Por detrás de uma grande Fiat está Sergio Marchionne

Quando, aos 16 anos, recebeu do pai um Fiat 124 coupé, Sergio Marchionne estaria longe de imaginar que, um dia, viria a sentar-se ao volante do maior fabricante automóvel do seu país. E mais longe ainda de saber que seria ele o protagonista de um novo episódio que pode mudar a história da empresa.

Há quem lhe chame visionário e quem ache que está seriamente iludido. Mas o sucesso de ter feito a Fiat renascer das cinzas há cinco anos dá, no mínimo, autoridade à visão estratégica deste italiano-canadiano: transformar o fabricante de Turim no segundo maior grupo automóvel do mundo e sair como o primeiro grande vencedor de uma das maiores crises de sempre do sector.

Presidente executivo (CEO) da Fiat desde 1 de Junho de 2004, Sergio Marchionne, de 56 anos, apresentou esta semana um plano para a compra das operações europeias da General Motors (GM), fabricante norte-americana até há pouco tempo líder do mercado mundial e agora quase falida.

Esta nova investida surge apenas alguns dias depois de a Fiat ter concretizado a aliança com a norte-

-americana Chrysler, onde se tornará accionista maioritária. A ligar os dois planos está a visão estratégica do gestor.

Um grupo que produza tudo

A meta de Marchionne é construir um novo grupo automóvel que produza tudo: desde jipes 4x4, passando por Vauxhall, Opel e Saab (marcas da GM Europa) até Alfa Romeo e pequenos Fiat 500. E, mais importante do que isso, Marchionne quer transformar a Fiat num grupo automóvel grande e de dimensão mundial, com capacidade para vender entre seis a sete milhões de carros por ano, o suficiente para disputar à alemã Volkswagen o lugar de segundo maior fabricante do mundo, atrás do gigante nipónico Toyota.

Se o CEO conseguir levar a melhor, a nova fabricante automóvel poderá nascer já este Verão. Resta saber com que nome. "Fiat/Opel soa-me bem", disse Marchionne ao Financial Times, mas "se eles quiserem colocar Opel primeiro, tudo bem". Despreocupação? Longe disso. A maior certeza de Sergio Marchionne é de que a indústria automóvel caminha para a consolidação e que, quando a actual recessão acabar, apenas seis fabricantes vão sobreviver.

"Vamos acabar por ter apenas uma empresa nos EUA, uma alemã de peso, uma franco-japonesa (provavelmente com extensão nos EUA), uma no Japão, uma na China e outra, potencialmente, na Europa", disse em Dezembro numa entrevista à Automotive News. Para sobreviver, acredita o gestor, um fabricante terá de vender 5,5 milhões de carros por ano. Em 2008, a Fiat vendeu apenas dois milhões de unidades. Muitos não acreditam que a construtora italiana seja capaz de dar o salto. Mas Sergio Marchionne já tem nas costas um milagre.

O renascer de uma marca

Em 2004, quando a família Agnelli, principal accionista da Fiat, chamou Marchionne para assumir a liderança, os analistas da Morgan Stanley diziam sem um resquício de dúvida: "relançar a Fiat hoje é a tarefa mais difícil do mundo". Apesar de representar metade das receitas, o negócio automóvel da empresa (que inclui as marcas Fiat, Lancia, Alfa Romeo, Maserati e Ferrari) estava a morrer, negligenciado devido à diversificação do grupo para outras áreas, como seguros, banca e energia. O fabricante perdia cerca de dois milhões de euros por dia e chegou ao final de 2004 com quase 800 milhões de euros de prejuízo. Endividada e mal gerida, a Fiat não investia o suficiente no negócio automóvel e estava a enterrar-se com os seus produtos antiquados. Face a um iminente fracasso, a família Agnelli decidiu chamar um gestor de fora.

Sergio Marchionne, que na altura liderava a empresa suíça de certificação e inspecção SGS, meteu logo mãos à obra. Além de remover gestores pouco dinâmicos, reduziu de 26 para 18 meses o período de tempo para passar da concepção e desenvolvimento do veículo à sua produção. Paralelamente, redinamizou as equipas de desenho e engenharia para criar novos modelos. Nascia a versão moderna do Fiat 500 e o Grande Punto com cara de Maserati. Os resultados começaram, entretanto, a sair do vermelho.

A ajudar às contas, esteve o corte de ligação à GM, que condicionava a tomada de decisões dentro da empresa. Na altura, a GM detinha 20 por cento da Fiat e iria adquirir os restantes 80 por cento em cinco anos. Contudo, o fabricante norte-

-americano desistiu do negócio e, por isso, teve de pagar dois mil milhões de dólares (cerca de 1,5 mil milhões de euros) à Fiat. Esta ajuda acabaria por dar um empurrão na recuperação da empresa.

Depois de cinco anos no vermelho, a Fiat fechou o ano de 2006 com um lucro de 260 milhões de euros. O crescimento continuou nos anos seguintes mas, para Sergio Marchionne, a crise actual veio mostrar que já não é possível sobreviver sozinho. Isso levou o gestor italiano, que cresceu no Canadá (ver caixa), a encetar uma aliança com a Chrysler, que irá garantir à Fiat uns iniciais 35 por cento na fabricante norte-americana e o regresso ao mercado dos EUA, de onde saiu há quase 20 anos. Mas a visão de Marchionne só ficará completa com a Opel e as restantes operações da GM na Europa.

Os entraves ao sonho da Fiat

Apesar de Marchionne considerar a união da Fiat e da Opel como "um casamento feito no céu", esta questão está longe de ser fácil e, sobretudo, unânime. Por um lado, a italiana precisa de ouvir o "sim" da GM, que não deverá ser dado de graça. De acordo com o jornal New York Times, a GM poderá assumir uma posição no capital da Fiat, em troca da cedência das operações que detém na Europa e na América Latina. Por outro lado, a Fiat terá de ganhar o apoio dos políticos e das poderosas uniões sindicais alemãs, o que não será fácil.

A fusão entre a Opel e a Fiat geraria poupanças de custos na ordem de mil milhões de euros, pois integraria as operações de produção dos carros de pequena e média dimensão das duas fabricantes.

Mas isso significa também outra coisa: encerramentos de fábricas (juntas, a GM e a Fiat têm 21 fábricas na Europa) e despedimentos (que, estima o Financial Times, poderão chegar a nove mil). Duas situações que o Governo alemão já assegurou querer evitar a todo o custo no caso da Opel.

Contudo, se Marchionne conseguir envolver tudo e todos na sua visão estratégica, poderá realmente fazer história. Não só por criar um novo gigante automóvel mas porque, enquanto os concorrentes apertam os cintos para sobreviver à crise, ele será o primeiro a ver na crise uma oportunidade de crescer.

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é o número de fábricas que a GM e a Fiat detêm conjuntamente na Europa e que podem ser alvo de reduções

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