O que esperar da nossa gigantesca crise bancária

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fotos: daniel rocha

Neste texto em que misturam a crítica de um livro e a leitura de dois relatórios do FMI, os economistas Paul Krugman e Robin Wells dizem que a história é ambígua sobre as consequências da dívida pública. Não existe um caminho seguro: a dívida tem riscos a longo prazo, mas também há riscos em falhar a engenharia de uma sólida recuperação

Ultimamente, a grande preocupação que tem agitado os mercados financeiros é o medo da falta de pagamentos por parte da Grécia. Os riscos parecem óbvios: a dívida do Governo grego está a níveis que, historicamente, assinalaram graves problemas para nações com rendimentos médios e a dívida continua a crescer rapidamente devido a um imenso défice. Ao mesmo tempo, a Grécia está a sofrer uma grave recessão, em grande parte causada por as suas despesas se terem afastado muito das do resto da Europa. E ainda mais uma coisa: a Grécia tem um longo historial de incumprimento de dívida - na realidade, o país tem estado endividado ao longo de mais de metade da sua História moderna.

Ainda em Setembro de 2009, ninguém parecia estar preocupado. Os credit default swaps da dívida grega - o preço da segurança contra um possível incumprimento do Estado grego - eram bastante baratos: a Grécia podia pedir emprestado com taxas de juro apenas ligeiramente superiores ao desse modelo de rectidão orçamental que é a Alemanha. Por que razão estavam os investidores tão complacentes? A resposta é que quase toda a gente acreditava que os precedentes históricos eram irrelevantes. A Grécia era agora parte da Europa, e, ainda mais importante, desde 2001 fazia parte da zona euro - partilhando uma moeda com os seus vizinhos mais prósperos. E isso mudava tudo. Mas afinal não mudou.

A crise grega surgiu já após a publicação de This Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly [Desta Vez É Diferente: Oito Séculos de Loucura Financeira], por Kenneth Rogoff, professor da Universidade de Harvard, e Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, Estados Unidos, mas é uma dramática ilustração do pensamento que subjaz no seu sarcástico título: quanto mais as coisas mudam no mundo financeiro, mais elas continuam na mesma. A crise da dívida grega em 2010 tem muitas semelhanças com a crise da dívida mexicana de 1827; a inflação no Zimbabwe é apenas o mais recente episódio de uma história de desvalorização de moeda que vai até às cidades-Estado da antiga Grécia; e, tão ou mais importante, a crise imobiliária dos Estados Unidos de 2008 seguiu o argumento de inúmeras crises bancárias do passado, cujo rasto se pode traçar, pelo menos, até à Escócia do século XVIII.

1. Do ponto de vista de um economista, existem dois aspectos fulcrais em This Time Is Different. O primeiro é a imensa quantidade de provas que expõe. Ler Reinhart e Rogoff relembra-nos quantas vezes os economistas escolhem o caminho mais fácil - como tendem tanto a concentrar-se em tempos e locais para os quais existem dados facilmente à disposição, o que basicamente significa a história recente dos Estados Unidos e de umas poucas outras nações ricas. No que toca a crises, isso significa que agem como aquele bêbado que procura as suas chaves por baixo do poste de iluminação, não porque as deixou cair lá, mas sim porque aí existe mais luz: os cerca de 25 anos que antecederam a actual crise foram uma era de relativa acalmia, pelo menos nas economias mais desenvolvidas, pelo que para se perceber o que nos está a acontecer é preciso recuar muito mais. This Time Is Different leva-nos até aos bastidores dos dados económicos, aceitando que números imperfeitos ou fragmentados são o preço a pagar por olhar para um vasto leque de experiências.

O segundo factor distintivo é a ausência de teorias bonitas. Não é que os autores tenham alguma coisa contra modelos matemáticos elaborados. Foundations of International Macroeconomics, o influente livro escrito em 1996 pelo professor Rogoff e Maurice Obstfeld, contém literalmente centenas de equações bastante obscuras. Mas This Time Is Different adopta o método directo, sem rodriguinhos, apenas os factos e nada mais que os factos: antes de começarmos a teorizar, vamos olhar atentamente para aquilo que a história nos conta. Uma vantagem adicional desta abordagem é que este livro consegue ser ao mesmo tempo extremamente útil para os economistas profissionais e acessível para um leitor inteligente mas leigo na matéria.

A abordagem de Reinhart e Rogoff já teve belos resultados, ao conseguir dar sentido aos actuais acontecimentos. Em 2007, numa altura em que os arautos de Wall Street e Washington ainda proclamavam que os problemas do sector imobiliário estavam "controlados", Reinhart e Rogoff fizeram circular um artigo, agora largamente recuperado para o capítulo 13 de This Time Is Different, em que descreviam as consequências de crises financeiras e sugeriam que iríamos enfrentar um prolongado período de desemprego elevado - e assim aconteceu.

Qual é, então, a mensagem de This Time Is Different? Resumindo, é que demasiada dívida é sempre perigosa. É perigoso quando um governo pede muito dinheiro emprestado aos seus próprios cidadãos. É perigoso também, quando o sector privado pede muito emprestado, seja de estrangeiros ou de si próprio - porque os bancos são basicamente instituições que pedem emprestado aos seus depositantes, depois concedem empréstimos a outros, e as crises bancárias estão entre os choques mais devastadores que uma economia pode enfrentar.

Mas, mesmo assim, as pessoas - tanto investidores como responsáveis políticos - tendem a racionalizar estes perigos. Após um qualquer período prolongado de acalmia financeira, ou se esquecem da história ou inventam razões para acreditar que a experiência histórica é irrelevante. Encorajadas por estas racionalizações, as pessoas acumulam cada vez mais dívidas - e ao fazerem isto criam o cenário para uma eventual crise. (Já agora, uma estranha omissão por parte de Reinhart e Rogoff é o facto de não mencionarem o já falecido Hyman Minsky, um economista teórico heterodoxo que defendeu uma opinião semelhante e cuja influência está actualmente a aumentar.)

Uma crise causada por dívida pode tomar uma série de formas diferentes. Existem crises de endividamento estrangeiro, na qual os investidores perdem confiança na capacidade e/ou vontade de os governos cumprirem as suas obrigações financeiras. Existem crises de inflação, que ocorrem quando os governos se viram para a emissão de moeda, seja para pagar as suas contas, seja para deflacionar o valor real das suas dívidas. Existem crises bancárias, nas quais as pessoas perdem a confiança nas promessas do sector privado, que é essencial para uma economia de mercado funcionar plenamente. E todas estas aflições estão muitas vezes associadas a crises cambiais, nas quais a especulação leva a uma acentuada queda do valor de uma moeda face a outras moedas.

Actualmente estamos no meio daquilo a que Reinhart e Rogoff chamam "a segunda grande contracção" - uma gigantesca crise bancária que afecta ambos os lados do Atlântico, com efeitos que acabaram por extravasar para o resto do globo. A primeira grande contracção foi, obviamente, a Grande Depressão da década de 1930. No passado, as crises bancárias muitas vezes conduziram também a crises de dívida externa, pois os colapsos de bancos deprimem a economia, reduzindo as receitas públicas, ao mesmo tempo que muitas vezes exigem grandes despesas para salvar o sistema financeiro. A Grécia poderá ser apenas a primeira de muitas histórias de governos em apuros; de forma mais óbvia, Espanha, Portugal e Itália correm todos algum perigo.

Num aparte, devemos notar que a interpretação que Reinhart e Rogoff fazem da Grande Depressão é, implicitamente, uma crítica a outras interpretações - em especial, a famosa declaração de Milton Friedman de que a Grande Depressão era fundamentalmente um falhanço da política monetária, que poderia ter sido facilmente evitado, se a Fed [Reserva Federal dos Estados Unidos] tivesse evitado uma diminuição na emissão de moeda. Apesar de This Time Is Different não fornecer uma discussão alargada dos acontecimentos que levaram à Grande Depressão, é fácil confirmar através de outras fontes que os últimos anos da década de 1920 se assemelharam muito ao prólogo de outras fortes crises financeiras: uma exuberância irracional nos mercados de valores, uma vaga de dívidas das famílias e um sistema bancário demasiado vasto. Houve até uma bolha do mercado imobiliário na Florida, imortalizada pelos Irmãos Marx no filme The Cocoanuts. "Você pode ter qualquer tipo de casa que quiser. Até pode ter stucco [estuque]. Oh, se pode ter estuque!" Não queremos sugerir que uma melhor política não teria aliviado os problemas, essa é uma questão a que voltaremos mais à frente. Mas a Grande Depressão parece ter sido muito mais o produto de dívida excessiva do sector privado do que o falhanço governamental que a corrente monetarista tornou lendário.

2. Então, estamos a sofrer uma grave crise financeira, no fundamental semelhante às do passado. O que nos diz a história que devemos esperar a seguir? É esse o tema do capítulo 14 do obra de Reinhart e Rogoff, intitulado "Após as crises financeiras". Este capítulo pode ser lido paralelamente a dois estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI) que adoptam a mesma abordagem, publicados como capítulos das edições de Abril e Outubro de 2009 do boletim semestral World Economic Outlook. Os três estudos avançam com um prognóstico sombrio. O pós-crises financeiras tende a ser grave, brutal e prolongado, ou seja, as crises financeiras são normalmente seguidas por recessões profundas, e estas recessões são seguidas de recuperações lentas e frustrantes.

Vejamos, por exemplo, o caso da Suécia, que sofreu uma profunda crise bancária em 1991, no seguimento de uma grande bolha do mercado imobiliário. O Governo sueco tem sido muito louvado pela resposta que deu à crise: estabilizou os mercados ao garantir as dívidas bancárias e restaurou a fé no sistema ao nacionalizar temporariamente os bancos mais vulneráveis, e depois recapitalizando-os. Mas, apesar destas medidas, o desemprego na Suécia subiu dos 3 por cento até quase aos 10 por cento, só começou a descer a partir de 1995, e a recuperação foi lenta e intermitente durante mais alguns anos.

É verdade que têm acontecido algumas recuperações de crises financeiras "de tipo Fénix", para usar um termo introduzido pelo economista Guillermo Calvo, da Universidade de Columbia. Mas tais recuperações, tal como o afastamento da Coreia do Sul da crise asiática de 1997-1998, têm invariavelmente estado associadas a grandes desvalorizações da moeda da nação atingida - a divisa coreana, o won, por exemplo, perdeu mais de metade da sua cotação face ao dólar norte-americano -, seguidas de uma explosão nas exportações, presume-se que devido à maneira como uma moeda fraca tornou as exportações desse país mais competitivas. Nada disso pode agora ser esperado nos Estados Unidos. Para começar, o dólar na realidade valorizou-se com esta crise, à medida que os investidores procuravam o porto mais seguro que conseguiam encontrar. Para além disso, esta crise é global, e não podemos todos sair dela através das nossas exportações - a não ser que consigamos descobrir outro planeta com o qual negociar.

Quanto tempo se vão manter as dificuldades? De acordo com o segundo dos referidos estudos do World Economic Outlook, a resposta, numa primeira análise, é "para sempre": as crises financeiras parecem fazer diminuir não apenas a performance a curto prazo, mas também o crescimento a longo prazo, de forma que mesmo uma década após a crise o produto interno bruto (PIB) efectivo será substancialmente mais baixo do que teria sido noutras circunstâncias.

Ao lermos estes estudos, damos por nós a ponderar em que estariam os economistas da Administração Obama a pensar quando puseram a circular a agora tristemente célebre previsão de que a taxa de desemprego dos Estados Unidos alcançaria um máximo de 8 por cento no terceiro trimestre de 2009. Se tal tivesse acontecido, teria sido uma performance admirável, dado que tanto a taxa de desemprego como a sua duração teriam sido muito menores do que o que é normal nestes casos. De facto, é claro que as coisas se revelaram bastante piores do que a previsão da Administração e estão a evoluir de forma bastante semelhante à norma histórica. Tal como Rogoff nos disse numa conversa, os Estados Unidos estão a sofrer uma "crise financeira gravemente normal".

3. A história diz-nos que os próximos anos serão difíceis. Mas pode-se fazer alguma coisa para melhorar esta situação? Infelizmente, This Time Is Different não diz muito sobre esta matéria.

Em parte, isso pode reflectir os limites da abordagem baseada na história mas relutante face à teoria. Em partes muito significativas, a abordagem de Reinhart e Rogoff assemelha-se à de Wesley Mitchell, que fundou a National Bureau of Economic Research em 1920. Sob a direcção de Mitchell, a agência centrou-se em estudos quantitativos de ciclos de negócios, pesquisando apenas o que acontece durante fases de grande crescimento e de grande retracção; desde então e até hoje, a organização é responsável por datar oficialmente os inícios e os finais das recessões. É um trabalho valioso - mas oferece poucas indicações para a definição de políticas: pode dizer o que habitualmente acontece, mas não como alterar os resultados. Foi apenas quando John Maynard Keynes elaborou uma explicação teórica de como as economias acabaram por ficar persistentemente deprimidas - uma explicação que foi marcada pela experiência histórica, mas que foi mais além de uma simples descrição de padrões do passado - que os economistas puderam dar conselhos úteis aos políticos acerca de como combater uma depressão.

Dito isto, a história pode fornecer algumas provas de até que ponto as políticas keynesianas funcionam como se diz. Como já referimos, Reinhart e Rogoff não tratam esta questão, mas outros fizeram-no. Assim, o FMI, olhando para um limitado número de experiências (apenas estuda países desenvolvidos a partir de 1960), encontra provas de que aumentar o investimento público face a uma crise financeira diminui a quebra que se segue - mas também encontra (poucas) provas de que tais políticas podem ter efeitos contrários ao desejado, quando os governos têm já um elevado nível de dívida, e isto é uma questão a que regressaremos. Curiosamente, o FMI também descobre que as políticas monetárias, normalmente a ferramenta escolhida para combater a recessão, não parecem ser eficazes no rasto de crises financeiras, talvez porque os fundos não circulam facilmente através de um sistema bancário afectado.

Têm surgido trabalhos ainda mais interessantes dos economistas-historiadores Barry Eichengreen, da Universidade de Berkeley, e Kevin O"Rourke, do Trinity College de Dublin, que em conjunto elaboraram dois estudos imensamente influentes explorando as semelhanças entre a actual crise e a Grande Depressão. No primeiro destes estudos, mostraram que de um ponto de vista global este primeiro ano de crise foi tão mau quanto na Grande Depressão: a produção industrial mundial caiu tão significativamente, os mercados financeiros mundiais foram até talvez mais afectados, e por aí adiante. Tudo isto sugere que a crise no sistema foi tão grande como agora.

Mas, em sucessivas actualizações desses artigos, eles têm mostrado que os actuais acontecimentos estão cada vez mais a divergir dos registos históricos, com o mundo a experimentar uma recuperação que poderá desiludir, mas que é de longe melhor do que a contínua espiral descendente entre 1929 e 1933. A diferença óbvia é política: em vez de copiarem a dura austeridade dos decisores políticos de há três gerações, que cortaram no consumo, num esforço para equilibrar orçamentos e subir as taxas de juro para preservar o padrão-ouro, os líderes de hoje têm-se mostrado receptivos a aumentar défices e injectar fundos na economia. O resultado, argumenta-se, tem sido um desastre muito menor.

Um teste ainda melhor vem com a comparação de experiências ocorridas durante a década de 1930. Nesse tempo, ninguém seguia as políticas keynesianas deliberadamente - ao contrário do que se afirma, o New Deal foi muito cauteloso acerca dos gastos com o défice até ao início da Segunda Guerra Mundial. No entanto, houve alguns países que aumentaram drasticamente a despesa militar ainda antes da guerra, fornecendo de facto estímulos keynesianos como um derivado acidental. Estes países saíram da Grande Depressão mais depressa do que os seus vizinhos menos agressivos? Sim, saíram. Por exemplo, o aumento de gastos militares associados à invasão da Abissínia pela Itália foi seguido de um rápido crescimento da economia italiana e de um regresso ao emprego pleno.

Dado que as condições da década de 1930 se parecem em aspectos muito relevantes com as de agora - como Eichengreen e os seus colegas escrevem, agora, tal como então, vivemos "num ambiente de taxas de juro quase a zero, sistemas bancários disfuncionais e uma elevada aversão ao risco" -, isso parece sugerir que o caminho a tomar será gastar livremente em estímulos e pagá-los mais tarde. Mas fazer isso significa gerir elevados défices orçamentais e aumentar níveis de dívida que são já historicamente altos em muitos países. Quão perigoso é fazer isso?

Grande parte de This Time Is Different é dedicada às crises de dívida pública, nas quais os governos perdem a confiança de quem empresta, não são capazes de honrar a sua dívida e não pagam, ou apostam na inflação, ou ambos. Implicitamente, então, este livro alerta-nos contra tomar por adquirido que as nações se podem safar com défices maiores. Por outro lado, historicamente, os países desenvolvidos têm sido capazes de se endividarem fortemente sem criar uma crise. A dívida do Reino Unido, por exemplo, foi maior do que o PIB durante quatro décadas, desde a Primeira Guerra Mundial até aos anos 50, mas o crédito do país manteve-se bom. O Japão tem gerido grandes défices orçamentais ao longo de quase 20 anos, mas mesmo assim consegue pedir emprestado a longo prazo com juros muito baixos.

Então, devemos ficar aliviados ou preocupados com os registos históricos? Uma razão para nos preocuparmos é que os países desenvolvidos actualmente podem não ser tão dignos de crédito como já o foram. Reinhart e Rogoff escrevem acerca da "intolerância à dívida" em nações que sofrem de "estruturas institucionais fracas e um sistema político problemático"; será que tal descrição não se poderia aplicar hoje aos Estados Unidos?

Em trabalhos posteriores a This Time Is Different, Reinhart e Rogoff têm argumentado que, mesmo entre os países desenvolvidos que não têm tido crises de dívida, o crescimento económico tem historicamente sido menor, quando a dívida pública excede os 90 por cento do PIB - um limite que os Estados Unidos poderão ultrapassar dentro de poucos anos. Este dado tem sido muito citado pelos "falcões" do défice.

No entanto, um olhar mais atento para os dados sugere que neste caso a correlação poderá não implicar causalidade. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, os anos de elevada dívida foram todos no período imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial. Durante esse período o PIB real dos Estados Unidos efectivamente diminuiu - mas não por causa da dívida. Em vez disso, o PIB caiu devido à desmobilização do pós-guerra, enquanto as mulheres que trabalhavam nas fábricas durante o conflito se tornavam donas de casa suburbanas. No caso do Japão, todos os anos de elevada dívida foram depois da crise financeira do início dos anos 90, da qual o Japão nunca recuperou totalmente, por isso podemos argumentar que a dívida é consequência de um crescimento lento e não tanto o contrário.

A verdade é que os registos históricos das consequências da dívida pública são suficientemente ambíguos para admitir diferentes interpretações. Nós lemos as provas como um apoio a uma política de estimular agora para pagar depois: gastar muito para promover o emprego durante a crise, mas tomar medidas para cortar os gastos e aumentar as receitas assim que a crise tiver passado. Outros vão vê-las de forma diferente. O principal facto a reter será, talvez, que não existe um caminho seguro: a dívida tem riscos a longo prazo, mas também tem falhar a engenharia de uma recuperação sólida.

A investigação do FMI sugere que o custo a longo prazo de crises financeiras é menor quando os países respondem com fortes políticas de estímulos, o que significa que com um falhanço aí se arrisca a prejudicar não apenas este ano mas também os que se seguem.

4. Claramente, a melhor maneira de lidar com crises de dívida é não as ter. Existe alguma coisa nos registos históricos que indique que podemos fazer isso? Reinhart e Rogoff não tratam directamente desta questão, mas o capítulo 16 de This Time Is Different, que dá uma visão geral dos altos e baixos de crises ao longo do século XX, é sugestivo. O que os dados mostram é uma dramática queda na frequência de crises de todos os tipos após a Segunda Guerra Mundial, depois uma tendência de aumento irregular após 1980, com uma série de crises regionais na América Latina, Europa e Ásia, culminando finalmente na crise global de 2008-2009.

O que mudou desde a Segunda Guerra Mundial, e o que fez regressar ao que era antes? A resposta óbvia é regulação. Pelo final dos anos 40, as mais importantes economias tinham regulamentado muito firmemente os sistemas bancários, prevenindo novas ocorrências de antigas crises bancárias. Ao mesmo tempo, extensas limitações aos movimentos internacionais de capital tornaram difícil às nações criar as grandes dívidas internacionais que antes tinham levado a frequentes incumprimentos de pagamentos. (Estas restrições tomaram diversas formas, incluindo limitações à compra de apólices de segurança estrangeiras e limites à aquisição de moeda estrangeira para finalidades de investimento; mesmo nações desenvolvidas como a França e a Itália mantiveram estas restrições até aos anos 80.) Basicamente, era um mundo regulado que podia pôr limites à iniciativa, mas que também tinha pouco espaço para irresponsabilidade em larga escala.

Mas à medida que as memórias dos anos 30 se desvaneceram, estas restrições começaram a ser levantadas. Empréstimos internacionais privados foram recuperados na década de 70, tornando possível, primeiro, a crise de endividamento da América Latina dos anos 80, e depois a crise asiática da década de 90. A regulação bancária foi afrouxada, permitindo o descalabro de poupanças e empréstimos de meados dos anos 80 nos EUA, a crise bancária sueca do início da década de 90, e por aí fora. No começo do século XXI, o rápido crescimento dos "bancos-sombra" - instituições como o Lehman Brothers que não aceitavam depósitos e como tal não eram afectadas pelas tradicionais regulações bancárias, mas que em termos económicos estavam a desempenhar funções bancárias - tinha recriado um sistema financeiro que era tão vulnerável ao pânico e a crises como o sistema bancário de 1930.

Enquanto isto acontecia, os defensores de uma menor regulação proclamavam as virtudes de um sistema mais aberto. De facto, havia vantagens reais em relaxar o controlo: sem dúvida, algumas pessoas, alguns negócios e alguns governos que não teriam acesso a crédito tiveram-no, e alguns usaram bem esse crédito. Mas outros atingiram perigosos níveis de endividamento. E o velho ciclo de dívida, crise e incumprimento de pagamento regressou.

Por que razão não houve mais pessoas a ver o que ia acontecer? Uma resposta, claro, está no título da obra de Reinhart e Rogoff. Havia diferenças superficiais entre a dívida agora e a dívida de há três gerações: instrumentos financeiros mais elaborados, técnicas de definição de taxas que pareciam ser mais sofisticadas, uma aparente maior divisão dos riscos (o que se provou ser uma ilusão). Assim, executivos financeiros, responsáveis políticos e muitos economistas convenceram-se de que as velhas regras não se aplicavam.

Também não devemos esquecer que algumas pessoas estavam a ganhar muito dinheiro com o crescimento explosivo, tanto da dívida como da indústria financeira, e o dinheiro fala mais alto. Os dois grandes centros financeiros mundiais, em Nova Iorque e Londres, tinham uma grande influência sobre os respectivos governos, independentemente da sua cor política. A Administração Clinton nos Estados Unidos e o Governo trabalhista no Reino Unido sucumbiram de igual modo ao canto de sereia da inovação financeira - e foram espicaçados em parte pela competição entre os dois grandes centros, porque os políticos eram facilmente convencidos de que possuir uma grande indústria financeira era uma coisa maravilhosa. Só quando a crise estalou se tornou claro que o crescimento de Wall Street e da City na realidade expunha as suas nações a riscos especiais, e que nações que tinham fugido do glamour da alta finança, como o Canadá, também tinham escapado ao pior da crise.

Agora que as múltiplas bolhas rebentaram, temos obviamente fortes razões para regressar a uma regulação muito mais estrita. Mas não é de todo claro que isso vá realmente acontecer. Para começar, a ideologia utilizada para justificar o desmantelamento da regulação tem provado ser espantosamente resistente. É agora uma declaração de fé da direita, impermeável a provas em contrário, que a crise não foi causada por excessos do sector privado, mas sim por políticos liberais que forçaram bancos a conceder empréstimos a pobres que não os mereciam. Líderes menos sectários ainda continuam a perorar sobre a possibilidade de a regulação poder dificultar a inovação financeira, apesar de ser muito difícil encontrar exemplos de que tal inovação tenha sido claramente benéfica (e as caixas de Multibanco aqui não contam).

Igualmente importante, o poder político da indústria financeira não desapareceu. Os bancos têm montado uma feroz campanha contra o que muitos esperavam ser uma proposta de reforma aprovada facilmente, a criação de uma nova agência para proteger os consumidores de produtos financeiros. Apesar da regularidade com que surgem as revelações escandalosas - mais recentemente, a descoberta de que o Goldman Sachs ajudou a Grécia a falsificar as suas contas, enquanto o Lehman falsificou as suas próprias -, muitos executivos financeiros de topo continuam a ter fácil acesso aos corredores do poder. E como muitos já fizeram notar, os principais responsáveis pela área económica e financeira de Obama são homens muito ligados à desregulação e triunfalismo financeiro da era Clinton; podem ter revisto os seus pontos de vista, mas a continuidade é notória.

Nesse sentido, desta vez há realmente algo diferente: enquanto a primeira grande crise financeira global foi seguida de profundas reformas, não é certo que algo comparável vá acontecer após a segunda. E a história diz-nos o que irá acontecer, se essas reformas não forem efectivadas. Irá haver um recrudescimento da loucura financeira, que floresce sempre que lhe dão uma hipótese. E a consequência dessa loucura será ainda mais crises, e possivelmente piores crises, nos anos que se aproximam. Exclusivo PÚBLICO/The New York Review of Books

This Time is Different: Eight Centuries of Financial Folly, de Carmen M. Reinhart e Kenneth S. Rogoff; 463 páginas, Princeton University Press

World Economic Outlook, April 2009: Crisis and Recovery, Relatório do Fundo Monetário Internacional; 228 páginas

World Economic Outlook, October 2009: Sustaining and Recovery, Relatório do Fundo Monetário Internacional; 208 páginas

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