Gays no desporto? Não perguntes, não digas

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O nadador australiano Matthew Mitcham, que participa nos Jogos de Londres, declarou ser gay em 2008, em vésperas de ir para as Olimpíadas de Pequim JASON REED/REUTERS

Em Portugal não há um único desportista profissional que se assuma como gay ou transexual. Benfica, Sporting e FC Porto recusam-se a falar sobre o tema. E o Comité Olímpico entende que não é preciso adoptar qualquer política para defender os direitos das minorias sexuais. Na semana em que se iniciaram os Jogos Olímpicos de Londres, um retrato da homofobia e da transfobia no desporto de alta competição

Conheceu algum futebolista português que seja homossexual? "Não", responde Joaquim Evangelista, presidente da direcção do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF). Que leitura faz a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) do facto de não haver gays assumidos no campeonato nacional? "A Federação não pode pronunciar-se sem conhecimento de situações em concreto", diz Sebastião Lobo, director de marketing e imagem da FPF. Há algum atleta olímpico português homossexual ou transexual? "Não tenho qualquer informação nesse sentido", informa Vicente de Moura, presidente do Comité Olímpico Português (COP).

Quando o tema é homossexualidade e transexualidade no desporto, torna-se difícil obter dados. E não apenas em Portugal. A BBC Radio 5 pediu a 20 treinadores de clubes de futebol da primeira divisão britânica que respondessem por escrito a três perguntas sobre homofobia. Estávamos em 2005. "Não obtivemos uma única resposta", lê-se no site da BBC.

Nas últimas semanas, a revista 2 pediu aos assessores de imprensa do Sport Lisboa e Benfica, do Sporting Clube de Portugal e do Futebol Clube do Porto - considerados os "três grandes" do futebol português - entrevistas pessoais, telefónicas ou por correio electrónico com os respectivos treinadores de futebol acerca deste tema. "De momento, não é possível", respondeu Ricardo Maia em nome do Benfica. "Não estamos a realizar qualquer tipo de entrevista", justificou Rita Matos pelo Sporting. "Treinador e jogadores só falam sobre os jogos", disse Diana Fontes pelo FC Porto.

John Amaechi, antigo jogador da NBA (campeonato americano de basquetebol), não tem dúvidas: "A homossexualidade continua a ser um tabu no mundo do desporto." Amaechi assumiu-se como homossexual em 2007 através da autobiografia Man in the Middle, três anos depois de abandonar a carreira. É o único ex-jogador da NBA fora do armário. Em conversa com a 2, diz que qualquer mudança nesta área "só pode partir" dos clubes e das federações nacionais e internacionais. "A sociedade está a empurrá-los nesse sentido e os líderes desportivos até já se preocupam em dizer as palavras certas. Mas os clubes são estruturas sem nenhuma razão objectiva, neste momento, para mudar de comportamento. Os adeptos não deixam de ir aos jogos só porque um treinador é homofóbico."

Tudo indica que o tema é invisível porque ninguém o quer trazer para a luz do dia. Independentemente da modalidade, do campeonato ou do país, parece vigorar na alta competição uma regra não-escrita como a que se aplicava até ao ano passado aos homossexuais nas Forças Armadas dos EUA: "Don"t ask, don"t tell." Nada se pergunta e nada se diz. Os dirigentes desportivos são apontados como os principais responsáveis pela situação e os desportistas têm medo de prejudicar a carreira. Apesar de tudo, há sinais de abertura vindos do desporto amador: há equipas constituídas maioritariamente por homossexuais que participam em campeonatos próprios.

O presidente do COP admite, por email, que este "possa ser considerado um tema tabu, não apenas na vida desportiva mas em várias áreas de actividade". No entanto, da parte do COP, "não existe nem está prevista a adopção de nenhuma política" sobre homofobia e transfobia no desporto. "Não temos uma política específica para estes casos, como não temos para discriminação religiosa, racial, política ou outra. Um dos princípios do olimpismo é a defesa da igualdade entre todos e faz parte da nossa missão difundir os valores do olimpismo", diz Vicente de Moura.

Em rigor, o COP deveria ter uma política antidiscriminação. Por um lado, o presidente do COP assinou com o Instituto Português do Desporto e Juventude um "contrato-programa de desenvolvimento desportivo", publicado no Diário da República de 30 de Maio, que prevê a transferência de 500 mil euros dos cofres do Estado para a Missão Portuguesa aos Jogos Olímpicos de 2012, e em cuja cláusula oitava se estabelece, sem outros detalhes, que "o não cumprimento pelo comité da legislação relativa ao combate a todas as formas de discriminação implica a suspensão e, se necessário, o cancelamento das comparticipações financeiras concedidas". Por outro lado, existe uma recomendação do Conselho da Europa de 25 de Novembro de 2003 que, entre outras coisas, pede às organizações desportivas europeias que "lancem campanhas activas contra a homofobia no desporto e alarguem o âmbito das campanhas já existentes contra a xenofobia de forma a incluir a homofobia". Questionado sobre esta recomendação, Vicente de Moura sustenta: "A promoção de políticas de comunicação é algo que poderemos activar a qualquer momento caso sintamos práticas discriminatórias de qualquer espécie."

Em Portugal não há e nunca houve qualquer atleta homossexual ou transexual assumido. "Em mais de 40 anos de actividade jornalística, não conheci jogadores homossexuais", afirma o jornalista David Borges, que foi fundador e director de informação da TSF e apresentou na SIC programas desportivos como Os Donos da Bola ou O Dia Seguinte. "Apenas conheci dois jornalistas desportivos homossexuais, suponho que alguns atletas temam arruinar a reputação e a carreira" pelo facto de se assumirem, acrescenta. Será resultado da pressão dos clubes, dos adeptos, dos patrocinadores ou dos próprios atletas sobre si mesmos? "Suponho que são os próprios atletas a condicionarem-se", observa David Borges, apontando uma quota-parte de responsabilidade dos clubes: "Face ao conhecimento de algum caso, admito que exista algum tipo de pressão inibidora por parte da entidade ao serviço da qual o atleta funciona."

O único caso parece ser o de Mário de Araújo Cabral, conhecido pelo diminutivo Nicha Cabral, o primeiro português na Fórmula 1, no fim dos anos 50. Fez saber que é homossexual através do livro 3.º Sexo, da jornalista Raquel Lito, publicado em 2009. Há 12 anos correu o boato de que José Calado, à época capitão de equipa do Benfica, manteria uma relação com Fernando Melão, cantor dos Excesso. O assunto terá surgido nos jornais. A 2 de Outubro de 2000, durante um jogo entre o Benfica e o Sporting de Braga, adeptos benfiquistas usaram insultos homofóbicos contra José Calado, o que o fez não querer jogar a segunda parte do desafio e resultou num processo disciplinar que lhe foi movido pelo clube. "A saída do Benfica indirectamente talvez tenha tido um pouco a ver com isso", disse Calado ao Diário de Notícias, cinco anos depois. O futebolista transferiu-se para o Betis de Sevilha e acabou a carreira em 2010 no AEP Paphos, clube cipriota da primeira divisão.

A revista 2 pediu uma entrevista pessoal, ou um depoimento por escrito, a vários desportistas portugueses do futebol e do atletismo, independentemente da sua orientação sexual. Alguns agentes não responderam, outros arrastaram a resposta durante semanas até que deixaram de atender o telefone. Outros, ainda, disseram que os seus atletas "não têm interesse em falar sobre o tema".

Joaquim Evangelista, presidente do SJPF desde 2004, aceitou falar pessoalmente. A homossexualidade, diz, "nunca foi um tema em cima da mesa, enquanto as questões da violência e do racismo no desporto se colocam de forma recorrente porque há casos concretos". Daí que o sindicato onde estão inscritos "cerca de 80% dos futebolistas profissionais a jogar em Portugal" nunca tenha tomado posição ou iniciado campanhas específicas sobre a discriminação com base na orientação sexual (homossexuais) ou na identidade de género (transexuais) - embora participe desde há nove anos na organização da Semana Contra o Racismo e a Violência no Desporto. "Como o assunto da homofobia ainda não ganhou relevância em Portugal, e não é um problema visível, ainda não actuámos", completa Joaquim Evangelista, confessando "nunca ter sido procurado" por futebolistas para conversas sobre este assunto.

A não assunção poderá ser interpretada como evidência de discriminação frequente, pois dificilmente se pode acreditar que não há atletas homossexuais ou transexuais em Portugal.

Sharon Wheeler, jornalista desportiva desde 1987 e professora na Universidade de Portsmouth, no Sul de Inglaterra, entende que a homofobia no desporto "reflecte, de certa forma, o que se passa na sociedade em geral". Ainda assim, "há aspectos particulares do mundo desportivo, relacionados com a masculinidade e os estereótipos: prevalece a ideia de que o atleta perfeito deve ser musculado, forte e agressivo, o que é imediatamente conotado com a heterossexualidade. O homem heterossexual é uma ideologia dominante no desporto, o que cria problemas a gays, lésbicas e até a mulheres heterossexuais".

No mesmo sentido vai a opinião da eurodeputada austríaca Ulrike Lunacek. "As actividades desportivas organizam-se em torno de divisões rígidas entre os sexos, razão pela qual a "heteronormatividade" está tão enraizada nesta área." Lésbica assumida, eleita pelo Grupo dos Verdes, Ulrike Lunacek faz parte da Comissão dos Assuntos Externos e é co-presidente do Intergrupo LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero) do Parlamento Europeu. "Há a ideia de que a assunção de gays e lésbicas no desporto pode prejudicar a imagem e a carreira dos atletas ou até a imagem da modalidade que praticam", comenta. "A presença de homens gay no desporto põe em causa os estereótipos masculinos, porque alegadamente os homens gay são efeminados, logo, não são homens a sério e os desportos masculinos exigem homens a sério. Com as lésbicas passa-se quase o mesmo, com uma diferença: muitas mulheres que praticam desporto têm de lutar contra a ideia de que são lésbicas, porque o estereótipo diz que as mulheres são fracas: se praticam desporto e se se mostram fortes, é porque não são mulheres a sério, logo, só podem homossexuais."

No caso da transexualidade, a discriminação aparenta ter origem em questões mais práticas, diz a eurodeputada. "As pessoas transexuais são muitas vezes excluídas de participar em competições desportivas porque transcendem as definições rígidas de género utilizadas no desporto. Em especial, as transexuais homem-para-mulher são rejeitadas pelas suas colegas femininas e pelas associações desportivas porque se entende que o seu passado como homens, prévio à mudança de sexo, faz delas atletas mais fortes e rápidas do que as outras."

Em anos recentes, o caso mais mediático foi o da corredora de meio-fundo da África do Sul Caster Semenya - que participa nos Jogos Olímpicos de Londres e tem sido treinada nos últimos meses pela antiga campeã olímpica moçambicana Maria Mutola. Em Agosto de 2009, com 18 anos, Caster Semenya ganhou a medalha de ouro nos 800 metros dos Mundiais de Atletismo de Berlim. Pouco depois, a Federação Internacional de Atletismo (IAAF), autoridade mundial da modalidade, anunciou que a atleta seria sujeita a exames médicos para determinar se biologicamente era homem ou mulher. Esteve afastada até Julho de 2010, altura em que a autorizaram a regressar às competições femininas. Especula-se que a atleta seja intersexual (hermafrodita), o que a colocaria na categoria mais abrangente de pessoa transgénero, e não transexual, mas a federação não divulga em público o resultado dos exames.

A presença visível de minorias sexuais no desporto profissional começou com mais força nas últimas décadas do século XX, o que praticamente coincide com o início do movimento organizado de defesa dos direitos dos homossexuais, em 1969 nos EUA. O norte-americano David Kopay, jogador de futebol americano, assumiu-se em 1975 e é hoje considerado o primeiro atleta no activo a tê-lo feito. A tenista de origem checoslovaca Martina Navratilova também foi pioneira: saiu do armário em 1981. Em 1990 assumiu-se Justin Fashanu, até hoje o único futebolista britânico consabidamente gay. Fashanu jogou em clubes da primeira divisão como o Manchester City ou o Southampton, mas a sua vida acabaria em tragédia. Já retirado, em 1998, foi acusado de assédio sexual de um menor nos EUA. Semanas depois, suicidou-se.

A lista de desportistas gays e lésbicas cresceu rapidamente nos últimos anos e os novos exemplos parecem pacíficos. O nadador australiano Matthew Mitcham, de 24 anos, que participa nos Jogos de Londres, declarou ser gay em 2008, em vésperas de ir para os Jogos de Pequim. O jogador britânico de râguebi Gareth Thomas assumiu-se em 2009, um ano antes de se retirar. E o nadador Mark Tewksbury, medalha de ouro nos Jogos de Barcelona em 1992, assumiu-se em 1998 e neste momento é o chefe da missão canadiana aos Jogos de Londres.

Até mesmo os desportistas heterossexuais começam a aparecer em defesa dos direitos LGBT, ou pelo menos assim tem sido entendida a sua aparição em capas de revistas gay. Olivier Giroud deixou-se fotografar seminu para a Têtu de Maio último. Jogava então no Montpellier e semanas depois daquela capa assinou pelo Arsenal. Já o belga Carl Hoefkens, capitão de equipa do Bruges, aparece em tronco nu na revista Inch de Julho. E, há dias, o judoca João Pina foi fotografado para a edição de Julho da Qüir, revista gay portuguesa.

Caso raro de um heterossexual que depois de abandonar o desporto passou a ser activista LGBT é o de Ben Cohen, de 33 anos, jogador profissional de râguebi em Inglaterra e França entre 1996 e 2011. O facto de ter praticado râguebi é relevante, pois segundo Sharon Wheeler "as autoridades desportivas do râguebi no Reino Unido têm apoiado de forma enérgica campanhas contra a homofobia no desporto, o que está longe de acontecer no futebol". Ben Cohen apareceu na capa da revista gayAttitude em Outubro de 2009, sob o título Big Ben, e no ano passado criou a Fundação Stand Up a partir da qual tem actuado.

"A violência afectou a minha vida pessoal através da morte do meu pai [vítima de espancamento] e ao mesmo tempo percebi que tinha uma legião de fãs do sexo masculino, muitos dos quais homossexuais, que através das redes sociais na Internet queriam partilhar comigo as suas vivências enquanto vítimas de violência homofóbica", explica o ex-jogador à revista 2, por correio electrónico. Ben Cohen diz que "nunca testemunhou" situações homofóbicas no desporto mas "ouviu falar de casos" e não tem dúvidas de que, "se um atleta não se sente seguro no seu ambiente de trabalho, dificilmente dá todo o rendimento ou actua ao mais alto nível".

Do ponto de vista dos desportistas, o que se passa nos balneários, longe dos holofotes e dos olhares dos adeptos, tem uma importância decisiva neste assunto. "Provavelmente um elemento muito condicionante é o ambiente em que se move o atleta, sobretudo o balneário, por algum ou muito temor da reacção do colectivo", opina David Borges. O jornalista destaca também o "receio de algum tipo de reacção exacerbada do público adepto perante a divulgação da condição sexual do atleta". Mas este elemento foi considerado pouco relevante por outros entrevistados.

Ulrike Luncek faz notar que "os atletas passam muito tempo ao lado de pessoas do mesmo sexo, seja a treinar, sejas nos jogos ou nos balneários, muito próximos uns dos outros, incluindo fisicamente". Donde, "se não se fizer campanhas de prevenção sobre homofobia, pode tornar-se um assunto muito problemático. Para os desportistas gays, a proximidade física com atletas do mesmo sexo põe-nos de sobreaviso e pode ser um dos motivos pelos quais decidem manter-se dentro do armário".

Terá sido essa uma das razões que levaram ao aparecimento em 2009 da primeira equipa gay de râguebi em Portugal - equipa amadora de Lisboa. Chamava-se então BJWHF (Boys Just Wanna Have Fun), depois passou a Dark Horses, dando origem à associação desportiva BJWHF, formalizada no ano passado. "O fundador dos Dark Horses tinha tido uma má experiência numa equipa de râguebi. Não era discriminado, mas sentia-se quase coagido a determinados comportamentos heterossexuais", relata Ricardo Morgado, de 35 anos, presidente da associação. "De certa forma, a nossa existência é uma resposta à homofobia no desporto", explica. Actualmente, os Dark Horses estão inscritos na Federação Portuguesa de Rugby (onde só há equipas amadoras) e na última época participaram no campeonato de equipas emergentes. "No início senti que havia dúvidas das outras equipas sobre o que queríamos e como nos íamos portar, mas com a federação sempre tivemos uma relação excelente", garante Ricardo Morgado.

Os Dark Horses acabariam por inspirar a criação da equipa portuense Oporto Spartans. Entretanto, em 2011, a associação BJWHF viu nascer a equipa de voleibol Lisbon Crows. "E até Fevereiro do próximo ano gostaria de conseguir criar uma equipa inclusiva de futebol amador", revela o mesmo responsável.

Os campeonatos internacionais Gay Games (surgido em São Francisco, EUA, em 1982), Euro Games (Haia, 1992) e Out Games (Montreal, 2006) têm vindo a acolher equipas semelhantes àquelas.

No desporto profissional, as coisas são menos explícitas. John Amaechi, que entre 1995 e 2004 jogou em clubes como o Panathinaikos, CSP Limoges, Houston Rockets ou New York Knicks, conta que "a maior parte dos atletas sabe perfeitamente quais os colegas de equipa que são gays, mas ninguém chega ao balneário e anuncia que é homossexual".

São duas as formas mais comuns, embora indirectas, de saída do armário na esfera da equipa: a linguagem utilizada nas conversas ou a presença regular do respectivo companheiro na vida social do jogador. "Os atletas passam mais de 200 dias por ano com as suas equipas. Viajam juntos, vão juntos às compras, são a única companhia uns dos outros durante a maior parte do tempo. Não é com desconhecidos que se comenta o nosso estado de espírito, porque no dia a seguir estaria tudo nos jornais. Também não se fala muito com o treinador, a não ser que haja uma lesão. As pessoas com quem falamos são as que estão connosco no balneário. E aí é impossível usar sempre uma linguagem neutra para nos referirmos à pessoa com quem vivemos." A outra forma é mais evidente. "Há alguns jogadores que têm alguém que vai assistir aos treinos e aos jogos e está sempre nos eventos sociais. Diz-se que é o agente, mas a partir de certa altura toda a gente percebe que agente quer dizer namorado."

Partindo desta descrição, a 2 procurou saber junto da Federação Portuguesa de Futebol se alguns futebolistas homossexuais procuraram ajuda ou apresentaram queixas ou se os próprios clubes pediram colaboração no combate à homofobia. "Não temos registo", respondeu Sebastião Lobo, por email. Questionado sobre se a federação pensa adoptar campanhas de sensibilização contra a homofobia e transfobia - na linha do que foi feito há cinco anos pela Confederação Alemã de Futebol -, o director de marketing não respondeu, mas fez notar que a instituição "desenvolve toda a sua actividade no quadro da legislação e no âmbito da regulamentação emanada pela FIFA e UEFA". Os Estatutos da FPF, datados de Maio do ano passado, referem no artigo terceiro que a orientação sexual é uma das características em função das quais a federação "não admite qualquer tipo de discriminação". A violação deste e de outros princípios "constitui causa de suspensão ou expulsão" dos clubes, lê-se no documento.

Junto do COP, perguntou-se que garantias podem ser dadas aos atletas homossexuais e transexuais portugueses que desejem assumir-se. Vicente de Moura disse que o COP "está disponível para apoiar os atletas em todas as vertentes, pessoais ou profissionais" e que "repudia qualquer tipo de discriminação".

O presidente do SJPF está convicto de que "os jogadores de futebol estão hoje muito mais abertos ao tema da homossexualidade" porque "a maioria passa por campeonatos internacionais e vive em países com culturas mais liberais". Além disso, de acordo com Joaquim Evangelista, os futebolistas "são cada vez mais requisitados para eventos sociais e convivem com homossexuais assumidos, de quem são amigos".

John Amaechi vê as coisas a mudar, mas muito lentamente. "Hoje há adolescentes que se assumem muito cedo e encontram apoio na família. Mas o problema é quando se espera uma reacção positiva e ela é negativa. Aí, para os homossexuais, as consequências são terríveis: são postos na rua ou deixam de receber dinheiro para os estudos. No desporto, acontece o mesmo: se houver reacções positivas, tudo bem; se não, a carreira desportiva que se tinha sonhado desaparece." Amaechi, que tem fama de pessoa irascível, não teme apontar responsáveis: "Para a maior parte dos adeptos, a sexualidade dos desportistas é uma questão irrelevante, só querem ver um bom jogo de ténis ou de futebol. Pagam o bilhete e querem ver desporto. O problema não são os adeptos, são as pessoas que assinam o cheque no fim do mês", garante.

O ex-basquetebolista dá como exemplo de homofobia instalada o facto de haver hoje nas escolas campanhas públicas contra violência de cariz homofóbico, enquanto no desporto pouco se faz. "Na vida empresarial, já não é possível subir-se aos lugares de topo se se for racista, por exemplo. Não que as empresas queiram ser simpáticas, simplesmente sabem que a discriminação lhes destrói o negócio. Já os líderes das organizações desportivas podem ser homofóbicos, racistas e sexistas à vontade. Veja-se "Sepp" Blatter [presidente da FIFA, Federação Internacional de Futebol]. É claramente racista e homofóbico."

Joaquim Evangelista não está totalmente de acordo. "Imagine-se que um jogador de grande categoria vem dizer amanhã que é homossexual. Alguém acha que um Real Madrid deixaria de ter interesse nele? Os clubes querem é rendimento desportivo", afirma. Contudo, coincide na crítica aos dirigentes. "A cultura desportiva não é diferente da cultura do país e até há pouco tempo a homossexualidade era um tabu em todos os sectores da nossa sociedade. É normal que, à medida que o país muda, também o desporto comece a mudar. Os dirigentes mais velhos ainda podem ter constrangimentos, porque foram criados numa cultura onde a homossexualidade era tabu. Os mais jovens encaram isto de outra maneira."

Em relação ao papel desempenhado pelas marcas que apoiam equipas e jogadores, nenhum dos entrevistados lhe atribuiu importância. Através da agência de comunicação Bird Song, a 2 perguntou qual a política da Nike, patrocinadora da selecção portuguesa de futebol, caso um atleta se assuma como gay. A marca não quis responder. Quanto à Adidas, uma das patrocinadoras principais dos Jogos Olímpicos de Londres, disse através da assessora de imprensa Sónia Fernandes que "não discrimina ninguém com base na religião, cor da pele ou orientação sexual".

Por enquanto, resume Sharon Wheller, a homofobia no desporto "é ignorada e tratada como um não-assunto". "Tem havido avanços no combate ao racismo e ao sexismo, mas quanto à homofobia parece que o caminho ainda é longo. No Reino Unido, penso que o problema radica não nos adeptos, mas no interior das instituições, particularmente os presidentes dos clubes e os treinadores, que olham de lado quem não é igual a eles. Max Clifford, um dos mais importantes relações públicas do Reino Unido, diz já ter aconselhado vários jogadores de futebol seus clientes a não se assumirem como homossexuais em público. Só um jogador muito corajoso ir?? dar o primeiro passo, mas provavelmente só o fará no fim da sua carreira", prevê.

Ben Cohen é talvez mais optimista: "Estamos hoje em relação à homofobia como estávamos em relação ao racismo há 20 anos. O desporto é um elemento-chave da mudança social, por isso é preciso apoiar os desportistas para que se tornem modelos de referência e possam mostrar, dentro e fora de campo, a sua verdadeira força e personalidade."

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