Jovens "talentos" com o apelido certo

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Seif al-Islam Kadhafi, filho do líder líbio Muammar Kadhafi MAHMUD TURKIA/AFP

Apresentar o telejornal nacional aos 16 anos? Gerir um orçamento de mais de mil milhões de euros aos 23? Ser ministro num país onde quase não vive? Os pais, presidentes da República, acharam que sim, que os seus filhos estavam à altura do desafio

Zarrina Rakhmonova é um talento precoce. Ela apresenta o bloco de notícias da televisão do Tajiquistão e as más-línguas dizem que esse posto só lhe pertence por ser filha do Presidente desta ex-república soviética. Reforçam a ideia com a constatação de que quase toda a descendência de Emomali Rakhmonov está colocada em bons e importantes empregos em cargos e instituições de relevo do Tajiquistão. Mas Zarrina bate todos. Porque só tem 16 anos.

A arte de enfrentar as câmaras de televisão em directo é um desafio muito exigente - um estudo científico concluiu que o ritmo cardíaco de um pivô aumenta brutalmente quando se acende a luzinha vermelha do directo e a dimensão do fenómeno só tem comparação com a descarga de adrenalina dos cirurgiões quando aplicam o bisturi no início de uma intervenção cirúrgica. Percebe-se, portanto, que Zarrina tem um trabalho exigente. Talvez demasiado exigente para uma teenager, mas a televisão do Tajiquistão lá sabe...

Ou não. A televisão tajique é tutelada pelo Estado. A definição de nepotismo na Wikipedia diz que é "o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos". Em português europeu resumimos, genericamente, a coisa com o termo "cunha". Meter uma cunha é algo que se faz num cenário de discrição. Mas quando a cunha vem muito de cima às vezes dá nas vistas...

O caso português mais célebre, pelas suas consequências, terá acontecido em 2003, quando se divulgou que o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Martins da Cruz, teria movido influências para que a sua filha ingressasse no curso de Medicina. O ministro negou, mas acabou por se demitir e o mesmo sucedeu com o alegado destinatário dos seus pedidos, o ministro da Ciência e do Ensino Superior, Pedro Lynce.

Neste caso, embora as implicações políticas fossem nulas, a reacção da opinião pública não deixou espaço de manobra aos principais protagonistas. Mas em regimes pouco ou nada democráticos não há obstáculos à ascensão meteórica de jovens "talentos" com o apelido certo.

Filhos famosos

Recentemente, o jornal espanhol El Mundo recolheu uma série de exemplos envolvendo vários nomes sonantes da política internacional. Teodoro Nguema Obiang, por exemplo, é filho do Presidente da Guiné Equatorial, país que recentemente solicitou a adesão à comunidade lusófona. O pai, Teodoro Obiang Nguema Mbasojo, governa desde 1979 e, apesar de o seu país ser dos mais pobres do mundo, aparece na revista Forbes como o oitavo governante mais rico do planeta. O filho, Teodorín, como é popularmente conhecido, vai pelo mesmo caminho.

Oficialmente, é ministro da Agricultura e Florestas, mas toda a gente o vê como sucessor do pai na presidência. A sua influência interna mede-se, entre outras coisas, pelo facto de ser dono da estação oficial de rádio do país e director da televisão estatal. Apesar de tantos cargos, a sua vida decorre longe de África, em cidades como Londres, Paris, Rio de Janeiro ou Malibu, e o seu nome tornou-se conhecido como um dos grandes playboys do planeta, apreciador de festas e carros desportivos. Tem 42 anos.

Outro filho famoso e com passadeira vermelha estendida até ao topo é Seif al-Islam Kadhafi, filho do líder líbio Muammar Kadhafi. Mas este arquitecto de 38 anos, fortemente estabelecido no cenário empresarial do país dominado pelo seu pai desde 1969, garante não ter ambições políticas e anunciou mesmo que as suas intervenções como mediador em diversas questões quentes da actualidade internacional são já coisa do passado.

Em 2002, o Presidente do Egipto, Hosni Mubarak, nomeou um novo secretário-geral do comité político do Partido Nacional Democrático, um cargo visto como trampolim para os mais altos voos da política nacional. O nomeado foi Gamal Mubarak, o mais novo (46 anos) dos dois filhos do líder egípcio. E já foi ele a influenciar directamente a constituição do Governo formado em 2004, de tal forma que a equipa liderada pelo primeiro-ministro, Ahmed Nazif , ficou conhecida como "Governo Gamal". No próximo ano haverá eleições presidenciais...

Para um europeu é fácil ouvir estas histórias e associar as tentações de nepotismo a regimes totalitários ou fortemente dominados por uma figura tutelar. Nas democracias isto não acontece. Será assim?

O exemplo mais recente vem de França, quando o Presidente, Nicolas Sarkozy, enfrentou a repulsa da opinião pública perante as notícias de que o seu filho Jean, de 23 anos, estava indicado para liderar a poderosa agência pública (EPAD) encarregada de La Défense, em Paris, organismo que gere um orçamento anual de mais de mil milhões de euros.

Jean, que um dia há-de ser advogado (apesar de ter chumbado o primeiro ano de Direito da Sorbonne e estar a repetir o segundo), teve uma carreira meteórica dentro da UMP, o partido de direita liderado pelo pai, mas a pressão popular acabou por bloquear a sua nomeação para o cargo.

Independentemente do que se possa pensar sobre este caso específico, parecem não restar dúvidas de que, como um dia disse Winston Churchill, "a democracia é a pior forma de governo, à excepção de todas as outras que foram tentadas".

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