Daily Mail dá Amanda Knox como culpada e inventa reacções

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O Daily Mail publicou todo artigo de Nick Pisa, com reacções, à hora da leitura da sentença Foto: <a href="http://www.mailwatch.co.uk/2011/10/03/invented-eyewitness-accounts/" target="_blank">Mail Watch</a>

Os “erros grosseiros” no julgamento de Amanda Knox não se limitaram à recolha do material forense. Também aconteceram na cobertura noticiosa da leitura da sentença, esta segunda-feira. Algumas edições online de jornais e televisões precipitaram-se e deram a norte-americana como culpada. O Daily Mail foi mais longe: inventou toda uma história alternativa.

A sentença começou a ser lida no tribunal de recurso de Perugia às 20h50 (hora de Londres e Lisboa), dois minutos depois de os oito membros do júri regressarem à sala de audiências. Quando o juiz Claudio Pratillo Hellman, que presidiu ao processo, disse “culpada”, alguns editores dos sites noticiosos nem pararam para ouvir o que se seguia – e publicaram a notícia errada.

Assim fez o Guardian, que estava a acompanhar a leitura da sentença ao minuto, e a Sky News. No entanto, Amanda Knox estava a ser condenada a três anos de prisão por caluniar Patrick Lumumba, proprietário de um bar falsamente acusado pela jovem de estar na cena do crime, e não pelo homicídio e a violação da antiga colega de Erasmus, a inglesa Meredith Kercher. A pena de 26 anos de prisão a que Knox tinha sido condenada foi revogada.

A Sky News retirou o título errado. O Guardian reconheceu o erro, explicou-o e pediu desculpa aos leitores. Tudo em poucos minutos. O Daily Mail fez algo de muito diferente: às mesmas 20h50, o tablóide britânico publicou uma notícia desenvolvida do julgamento, partindo do mesmo equívoco, mas relatando acontecimentos que nunca ocorreram – como a reacção da própria Amanda à confirmação da pena por homicídio.

O Daily Mail é o segundo jornal mais lido online em todo o mundo (de acordo com o relatório de Junho da comScore, tem 17,2 milhões de visitantes únicos mensais). E, na competição ao segundo imposta pela concorrência online, o tablóide publicou um artigo preparado com antecedência, com descrições dramáticas da sala de audiências, declarações dos promotores públicos e reacções das famílias Knox e Kercher.

Nick Pisa, o correspondente do Daily Mail em Itália, não poupou na emotividade do texto, escrito antes de tudo o que relata acontecer: “Amanda Knox ficou aturdida esta noite, após perder de forma dramática o recurso da pena de prisão por homicídio. Quando Knox se apercebeu da enormidade do que o juiz Hellman estava a dizer, afundou-se na cadeira a soluçar incontrolavelmente, enquanto a sua família e amigos se abraçavam uns aos outros em lágrimas”.

“A poucos metros, a mãe de Meredith [a vítima], Arline, a irmã Stephanie e o irmão Lyle, que voaram de propósito [para Itália] para ouvir o veredicto, permaneceram serenos, a olhar para a frente, voltando-se apenas uma vez para a família perturbada de Knox”, continuava. Nick Pisa citava depois os procuradores públicos: “Fez-se justiça”. Embora sublinhassem que, “do lado humano, é triste ver dois jovens a cumprir anos de prisão”.

Inquérito para avaliar procedimentos

Estas declarações não foram inventadas, de acordo com o próprio Daily Mail. Um porta-voz do jornal disse ao PÚBLICO, numa resposta enviada por e-mail, que “foram obtidas citações de ambas as partes tanto para a eventualidade de um veredicto de culpado como para a de um veredicto de inocente”.

“A confusão sobre o anúncio do juiz significou que a Sky News e vários outros sites noticiosos, incluindo o Mail Online, informaram incorrectamente, durante um período curto de tempo, que Knox tinha sido considerada culpada. [A notícia] foi corrigida um minuto depois”, acrescenta o porta-voz.

“É comum os jornais prepararem duas versões de um artigo, antecipando o veredicto de um tribunal”, nota a mesma fonte. “Gostaríamos de deixar claro que Nick Pisa não esteve de modo algum envolvido na decisão de publicar a sua história em caixa.” E continua: “Pedimos desculpa pelo erro e lançámos um inquérito para avaliar os nossos procedimentos”.

O que fica por explicar é onde foi o jornalista buscar, além das citações, as descrições da sala de audiências ou a frase em que avança que Amanda Knox estava já a ser levada, ainda às 20h50, para a prisão de Capanne. Aí, ficaria sob vigia durante os dias seguintes, para não tentar o suicídio.

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