Futuro de Hillary Clinton pode passar pelo Pentágono antes de chegar à Casa Branca

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Hillary goza de uma popularidade que Obama já perdeu Foto: Larry Downing/Reuters

Desiludidos com Obama, os democratas parecem estar prontos para apostar na secretária de Estado norte-americana. Já se fala nas próximas corridas presidenciais.

No início de Agosto, L. Douglas Wilder, o primeiro governador afro-americano dos Estados Unidos e um democrata, publicou um artigo de opinião no Politico, o site noticioso que é a Bíblia política de Washington, defendendo uma remodelação da Administração Obama. "O vice-presidente não deve ser imune", escreveu. Na verdade, o texto é, em grande parte, um manifesto anti-Joe Biden, que Wilder retrata como um homem de gaffes, alvo preferencial dos humoristas dos serões televisivos americanos.

O resto do artigo é um elogio ao desempenho de Hillary Clinton enquanto chefe da diplomacia americana, tal como um professor escreveria na ficha de avaliação de uma boa aluna. Obama, escreveu Wilder, deveria desembaraçar-se de Biden e recandidatar-se à presidência em 2012 com Hillary Clinton como número dois. Até porque Clinton poderia reconquistar os eleitores que entretanto se desencantaram com Obama. Como quem diz: Clinton é a maior esperança de Obama ser reeleito em 2012.

Podia ter sido apenas outro dia em Washington, mas nas semanas seguintes a ideia propagou-se pelos jornais e blogues como uma faísca no feno. Até o estóico Financial Times aderiu ao debate - dando ares de desprendimento (a velha desculpa: talvez tudo não passe da angústia do ciclo noticioso perante uma agenda vazia em Agosto), mas sem deixar de passar a palavra.

E quando as vozes que descartavam a teoria como um disparate já pareciam ser suficientes para arrumá-la - pelo menos, por uns tempos -, uma nova especulação emergiu. Quando o secretário da Defesa, Robert Gates, anunciou há dias que pretende retirar-se até final do próximo ano, o nome de Hillary começou a ser falado para lhe suceder.

A salvadora

Argumentos a favor: Hillary tem bastante credibilidade junto dos militares, desde os dias em que fez parte da Comissão das Forças Armadas do Senado, disseram analistas. Por outro lado, pode ser a maior esperança em voltar a haver um democrata à frente da pasta da Defesa - Gates é o único elemento da administração Bush que transitou para o actual Executivo. Hillary tende a estar mais à direita do seu partido em questões de segurança nacional, o que poderá dar cobertura à sua escolha perante os republicanos.

O que há de comum nas duas versões é que Hillary Clinton emerge como a figura que pode salvar o partido ou a presidência. E apesar de faltarem pelo menos 14 meses para confirmar se algum destes cenários se concretizará, as eleições para o Congresso realizam-se dentro de 10 semanas, e os democratas correm o risco de perder a actual maioria.

Talvez a especulação diga mais sobre o presente do que sobre o futuro. Obama continua a cair nas sondagens - e no apreço do seu partido.

"Toda esta especulação mostra que as pessoas estão a ter dúvidas sobre a competência presidencial de Obama", diz ao PÚBLICO Lara Brown, professora e investigadora de ciência política da Villanova University, Pensilvânia, que integrou o departamento de Educação durante a administração Clinton. "O ex-governador Wilder foi quem levantou a questão. Em grande parte isto tem que ver com a discussão entre democratas sobre como trazer novo vigor ao partido." Há uma esquerda desiludida com Obama e democratas moderados em campanha "contra a presidência" de Obama, diz Lara Brown.

Por estes dias, os democratas começam a lembrar-se de que Hillary esteve muito perto de ser a candidata presidencial do Partido Democrata em 2008. "Num clima destes, faz todo o sentido que o partido ande à procura de nova liderança."

Stephen Hess - um veterano da política que trabalhou nas administrações Eisenhower e Nixon, foi conselheiro dos presidentes Gerald Ford e Jimmy Carter e hoje faz parte do painel de especialistas da Brookings Institution, um think tank de Washington - é lacónico quando se lhe pergunta o que é que a especulação reflecte. "Reflecte a popularidade de Hillary Clinton. Que nem toda a gente teria previsto."

Alain L. Sanders, professor de política americana no Saint Peter's College, New Jersey, acredita que Hillary "é a pessoa a ter em atenção depois das eleições de Novembro". "Dependendo dos resultados, ela pode perguntar-se se faz sentido continuar associada a Obama, ou se deve sair discretamente e concorrer contra ele em 2012. Ou esperar até 2016."

Fazer história

Clinton tem sido evasiva quanto ao futuro, e o seu estilo como secretária de Estado discreto. "Ela está a fazer exactamente o que fez quando era senadora. Trabalhou diligentemente, o que a tornou poderosa e popular. [Como secretária de Estado] tem-se mantido fora dos holofotes, emergindo aqui e ali para marcar uma posição", diz Alain Sanders.

Stephen Hess considera que Hillary Clinton tem feito um bom trabalho, mas tem deixado a exposição de maior risco para os seus embaixadores no Médio Oriente (George Mitchell) e Paquistão e Afeganistão (Richarl Holbrooke). "Ela sempre se manteve fora dos dossiers mais problemáticos, os casos estagnados."

E por que é que "a mulher mais ambiciosa de Washington", como lhe chama Alain Sanders, deixaria o Departamento de Estado por um cargo menos visível e prestigiado como o de secretária da Defesa? "O Departamento da Defesa tem um orçamento maior. E a componente militar é um bom complemento a uma carreira diplomática. Não há melhores credenciais do que essas quando se concorre a presidente", diz Sanders.

Também há a questão de estabelecer um precedente. "Ela seria a primeira mulher a chefiar a Defesa e a primeira pessoa em muitos anos a servir nos dois cargos", diz Lara Brown. "Portanto, pode fazer história."

Stephen Hess soa quase indignado. "Isto é o tipo de conversa tola que costuma haver em Washington nesta altura." E no entanto ele respondeu ao PÚBLICO, sabendo de antemão o tema em causa - talvez tenha pensado que o seu laconismo seria eloquente. "Sejamos cínicos: é Verão."

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