Passam por nós em Lisboa, e nós não passamos sem eles

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Estudantes Erasmus concentrados em Lisboa: a capital recebe pouco mais de um terço dos milhares que universidades de todo o país acolhem PEDRO CUNHA

Pouco mais de um terço dos estudantes estrangeiros que estudaram um ou dois semestres em Portugal fizeram-no na capital portuguesa, onde quase não se vêem, tão diluídos que ficam no meio dos 1,7 milhões de turistas anuais. Mas os estudantes Erasmus andam por aí e cada vez mais. Nalguns casos, até pensam em ficar. Esta é a cidade deles. Por Vanessa Jorge

Helen Vinogradov,

estudante, 23 anosa "Lisboa, não sejas francesa, tu és portuguesa, tu és só para nós." Um dos versos do fado de Amália Rodrigues talvez não se aplique aos dias de hoje. Nas ruas da capital, há muita gente a baralhar o cenário. Turistas, sobretudo. Para uns, Lisboa é um ponto de passagem. Para outros, é um pouco mais. Chega a ser uma segunda casa, durante um ou dois semestres, como no caso dos estudantes deslocados ao abrigo do programa de intercâmbio europeu Erasmus.

Muitos escolhem estudar em Portugal, e facilmente se revelam quando por qualquer motivo destoam da paisagem. Mas numa cidade que, em 2009, registou 1,7 milhões de hóspedes estrangeiros - dos quais 1,3 milhões europeus -, um estudante estrangeiro é apenas mais um estrangeiro. Passa despercebido. A cidade não os vê.

Aos 23 anos, Helen Vinogradov trocou Talin, capital da Estónia, pela Graça, por um período de oito meses. Já conhecia Porto, Coimbra, Algarve e Fátima, mas escolheu a Lisboa que alguns colegas muito elogiavam. "Lisboa é muito grande, tem muitas pessoas, muitas culturas diferentes e eu gosto disso", diz Helen, durante um galão e um sumo de frutas, no bar da Universidade Lusófona, no Campo Grande. "Não sinto que seja tratada de maneira diferente por ser estrangeira, penso que toda a gente é simpática e eu também tento ser", afirma.

Entre 2000 e 2007, passaram por um curso superior em Lisboa, como Helen, 9895 estrangeiros. É pouco mais de um terço do total de forasteiros que, nesses sete anos, estudaram um ou dois semestres numa universidade portuguesa.

Quando o mesmo curso existe em muitos países, o factor crítico na escolha passa a ser a reputação da escola, da cidade, a cultura, a imagem que se tem de determinado lugar.

Apanha-me, se puderes

Lisboa, como Porto, Faro, Braga, Guimarães, Aveiro, Évora ou Coimbra tanto atrai por aquilo que tem de único como pelo que partilha com outros lugares. Mas naqueles centros urbanos de menor dinamismo turístico, os Erasmus topam-se à légua, ou por causa da língua, ou por causa do aspecto. Já numa metrópole, os Erasmus são indetectáveis.

Por estar num país estrangeiro, cheio de outras culturas, Helen sente-se mais livre para fazer o que quiser, sem ser julgada. Mas não quer ter o "rótulo" de estudante que apenas se diverte e não estuda. "Vim para estudar Cinema e Fotografia. Em Portugal fazem-se filmes para os portugueses e não para o resto do mundo. Na Estónia os filmes são para os estónios", avalia a futura cineasta.

No fundo, somos todos iguais. O que nos torna todos mais invisíveis, indistintos. Por isso, como encontrar o rasto dos Erasmus em Lisboa? "Há um bar em Alfama onde cantam fado, não está identificado nem nada", destaca Helen. "Batemos à porta, se falarmos português eles deixam-nos entrar, muito desconfiados" - adjectivo com que Helen caracteriza os portugueses. São as singularidades, como o fado, que atraíram Helen. "O que mais me agrada é a variedade de peixe e de bolos. Vocês têm bacalhau todos os dias", acrescenta, a sorrir. "Já viajei muito, mas nunca vi nenhum local que tivesse a vossa pastelaria."

A gula também é um dos pecados de Andre Simover, estudante da Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade Técnica de Lisboa. Apesar de estudar Desporto, não resiste às montras das pastelarias portuguesas. Deixou a vila de Sillian, na região de Tirol, Oeste da Áustria, e embora a escola por cá fique no concelho de Oeiras, na Cruz Quebrada, este austríaco de 23 anos preferiu ficar a morar em Lisboa. Mesmo que isso signifique 45 minutos de viagem entre escola e casa, Andre dá graças a esta oportunidade para conhecer uma cultura diferente. Em Portugal, "é tudo mais vagaroso, mais calmo", aponta. "Aqui as pessoas são mais relaxadas. Perto de minha casa, há um café e os mais velhos passam as tardes a jogar dominó. Eu até lhes digo olá e tiro fotografias e eles não se importam". O que, segundo Andre, contrasta com a "agressividade, rancor e o estatuto que as pessoas mais velhas pensam ter" no seu país.

Para quem não via uma praia há quatro ou cinco anos, Portugal é uma bênção. Andre foi a uma das muitas festas na praia organizadas pela associação Erasmuslisboa, que, desde 2004, recebe os estudantes estrangeiros na capital. Organiza festas, viagens aos principais pontos de Portugal e Espanha, têm um site com informações úteis para os recém-chegados e um kit de boas-vindas com mapas, cartões de desconto, passes. A presidente daquela associação, Rita Ferraz, sublinha que o número de Erasmus em Lisboa "tem sempre aumentado". E os dados das várias faculdades aderentes a este programa de mobilidade estudantil confirmam-no. Entre 2001 e 2007, o número de Erasmus em Lisboa quase triplicou.

Andre sente-se bem com o mix cultural de Lisboa. "Existem muitos estrangeiros, muitos estudantes de Erasmus, ouve-se muitas línguas diferentes na rua". E como mostravam os filmes Residência Espanhola (2002) e Bonecas Russas (2005), do cineasta francês Cédric Klapisch, há poucas coisas mais multiculturais do que uma residência de estudantes Erasmus.

E se não houver regresso?

Desde o início deste programa de mobilidade, em 1987, Portugal é um participante assíduo. Há dez anos, apenas 805 alunos escolheram Lisboa. Actualmente são 2156. E dos 25.413 estudantes que, entre 2000 e 2007, estudaram em Portugal, 9895 fizeram-no na capital portuguesa.

O Bairro Alto é claramente o sítio onde estes estudantes se juntam, assim como tantos outros portugueses e estrangeiros, trabalhadores ou estudantes. Zsuzsa Kollár diz que adora o karaoke do Tejo Bar. Para esta futura psicóloga, ficar em Portugal é uma opção a ser pensada muito seriamente. "Estou a pensar em voltar após a conclusão da minha dissertação", afirma. Com 26 anos, a estudante do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) juntou-se à família de 118 estudantes de Erasmus que já passaram por este estabelecimento de ensino. Proveniente de Budapeste (Hungria), afirma que gostava de trabalhar em Portugal, numa área que a deixasse conviver com pessoas de diferentes culturas. "Espero que abra um curso de mestrado aqui", acrescenta. Para dar asas ao sonho de ficar por Portugal refere ainda que tem de aperfeiçoar o seu português.

Rita Buzinskaité e Vaiva Gaspariunaité frequentam Biotecnologia no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL). "Dois colegas nossos vêm para cá no Verão por causa das nossas recomendações", conta.

Kamila Koncová poderia ser outro exemplo. Kamila é invisual e deixou a República Checa para terminar o seu curso de Estudos Portugueses, com conhecimento de causa. Estudante da Faculdade de Letras, Kamila afirma que os lisboetas são prestáveis. "Querem muito ajudar, mas os serviços são um bocadinho desorganizados para mim". Com 21 anos, é uma dos 547 alunos que a Universidade de Lisboa recebeu este ano lectivo. Vive no Lumiar desde Setembro de 2009 e quer convencer o namorado a vir para Portugal. Pelo menos, uma professora de português já terá, pois Kamila fala português quase na perfeição.

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