disse ainda que não esconde a preocupação com que tem vindo a assistir, nos últimos anos, “à desvirtuação do método comunitário”. “A deriva intergovernamental está a contaminar o funcionamento institucional da União Europeia. Em vez de uma mobilização convergente, e de uma responsabilidade solidária por parte de todos os Estados e instituições, vamos constatando a emergência de um directório, não reconhecido, nem mandatado, que se sobrepõe às instituições comunitárias e limita a sua margem de manobra. Este é um caminho errado e perigoso. Errado por que ineficaz. Perigoso por que gerador de desconfianças e incertezas que minam o espírito da união.”

O caminho certo, sublinhou, é o do “método comunitário, como a história da integração europeia eloquentemente demonstra”. “Foi com o método comunitário que a integração europeia se aprofundou e afirmou. Com a Comissão a constituir o centro de gravidade da iniciativa, o braço executivo das políticas e das acções comuns e o guardião dos Tratados.” E salientou que é ao Conselho Europeu, “e não a um directório de alguns países”, que cabe a orientação política, “e ao Conselho de Ministros cumpre tomar as decisões que enquadram a acção comunitária”. “É esta a fórmula institucional que garantirá a união da Europa. Volto a repetir: a governação económica da zona euro tem de ser mais imperativa, rigorosa e eficaz. Mas é a Comissão Europeia que deve ser a charneira institucional para realizar, com equilíbrio e eficácia, essa missão.”

Portugal vai cumprir

Já no final da sua intervenção, falou sobre Portugal, assegurando que o acordo de assistência financeira feito com a UE e o FMI será “cumprido na íntegra pelo Governo português”: “Portugal honrará plenamente os seus compromissos, restabelecerá o equilíbrio das finanças públicas e levará por diante as reformas estruturais indispensáveis ao reforço da competitividade da sua economia.”

Lembrou que estão a ser exigidos “duros sacrifícios ao povo português”, que tem “respondido com grande sentido de responsabilidade”. Considerando que é também importante para a Europa que o “esforço português seja coroado de pleno sucesso”, considerou ser necessário que a UE “enfrente a crise financeira com as medidas adequadas e em tempo certo, que tome as decisões sistémicas que se impõem para estabilizar a zona euro, fortalecer os sistemas financeiros e promover o crescimento económico”.

No final, Cavaco Silva definiu o seu estado de espírito: “Preocupado, mas confiante.”

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