A poesia das terras últimas

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Um fotógrafo e um músico viajaram até três lugares com o mesmo nome em Espanha, França e Inglaterra: sítios onde a terra acaba e começa o mar. André Jegundo conversou com Eduardo Brito e Sandy Kilpatrick sobre a viagem por Finisterre, Finistère, e Land"s End que deu origem a um livro e a um disco. As fotografias são de Eduardo Brito

Numa era em que até nas viagens não há tempo a perder, eles foram sem pressa de chegar. Não sabiam de antemão o que iriam encontrar, nem tinham um extenso roteiro turístico a percorrer. Partiram à descoberta de Finisterre, Finistère, e Land"s End, três lugares com o mesmo nome em Espanha, França e Inglaterra, separados por algumas centenas de quilómetros, mas que têm algo em comum. São lugares onde a terra acaba e começa o mar. Agrestes, periféricos, melancólicos, talvez poéticos. A viagem de carro de Eduardo Brito, fotógrafo, e Sandy Kilpatrick, músico, deu origem a um livro-disco: As Terras Últimas.

Nas mochilas levaram duas máquinas fotográficas de 35mm, cerca de 15 rolos, cadernos, um gravador digital e um bloco para os esboços. Partiram de Guimarães, no final de Agosto de 2009, com a ideia concreta de fazer a viagem "não numa perspectiva antropológica", mas "para perceber como são as periferias do ponto de vista visual". "Tinha quase que uma fixação com a palavra finisterra e que já vinha de trás. E daí surgiu a ideia de conhecermos estes três lugares diferentes, em três países, mas que têm o mesmo nome", conta Eduardo Brito, 34 anos, actualmente coordenador de um projecto de fotografia documental na área de cinema e audiovisual da Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012.

Começou a fazer fotografia em Coimbra, onde estudou Direito. Fez também jornalismo e rádio. Entre 2004 e 2008, teve um programa de música na Rádio Universidade de Coimbra, com Hugo Ferreira e João Vaz, que se chamava, precisamente, Finisterra. "Não sei bem explicar [a fixação com a palavra]. Talvez comece com a ideia poética do seu significado traduzido numa palavra composta, antiga, que se torna nome de lugar, por um lado, e uma quase adjectivação, por outro. Num e noutro caso, traduzem sempre uma ideia ampla de lugar distante, de lugar onde se demora a chegar e de espaço que, quando se chega, nada tem senão o fim da terra. É um espaço de cisão, de balanço, de contemplação: da Finisterra contempla-se sempre o mar imenso, a terra inteira está ali para trás", explica.

Partiram então para Finisterre, depois para Finistère, e, por fim, depois de atravessar o Canal da Mancha, Land"s End. Três lugares unidos pelo nome, mas localizados em países diferentes. "Tínhamos esta curiosidade de saber como se faz uma viagem pela costa, periférica. Perceber o que estes lugares têm em comum e transformar a viagem num roteiro fotográfico e musical. E apresentá-lo de uma forma unusual", diz Sandy Kilpatrick, precisando depois em português: "De forma diferente, inovadora".

Há muito tempo que Eduardo Brito e Sandy Kilpatrick, músico escocês que hoje vive no Minho, alimentavam a ideia de trabalhar juntos. "E se as histórias já foram todas contadas, as viagens ainda não foram todas feitas", diz Sandy Kilpatrick. Natural da cidade de East Kilbride, perto de Glasgow, Sandy é licenciado em Inglês e Literatura Americana, viveu em Manchester desde 1995, onde iniciou o percurso artístico como vocalista e letrista da banda Sleepwalker.

Desacelerar o tempo

Sandy Kilpatrick mudou-se para Portugal em 2000. Continuou a criar música e lançou novos trabalhos, incluindo, em 2005, o álbum Incandescent Night Stories. Foi também responsável pelas Relações Internacionais no Theatro Circo, de Braga. E, em 2009, acabaria por surgir a colaboração com Eduardo Brito. O projecto, que foi apoiado pelo Centro Cultural de Vila Flor, foi fazer uma viagem "europeia e periférica", da qual resultariam duas histórias, "separadas, cujo o único ponto de contacto é o facto de terem sido inspiradas pelas mesmas vistas, pelo mesmo percurso: uma é a história fotográfica e outra é história feita de música.", conta Eduardo Brito.

Entre o final de Agosto e Setembro, durante duas semanas, fizeram quase cinco mil quilómetros de carro. Um anacronismo, tal como as fotografias em película e a preto e branco? "Fazer a viagem de carro depois da invenção do avião; fazer a fotografia química depois da invenção do digital; fazer preto e branco depois da cor não deixará de exprimir uma vontade de desacelerar o tempo das coisas", escreve Pedro Bandeira, doutorado em Arquitectura pela Universidade do Minho, num dos textos introdutórios do livro Terras Últimas. A viagem teve um tempo próprio e "desacelerado": sem a disciplina de fazer um número preciso de quilómetros por dia, mas com uma rota mais ou menos definida, de sul para norte.

Em Espanha, Finisterre (Fisterra, em galego) é um cabo na Galiza. Em França, Finistère é um departamento, uma divisão administrativa da Bretanha. Em Inglaterra, Land"s End é um cabo na Cornualha. Estão separados por milhares de quilómetros mas têm algo em comum. "São sítios onde se demora a chegar, periféricos e em que a finitude da terra lhes dá uma carga melancólica", diz Sandy Kilpatrick. "Há sempre uma ideia de presença humana que os unifica. Ou seja, não são desertos nem paisagens imaculadas. São lugares onde o homem chegou e se manteve e, como tal, inscreveu a sua marca na paisagem. São finais de caminhos e a essa ideia lhe devem o nome", acrescenta Eduardo Brito, que está actualmente a frequentar o mestrado em estudos artísticos, museológicos e curadoriais na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

Outro ponto que une os três lugares é o da presença cristã nestes "fins do mundo": Finisterre, na Galiza, tem uma ligação profunda a Santiago de Compostela e é a última etapa para muitos dos peregrinos que fazem o Caminho de Santiago e que prolongam a caminhada até à "Costa da Morte", como também é conhecida a zona, por causa dos inúmeros navios que, ao longo dos séculos, lá naufragaram. Em França, num dos lugares mais ocidentais do departamento de Finistère, no ponto de Saint Matthieu, resistem as ruínas da abadia de Saint-Mathieu-de-Fine-Terre. E em Land"s End, na Cornualha Inglesa, ergue-se a igreja de St. Sennen.

Ideia poética de espaço

A "beleza" e a "poesia" dos lugares levaram Sandy Kilpatrick, "de sentidos despertos", a desenhar esboços dos locais que marcaram viagem, a escrever um diário para manter as impressões "frescas e vivas" e a recolher excertos de sons que haveriam de pontuar as onze faixas de Terras Últimas: o som do mar, gaivotas e o coro masculino de Mousehole, que ouviram na estalagem Old Success Inn, em Sennen Cove, perto de Land"s End. "Fomos beber umas cervejas depois de jantar, quando um grupo de vinte e tal homens entra e desata a cantar músicas tradicionais, relacionadas com o mar. E ouvir aquelas músicas, algumas com centenas de anos, que nos falavam da viagem, do mar, de marinheiros, de trabalhadores dos caminhos-de-ferro, quando nós próprios estávamos em viagem, foi muito especial", recorda Sandy Kilpatrick. O coro aparece na faixa 7 do disco, intitulada The Men of Sennen Cove.

Na fotografia, Eduardo Brito escolheu o preto e branco para as imagens de exteriores e as cores para as imagens de interiores. As imagens de exteriores são paisagens silenciosas, periféricas, estradas sinuosas, cenários onde a presença humana rareia. "A pessoa humana - fugindo à tentação doclose up quase etnográfico - é personagem sombria, difusa, quase um figurante que pontua a paisagem", descreve. As imagens de interiores são de hotéis e outros lugares de passagem, "sempre muito iguais e melancólicos".

"...A evocação do roadmovie é automática. Cria necessariamente a sensação de viagem por todo um território em que se assumiu o fim da Terra. Vários fins. E é nessa sequência que construímos, cada um de nós, uma história", escreve o cineasta Rodrigo Areias, no livro Terras Últimas.

As imagens e os sons do livro-disco são os fragmentos dessa narrativa. É também isso que Eduardo Brito e Sandy Kilpatrick procuram quando viajam. "Por regra tento passar ao lado dos fluxos turísticos. Gosto de escolher os locais em função de uma certa ideia de poética do espaço, por assim dizer. Lugares que pedem histórias.", diz Eduardo Brito. Como Finisterre, Finistère e Land"s End.Cornualha

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