João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, circular é preciso

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Cúmplices de longa data - Guerrada Mata colaborouem todos os filmes de Rodrigues, este é o segundo filme que assinam em conjunto depois da curta "China China" PEDRO CUNHA

O desafio de "Alvorada Vermelha" acaba por ser o mesmo que o cinema feito em Portugal enfrenta. "As pessoas têm de mudar as expectativas que têm. As coisas têm de virar." Mesmo que sejam precisos os festivais estrangeiros para ajudar. Jorge Mourinha

Alvorada Vermelha

Festival de Locarno

até dia 13

Viennale, Viena

de 20 de Outubro a 2 de Novembro

CPH:DOC, Copenhaga

3 a 13 de Novembro

"Gosto que as pessoas vejam os filmes. Não faz sentido que sejam feitos para não ser vistos."

João Rui Guerra da Mata não está a falar apenas dos seus filmes; está a falar de todo o cinema que se faz hoje em Portugal (mais do que "cinema português, porque é como o rock português: não existe, não há um único, há muitos cinemas portugueses"). E do facto de, "para o cinema feito em Portugal ser visto cá, precisar dos festivais estrangeiros". "É uma história que se repete", diz a seu lado João Pedro Rodrigues. "Por exemplo, os melhores filmes do Manoel de Oliveira, que para mim são os anteriores aos anos 1990, foram completamente ignorados cá dentro até serem reconhecidos lá fora. Mas a atitude está a virar."

Rodrigues conta que os jovens com quem rodou há pouco a curta "Manhã de Santo António" não conheciam os seus filmes anteriores, "mas foram à internet e conseguiram descarregá-los. De certo modo, é bestial; quer dizer que há interesse das pessoas, que os querem partilhar... O importante é que os filmes circulem. São para ser vistos, não para ficarem guardados."

Cúmplices de longa data - Guerra da Mata colaborou em todos os filmes de Rodrigues, este é o segundo filme que assinam em conjunto depois da curta "China China" -, os dois encontraram-se com o Ípsilon antes de partir para o festival de Locarno, onde acompanharam "Alvorada Vermelha", curta documental a meias sobre o gigantesco Mercado Vermelho de Macau, a uma das secções paralelas do certame suíço. É o arranque de uma carreira internacional que já tem uma série de paragens em festivais anunciadas para a "rentrée" (confirmados estão a Viennale austríaca e o CPH:DOC de Copenhaga), depois de ter ganho melhor curta nacional no IndieLisboa 2011 e de ter passado pelo Curtas Vila do Conde.

João Pedro já está habituado a essas viagens - as suas três longas ("O Fantasma", "Odete" e "Morrer como um Homem") tiveram distribuição (e aclamação) internacional. João Rui Guerra da Mata anui: é importante viajar com os filmes, fazer um "serviço pós-venda" que os faça existir para lá do seu território de origem, "haver uma conversa global que saia para lá da nossa rua".

Paradoxalmente, a "nossa rua", em "Alvorada Vermelha", é Macau. Guerra da Mata viveu lá em miúdo. "Foi um período da minha vida que me marcou muito". São as suas memórias que estão na origem de "A Última Vez que Vi Macau", documentário de longa-metragem que a dupla prepara actualmente, com 150 horas de material filmado a aguardar montagem - onde o Mercado Vermelho deveria ser uma "âncora" geográfica, a par (por exemplo) do filme de 1952 de Josef von Sternberg "Macau" ("num dos primeiros planos aparece a casa onde o João Rui viveu!").

A transformação dessa âncora numa curta autónoma nasceu da compreensão, segundo Guerra da Mata, "que o Mercado ia ser apenas um momento dentro da longa e eu achar que aquilo merecia mais". "Alvorada Vermelha" observa o mercado como uma espécie de "teatro" onde se repetem gestos quase rituais da relação dos homens com a comida (e com a vida e a morte), pisca repetidamente o olho a "Macau" através da sua dedicatória à sua vedeta Jane Russell (falecida durante a rodagem) e de uma série de referências "que se vão perceber melhor no outro filme". Invocamos Jia Zhang-ke, um dos mestres asiáticos de quem João Pedro Rodrigues é admirador, conhecido pelo desdobramento das suas longas em curtas-satélite. Mas é prematuro: "A Última Vez que Vi Macau" "não tem ainda uma forma definida", mesmo que no papel a ideia seja construir "uma correspondência entre a vida do João Rui em Macau e a Macau de agora".

O desafio (ganho) de "Alvorada Vermelha" - "como é que se consegue mostrar aquele mercado sem se cair no exotismo?" - acaba por ser o mesmo que o cinema feito em Portugal enfrenta. "As pessoas têm de mudar as expectativas que têm. As coisas têm de virar." Mesmo que sejam precisos os festivais estrangeiros para ajudar.

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