Papa admite resignar se ficar incapacitado

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Bento XVI diz que a sua agenda "pesa a um homem de 83 anos" Foto: Tony Gentile/Reuters

O Papa Bento XVI afirma ter o "dever" de resignar caso se veja numa situação em que esteja "fisicamente, psicologicamente e espiritualmente" incapacitado de liderar a Igreja. A declaração surge no livro "Luz do Mundo", fruto de uma série de entrevistas com o jornalista alemão Peter Seewald, publicado esta manhã em Itália e noutros países (em Portugal no próximo dia 2 de Dezembro).

Sem medir palavras, Bento XVI, de 83 anos, diz no livro - do qual vários excertos foram publicados sábado pelo jornal do Vaticano - que "não hesitaria" em tornar-se no primeiro Papa a abdicar voluntariamente, em mais de 700 anos, apesar de tal conceito gerar enormes problemas de doutrina no seio da Igreja.

A questão da resignação foi levantada pelo jornalista, que conduziu seis entrevistas de uma hora cada com o Papa, no Verão passado, confrontando Bento XVI com a possibilidade de se afastar perante crises tão graves como a do escândalo dos abusos sexuais de menores.

"Não devemos fugir quando o perigo é grande. E por isso esta não é a altura para resignar", sublinhou, apontando porém que se um Papa não for capaz de cumprir os deveres do papado, lhe cabe então o direito "e, em algumas circunstâncias, também o dever" de resignar.

Bento XVI fala da sua idade e estado de saúde, dando conta que a agenda de reuniões e viagens que cumpre "pesa verdadeiramente a um homem de 83 anos". "Confio que Deus me dará tanta força quanta eu precisar para fazer o que é necessário. Mas também notei que as minhas forças estão a diminuir", diz, em resposta a um comentário de Seewald, o qual observara que Bento XVI lhe parecia em suficiente boa forma para ser professor de ginástica. Conta o jornalista que o Papa se riu do comentário.

"O Santo Padre está profundamente consciente do seu trabalho e da sua total dedicação ao bem da Igreja. E se algo sério lhe acontecer em termos de saúde, é lógico que pondere o que fazer, como toda a responsabilidade que lhe é característica", sublinhou o recém-nomeado cardeal Raúl Eduardo Vela Chiriboga, do Equador.

O que faz um ex-Papa?

O direito canónico prevê a resignação papal, na condição de que seja feita de livre vontade e a mesma não tem que ser aceite. Os analistas observam, porém, que pode colocar-se a situação de um Papa não ter capacidade de tomar tal decisão, uma vez que a medicina permite prolongar a vida a alguém que sofra de Alzheimer ou fique incapacitado por um acidente vascular cerebral.

Outros papas, antes, admitiram a possibilidade de resignação, mas tal só foi conhecido após as suas mortes. O antecessor de Bento XVI, João Paulo II - que alguns media chegaram a apelidar de "Papa sempre em forma", mas cujo estado de saúde se deteriorou no final do seu longo pontificado de 26 anos e meio - também chegou a admitir esta possibilidade. Acabou porém por dizer um dia a um dos seus médicos que "não existe lugar na Igreja para um Papa honorário".

Um "ex-Papa" teria que se afastar da vida pública, avaliam os historiadores da Igreja. Muito provavelmente, teria que se retirar para um mosteiro e jamais dar-se a ouvir, para não tirar espaço ao sucessor.

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