Jonathan O falso contemplativo

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Catorze aventuras e 31 anos separam o momento em que o herói sai do labirinto da sua própria memória resgatada à amnésia no Tibete, em 1977, e a incursão birmanesa de 2008 em defesa dos presos políticos da ditadura militar. Durante este período, Jonathan nunca perdeu de vista o objectivo maior da sua existência individual: a viagem aparentemente errante pela geografia do planeta em busca do sentido derradeiro da vida e dos elos significativos que ligam entre si de forma inextricável todas as criaturas. Ou dito de outra forma: as viagens de Jonathan tanto se inscrevem nas coordenadas significativas da geografia universal como na procura incessante dos seres humanos livres.

Seja qual for o ângulo pelo qual se vejam as histórias do herói de Cosey, o que parece animar Jonathan é, essencialmente, o prazer da descoberta do que está para além do acidental e do efémero, numa demanda que lhe afina a percepção do que é relevante e, por essa via e nesse momento, o transporta para uma outra dimensão de consciência.

Para uma obra tão singular no panorama da criação europeia em banda desenhada, Cosey desenvolveu um grafismo único e inconfundível, quente e afectivo, onde a cor assume uma importância crucial.

No contexto desta série, os Himalaias e a cultura tibetana destacam-se claramente. Cosey evidencia um franco prazer em partilhar com os leitores atmosferas e ambientes que tanto são dos personagens como dos vastos espaços, entre os quais a imensidão das montanhas mais altas do mundo. Há também, como é realçado frequentemente, algo de autobiográfico nesta criação, como se Jonathan fosse uma espécie de "alter-ego" do inquieto artista suíço (identificação que, diga-se de passagem, vai muito para além da mera semelhança física entre criador e criatura).

Do interesse do artista pelo Tibete - "talvez em virtude do meu gosto pela montanha", afirmou Cosey uma vez - nasceu em boa parte a ideia de uma personagem que vive as suas aventuras tão longe. A "originalidade" do budismo tibetano (a expressão é do próprio desenhador) e as visíveis influências da exploradora Alexandra David-Neel, da filosofia vedanta, de Jung e Sri Aurobindo fazem o resto, lançando o herói numa saga que está longe de ter atingido o seu fim.

No caminho empreendido, ele vai encontrando os marcos fundamentais (físicos e humanos) do seu próprio percurso - Drolma, a rebelde criança tibetana, a guerrilheira Shangarila, o oficial britânico reformado Stamford Westmacott, o psiquiatra autodidacta Casimir Forel, Neal e o seu amigo invisível Sylvester, a coronel Jung Lan do exército chinês, a resistente birmanesa Sabei...

Depois existe Kate, uma bela jovem americana encontrada em Srinagar e reencontrada mais tarde nos Estados Unidos. "É o meu fantasma sentimental. Um jungiano diria que é a minha "anima"", refere Cosey com humor. Frágil e doente, a jovem aspira a escapar às limitações da sua própria biologia para se entregar com energia total à busca de uma utopia que, afinal, não está fora mas dentro de cada um de nós. Envolve nessa vertigem Jonathan, que se apaixona por ela, tecendo ambos uma das mais belas histórias de amor que é possível encontrar na banda desenhada.

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