Entrevista António Cunha Vaz Só vou para a política, se for para mandar

Se Menezes se recandidatasse contra Manuela Ferreira Leite, ganhava. A política é um circo. Ser agente de comunicação, em simultâneo, de vários bancos concorrentes, de políticos
e de um clube de futebol pode ser bom para todos. Exercer influência não é crime.
Excerto de uma conversa com António Cunha Vaz, um homem farto de estar na sombra.
Por Paulo Moura (texto) e Nuno Ferreira Santos (fotos)

a António Cunha Vaz é desde 2003 dono de uma agência de comunicação que, nos primeiros três anos, se tornou na mais importante do país. Foi funcionário da Assembleia da República, quando ainda estudava, trabalhou na Comissão Europeia, foi assessor da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, director de comunicação do BCP, departamento que criou em 1996, consultor de diversas instituições, administrador da ONI e de outras empresas. Os colegas de profissão odeiam-no. Dizem que subiu à custa de amigos poderosos e de métodos pouco ortodoxos. Os jornalistas temem-no, os comentadores falam dele como se se tratasse do demónio em pessoa. Entretanto, Cunha Vaz, um homem de 44 anos com um metro e meio de altura, num ramo de negócio onde a amizade é fundamental, não pára de crescer. Nesta entrevista fala-nos dos bastidores da campanha de Luís Filipe Menezes, o seu último fracasso.Foi você que aconselhou Luís Filipe Menezes a desistir?
Não. Mas teria aconselhado, se ele me tivesse pedido a opinião.
Ele não pediu a sua opinião?
Conversámos sobre o assunto, mas, no acto de decidir, julgo que ele pediu opinião a quem tinha de pedir: à sua comissão política e ao secretário-geral.
Não foi uma demissão estratégica?
Se eu o tivesse aconselhado a demitir-se, teria sido por uma questão de estratégia.
Mas aconselhou-o, ou não?
Eu tinha tentado convencê-lo a demitir-se um mês e meio antes. E a candidatar-se outra vez, para fazer uma legitimação de mandato. Isto é, dizia: "Meus amigos, vocês têm-me criticado. Pois têm agora uma segunda oportunidade que há seis meses não quiseram aproveitar. Candidatem-se. Mas fazemos um pacto: deixam o PSD ganhar as próximas eleições. Porque, assim, não ganha."
Não foi isso que Menezes fez agora?
Só que agora ele não se candidata. Apesar de todos os comentadores terem dito o contrário. Todos disseram que ele estava a lançar o Patinha Antão e o Neto da Silva, para aparecer a seguir.
Fizeram o mesmo raciocínio que você fez há um mês e meio.
Mas as pessoas não podem fazer raciocínios sobre os outros, sem sequer falar com eles. O nosso mal é que dois terços do país não fazem nada senão fazer raciocínios sobre o outro terço, que faz alguma coisa.
Então porque se demitiu Menezes?
Algumas pessoas, movidas por interesses e ódios pessoais, pensando que estavam a destruir Luís Filipe Menezes, estavam a destruir o PSD. E não podem dizer que o fizeram em nome da credibilidade do partido, porque estão a negar legitimidade a um líder que foi eleito com 40 mil votos, a maior maioria de sempre no partido. O dr. Menezes dirigiu-se às pessoas que estão preocupadas, não com o défice, que a dra. Manuela Ferreira Leite criou, mas com o preço do pão, do arroz, das escolas, etc. Por isso lhes conquistou o voto. E o que os militantes do PSD tinham a fazer era apoiar o partido e o líder legitimamente eleito para o dirigir até às eleições. O que fizeram, desde 29 de Setembro, foi destruir o partido e o líder legitimamente eleito.
O argumento era que Menezes estava a destruir o partido e isto foi uma medida para o salvar.
Que medida? Soltar uma lebre? Um testa-de-ferro? Um cabeça-de-turco?
Aguiar Branco diz que foi uma atitude solitária dele.
A única atitude solitária que o dr. Aguiar Branco devia ter tido era, no dia da votação, ter dado o seu voto. Porque quem é Aguiar Branco no PSD?
A verdade é que teve o efeito que teve.
Não teve. Isso é presunção da parte do dr. Aguiar Branco, julgar que foi ele que fez cair o dr. Menezes.
Não foi?
Claro que não. Mas ele achou que devia fazer aquele serviço aos amigos, e fez.
Se foi uma operação montada, correu bem.
Sim, tenho de reconhecer. Não posso aceitar é que venham agora falar de lealdade ou seriedade, depois do que fizeram. O único que ficou caladinho, quase sem reagir, apesar de ter estado por trás, ter sido mandante, foi o dr. Rui Rio. Teve o seu factótum a falar em nome dele. Foi um grande serviço. Devo dizer que gostava de ter um.
Quem é o factótum?
Aguiar Branco. Gostava de ter um Aguiar Branco para mim. As barbaridades que eu digo, pedia-lhe: "Ó pá, diz lá tu, que assim não me chateiam o juízo a mim." Gostava de ter um. Quando for grande, gostava de ter um Aguiar Branco.
Nesse caso, a campanha de comunicação deles foi melhor do que a sua.
Reconheço. Dou os parabéns ao dr. Rui Riu pelo seu trabalho. A sua agência de comunicação, que tem como porta-voz Aguiar Branco, foi melhor do que a minha.
Então falemos dos erros da sua. O que falhou?
O dr. Menezes fez várias propostas políticas sérias, de que ninguém falou. A harmonização fiscal com Espanha, por exemplo. Nenhum comentador pegou nesta ideia.
Isso não é culpa da agência de comunicação?
Vamos pôr as coisas claras. A Cunha Vaz e Associados [CVA] trabalhou com o dr. Menezes desde 28 de Setembro, o dia da eleição, até ao congresso. Depois, até a 15 de Fevereiro, porque faltavam contratos com outras entidades, de sondagens, estudos socio-económicos, etc., não trabalhou.
Mas o próprio Menezes disse que sim.
A certa altura [22 de Dezembro], numa entrevista ao Expresso, o dr. Menezes deixou cair que tinha um contrato comigo. E até disse que esse contrato tinha um determinado valor [30 mil euros por mês]. Eu próprio ouvi comentários do género: "Eh pá, a gente como deputado ganha um décimo do que ganha essa gente."
Menezes não disse a verdade?
Não. Colocaram-lhe a pergunta e ele quis ser simpático.
Ele não sabia quanto lhe estava a pagar?
Se calhar pensou que era o mesmo valor do contrato durante a campanha eleitoral, que envolve muito mais tempo. Tenho de andar na estrada horas e horas... O contrato não foi assinado com ele, mas com o secretário-geral, Ribau Esteves. É um contrato normal, está lá no partido, não tem nada a ver com esses valores.
Então sempre havia um contrato.
A partir de 15 de Fevereiro, até ao fim de 2009, para todas as eleições do ano que vem. Mas já lá têm uma cartinha minha a dizer que, no dia em for eleito o novo líder, o meu contrato cessa. Por minha iniciativa.
Porquê?
Porque quando uma pessoa acredita numa estratégia deve segui-la até ao fim. Se há uma estratégia inversa, baseada no facto de a anterior não ter credibilidade...
Fosse qual fosse o novo líder?
Trabalharia com Alberto João Jardim, mas espero que não se candidate, porque a Madeira precisa dele. Eu gosto de desafios. Se me perguntar: fazia a campanha de Menezes contra Aguiar Branco? Eu diria: nesse caso, candidato-me eu contra o dr. Menezes. Agora se me perguntar: fazia a campanha de Menezes, se ele se candidatasse contra Manuela Ferreira Leite? Eu responderia: com toda a certeza. Fazia e quase que a fazia de borla. Não tenho nada contra a dra. Manuela Ferreira Leite. Tenho até tudo a favor, do ponto de vista da competência, etc. Mas seria um desafio.
E ganhava?
Mas de caras.
O problema é que, pelos vistos, no PSD, não basta ganhar. É preciso aguentar-se.
Isso é outra coisa. Está a perguntar-me se ganhava, eu estou a dizer-lhe que ganhava.
O Santana Lopes não quer trabalhar consigo, depois do que aconteceu no Parlamento...
Vou dizer-lhe o que aconteceu no Parlamento. Fui lá ter uma reunião, com seis pessoas, e o Ribau Esteves disse: "Estes são os serviços que a CVA presta ao partido. Quais é que o grupo parlamentar quer?" E eu perguntei: "Esta reunião é privada? É só entre nós?" Responderam: "É, sim senhor." Então eu apontei duas ou três coisas que me pareciam estar erradas na comunicação.
Quem estava na reunião?
Pedro Santana Lopes, a chefe de gabinete dele, um assessor de imprensa do Parlamento, Zeca Mendonça, Ribau Esteves, eu e um colaborador meu. Ainda não tinha descido as escadas para entrar no meu carro, já estavam três jornalistas a telefonar-me e a contar-me tudo o que se passou na reunião. No dia seguinte, o Correio da Manhã dizia: "Cunha Vaz vai ao Parlamento ensinar deputados a falar." O Santana Lopes viu aquilo e pensou: é preciso desmentir. Quando lhe perguntaram, respondeu, com o seu ar bonacheirão: "Out of the question. Nenhuma agência de comunicação vai mandar nos deputados." Eu faria o mesmo. Mas, como somos amigos, tivemos, a seguir, uma conversa. Perguntei-lhe: "Pedro, porquê esta reacção?" Ele respondeu: "António, lê as notícias."
Mas disse ou não que ia ensinar os deputados a falar?
Era uma reunião fechada, secreta. Mas alguém saiu dali e foi contar tudo aos jornalistas. A coisa espalhou-se e os deputados do dr. Mendes, que não gostam de mim nem com molho de tomate, alguns com toda a razão, porque eu lhes disse que eram tão incompetentes que não teriam emprego na CVA, começaram a inventar que eu tinha dito isto e aquilo.
Sabe quem foi o delator?
Claro que sei. Mas como eu não quero apenas parecer sério, sou mesmo sério, não posso dizer. Porque, no dia em que eu violar o sigilo com um cliente, perco a confiança dos clientes todos. Mas posso dizer que se trata de um indivíduo que serve a vários senhores ao mesmo tempo. E não se pode amar a vários senhores ao mesmo tempo.
O incidente não aconteceu por causa da rivalidade entre a direcção e o grupo parlamentar?
A chamada "bicefalia" foi uma das coisas arquitectadas para destruir o dr. Menezes. Já ouvi quatro interpretações para o que se passou, qual delas a mais surrealista. A primeira foi: o Cunha Vaz foi lá meter-se e o Santana correu-o, porque não gosta dele. A segunda era que se tratou de uma tentativa de o partido dominar aquilo lá dentro, no grupo parlamentar, e por isso o Santana Lopes reagiu. A terceira, ainda mais idiota, foi: os tipos do Mendes impuseram ao Santana que não ficasse com o Cunha Vaz (eles gostariam de o ter feito, mas não tinham força para isso). De acordo com a quarta teoria, a mais sofisticada, foi tudo um acordo meu com o Santana Lopes (porque as pessoas sabem que somos amigos) para entalar o Menezes. E eu não podia desmentir nenhuma das teorias. Fiquei calado. O deputado Campos Ferreira, que eu nem conheço, disse: "A agência falou de mais. A agência não deve ser notícia." A verdade é que agência não abriu a boca.
Mas, mesmo assim, tornou-se o tema da discussão política, o que não era suposto. Tornou-se o problema.
Foi usada e abusada. E sem se poder defender. Nós nunca pedimos gabinete nenhum na Assembleia. Só queríamos um espaçozinho com uma secretária, para pormos o nosso computador, quando fôssemos lá.
Já tinha havido pedidos de agências de comunicação para trabalharem no Parlamento, que foram recusados.
Mas nós não pedimos nada. Se eu quiser ir à Assembleia, mostro o BI, entro e vou trabalhar com quem quero. Mas naquele mesmo dia, telefonei para o partido e disse: "A agência não trabalha mais no Parlamento."
Depois disso, foi o caso da Fernanda Câncio, que também não correu muito bem. [o PSD criticou a RTP por comprar uma série de documentários à jornalista, alegando que ela tinha ligações pessoais ao primeiro-ministro] Foi ideia sua?
Claro que não. Foi um pedido que foi feito ao meu amigo Rui Gomes da Silva.
Quem é que lhe pediu isso?
Não posso dizer. Pediram-lhe e ele achou que, estando na comissão política, tinha duas hipóteses: ou se demitia ou tinha de fazer aquilo. Decidiu fazer e foi entalado.
Tentou demovê-los de lançar essa acusação contra a jornalista Fernanda Câncio?
Claro, disse-lhes que era um erro estratégico. Porque, desde logo, mesmo que o PSD tivesse razão, a história iria gerar nos jornalistas uma reacção corporativa.
Disse-lhes isso e eles não lhe obedeceram?
Exacto. Acontece com todos os políticos: obedecem numas coisas e noutras não. Estes decidiram falar na Fernanda Câncio, que metade dos portugueses nem sabia quem era, nem se era ou não namorada do Sócrates.
Mas então porque aconselhou Luís Filipe Menezes a expor em público a sua nova namorada?
Não aconselhei nada. Todos os cronistas me insultaram por causa disso. Eu nunca aconselhei o dr. Menezes sobre esse assunto.
O que pareceu foi que você o mandou expor a vida privada e que isso, agora, se voltou contra ele, com esta reportagem sobre o marido e os filhos da namorada, que saiu na revista do Correio da Manhã e que parece ter sido a gota de água que provocou a sua demissão.
Obrigado por dizer isso. De facto, foi isso que quiseram fazer parecer. Na verdade, o dr. Menezes tem todo o direito de aparecer com a namorada onde lhe apetecer. Mas não fui eu que lhe disse para o fazer. Pergunte ao eng. Carmona Rodrigues, de quem fiz duas campanhas eleitorais para a Câmara de Lisboa, se alguma vez lhe disse para trazer cá para fora a sua vida privada.
Mas atacou o concorrente dele, António Maria Carrilho, por ter usado a mulher e o filho num vídeo da campanha.
Nunca teci nenhum comentário sobre esse vídeo. Mas também não fui eu que fiz o vídeo, nem que coloquei os cartazes de Lisboa ao contrário, nem que lhe pintei os lábios de cor-de-rosa iguais aos de Maria de Belém.
Carrilho diz que foi você que pôs todos os líderes de opinião a criticar o vídeo.
É mentira. O mérito não é meu. Se fosse, admitia-o. Também acha que fui eu que o mandei não apertar a mão ao Carmona?
Então conte-me a história desse debate. Carmona Rodrigues estava muito mais agressivo do que habitualmente. Quando disse a Carrilho "Agora olhe-me nos olhos e conte o que anda a dizer de mim na rua", foi com instruções suas?
Disse uma coisa muito mais simples, que foi o que desregulou o parafuso de afinação do Carrilho. Perguntou-lhe: "Olhe lá, fale-me das obras das casas de banho do Ministério da Cultura." Nem foi preciso dizer se foram caras ou baratas, se tinham torneiras de ouro...
Mandou-o dizer isso, mesmo sabendo que essa história não tinha fundamento?
Quer que eu lhe diga a verdade toda? Já passaram dois anos, já posso contar. Foi da candidatura de Carrilho que nos mandaram um dossier dizendo que aquilo eram tudo invenções, pedindo para não tocarmos no assunto.
Não sabia da história das casas de banho?
Não estava para aí virado. Mas quando percebi que era um ponto tão frágil... Pensei: "Se este tipo está tão preocupado com isto, deixa-me lá ver o que é."
Foi pura ingenuidade da parte da campanha de Carrilho.
Não sei se foi ingenuidade, se foi incompetência.
Mas as acusações de Carrilho contra si, e o livro que escreveu, afectaram-no.
Gravemente. Um dia cheguei a casa e a minha filha vinha a chorar, porque, na escola, uma amiga lhe dissera que eu comprava jornalistas.
Acha que Carrilho não teve razão nenhuma ao dizer que houve uma campanha contra ele, ou teve alguma razão, mas escolheu mal o alvo?
Nalguns casos, ele teve toda a razão. Disseram-se coisas inqualificáveis sobre ele. Mas eu não tive nada a ver com isso. Não houve um único jornalista ou líder de opinião a quem tenha telefonado, já para não falar de ter oferecido fosse o que fosse.
No livro, ele diz que você se ofereceu para trabalhar com ele, garantindo que conseguia dirigir a opinião pública em qualquer direcção e que "tudo se compra".
Isso é completamente mentira. O dr. Carrilho acha que eu fiz uma OPA sobre os comentadores. Vou explicar-lhe uma coisa: eu chego ao pé da direcção do Correio da Manhã, ou do Diário Económico, e peço: "Importas-te de pôr aí o Patinha Antão a escrever uma peça, ou o Ângelo Correia?" A seguir, quem trabalha com o PS faz o mesmo: "Põe o Jorge Coelho, o António Vitorino a escrever um artigo." O que é que estes colunistas fazem? A partir do momento em que têm o seu palco, começam a andar à volta, a andar à volta, e esquecem-se de defender a estratégia do dr. Menezes, ou seja de quem for. Quando se apanham com aquele glamour... Ficam em roda-livre.
Sim? Porque fazem eles isso?
Porque há um deslumbramento.
Mas eles são livres de escrever o que quiserem.
Sim. Mas eu não posso trabalhar, quando não há seriedade na praça. A Quadratura do Círculo, por exemplo. Está lá o Lobo Xavier, que é do PP, e o Pacheco Pereira, que já não defende o PSD. Sai o Jorge Coelho e eles metem o António Costa, que é o número dois do PS? Vai ter um ano de campanha e depois, em Dezembro, diz: "Eu sou bonzinho, agora quero ir embora, para não dizerem que estou a usar a SIC para fazer campanha eleitoral."
Mas o trabalho de uma agência de comunicação não é precisamente controlar essas coisas?
Não, não é. As agências de comunicação do tempo de Estaline e até do Salazar é que faziam isso, controlar a notícia, controlar os jornalistas. Hoje, devem ser apenas entidades que sabem, através de estudos, quais são os anseios das populações, dos públicos-alvo (que podem ser os analistas, etc.) e preparam a informação, com base na verdade, para dar a esses públicos. Para isso, precisam do único veículo de verdade e liberdade que existe: os jornalistas. Não há mais nenhum. No dia em que os jornalistas não forem agentes da verdade e defensores da liberdade, está tudo estragado.
É com os jornalistas reais que tem de trabalhar. Se não os considera idóneos, porque está nesse ramo?
Felizmente para mim, os jornalistas da área enonómica são mais rigorosos na análise dos temas do que os da política.
A especialidade da sua agência é a comunicação financeira. Porque se mete com os políticos?
Boa pergunta. Às vezes um tipo tresmalha. O Carmona Rodrigues era amigo de uns amigos meus...
Porque decidiu trabalhar com o Luís Filipe Menezes?
Porque neste momento, apesar de ter uma boa carteira de clientes, interessava-me também poder aceder a outro tipo de clientes, mais próximos do Estado. Mas não consigo, não sei porquê. Tenho competência para tratar de seis empresas do PSI20, para ser agente da UEFA durante três anos consecutivos, mas não me deixam tratar de nenhuma instituição pública.
Qual é a razão disso?
Não sei. Chegam a dizer-me pessoalmente: "A sua proposta é a melhor." Mas depois há ali qualquer coisa que não passa. Já pensei que talvez seja por eu ser pequenino. Exigem tipos mais altos.
Isso acontece-lhe desde que o PS está no poder?
Curiosamente, é verdade. Vou contar-lhe uma pequena história: quando o eng. Sócrates concorreu contra Santana Lopes, houve uma campanha negra contra Sócrates. Eu nunca trabalhei para Santana Lopes. As pessoas que fizeram a campanha dele são conhecidas de todos. Pois foram dizer a Sócrates que tinha sido eu o autor da campanha negra contra ele.
E achou que poderia chegar até ao poder com Menezes.
Ouça, as agências minhas concorrentes trabalham para o Governo e o PS. De quem queria que me aproximasse? Do Bloco de Esquerda?
Mas para que serve estar perto do poder? Para atrair clientes, para ter influência?
Eu nunca disse a um cliente meu: "Olhe que sou muito amigo do dr. Menezes, e, quando ele estiver no governo, faço isto e aquilo."
Não disse, mas eles podem pensar isso.
Já agora! Não os posso impedir de pensar, ou posso?
O interesse de trabalhar com políticos tem a ver com isso.
Também tem a ver com isso. O importante é a percepção que se cria nas pessoas. O mercado vai atrás de quem? Das empresas ganhadoras. Mas é claro que dá alguma sensação poder dizer: "Ó Sócrates, recebes-me aí o Manuel Joaquim amanhã?"
Mas para além desse prazer pessoal, isso pode trazer benefícios aos seus clientes.
Eles não me pagam mais por isso. Mas abre portas. Vou dizer-lhe uma coisa: nunca trabalhei para o Santana Lopes, nem para o Durão Barroso, nem para o Sócrates...
Mas Menezes era uma aposta para chegar lá.
Sim, mas não deixo de ter clientes por não ter ninguém ligado ao poder.
Então porque não desiste de trabalhar com os políticos?
Porque gosto da política. Divirto-me. Ficamos a conhecê-los melhor. É como ir ao circo.
No circo, ficamos a ver. Se entra na política, tem de trabalhar com eles.
No circo também podemos interagir.
Gosta de ser chamado para a jaula dos leões?
Há bons artistas, bons palhaços, bons trapezistas. Há aquele tipo que não faz nada, mas apresenta...
A política é um circo.
Há aqueles tipos que fazem tudo. Os irmãos Gondolini!, que são trapezistas. Mas a seguir já são os Irmãos Safini!, que são treinadores de leões. Tiram a maquilhagem e são os mesmos tipos. Só se percebe quando se vêm despedir...
Isso é mais ou menos o que se passa com algumas agências de comunicação, que vestem a pele de vários clientes em simultâneo, mesmo quando dizem que não se pode amar dois senhores ao mesmo tempo. Como se pode, por exemplo, fazer a comunicação de vários bancos concorrentes?
Num certo momento, eu tinha três bancos com produtos de retalho: a Caixa Geral de Depósitos, o Banif e o Barclays. O Barclays lançou o crédito à habitação a taxa zero, e eu preparei e lancei toda a campanha. A Caixa e o Banif nunca souberam de nada.
E trabalhava as várias contas ali, no mesmo escritório.
Sim, mas com equipas diferenciadas.
Como é isso possível? Sei que tem as chamadas "chinese walls", que mantêm as equipas estanques. Mas também tem chinese walls na sua cabeça? Como é possível não jogar com a informação de uns e outros?
Muitas vezes, há contas que se cruzam. Mas sem conflito de interesses, pelo contrário. Por exemplo: imagine que tenho uma empresa A, que tem produtos de seguros, e uma empresa B, uma espécie de CTT, que tem muitos balcões mas não tem produtos. Que faço? Ponho os dois em contacto.
Como é que foi possível representar ao mesmo tempo a candidatura de Santos Ferreira à liderança do BCP e Luís Filipe Menezes, que acusava o Governo de estar a usar Santos Ferreira para controlar o BCP?
Mas que teve o cuidado de dizer: isto não é nada de pessoal contra Santos Ferreira, que é um gestor qualificado. Era apenas contra aquilo que considerava ser uma colonização política do BCP.
Então e você não lhe dizia: "Páre com isso, porque eu também represento o Santos Ferreira e sei que ele não está a colonizar nada."
O que o dr. Menezes estava a fazer era uma charge política sobre o Governo, para impor determinadas coisas. Não estava a falar dos gestores em causa. Mas se algum deles em algum momento se tivesse sentido incomodado, ter-me-ia dito, e eu fazia a minha escolha.
Não colocando em causa a sua honestidade, há situações objectivas em que a informação de uma das partes pode ser útil à outra parte, ou a terceiros, ou a si próprio. Há coisas que não pode fingir que não sabe.
Posso.
A verdade é que os clientes não se importam.
Já viu! Que estranho. Pergunte-lhes porquê.
A especulação que se pode fazer é que essa "promiscuidade" acaba por ser do interesse de todos. É como se os seus clientes vissem em si alguém que tem amigos no mundo empresarial, da política e até do futebol. Alguém capaz não apenas de fazer uma boa comunicação, mas também de conseguir tudo, através da influência.
Não é vergonha influenciar. Vergonha é traficar influências. Porque influência eu faço. Veja este exemplo: a feira do peixe de Lisboa. Era um cliente meu que organizava. Eu arranjei o patrocínio de uma cadeia de supermercados, que também é minha cliente. Cheguei ao pé deles e disse: "Eu acho que isto é um projecto giro para vocês. Gostava que estivessem presentes."
Torna-se útil aos dois.
Sim. Faço isso muitas vezes. Por exemplo, um cliente meu diz: "Ah, gostava tanto de conhecer o presidente do Benfica!" Eu telefono: "Ó Filipe, podes marcar um almoço comigo para a semana?" Ele diz: "Sim. Dia 14." E eu: "Posso levar um amigo meu?" Ele: "Podes." E pronto. O tipo pode querer fazer um negócio qualquer, patrocinar uma modalidade, ou coisa do género. E faz. Há tanto conflito de interesses numa agência de comunicação como numa firma de advogados ou numa consultora. É uma questão de seriedade. Também tenho cuidado a escolher os meus clientes. Por exemplo, não aceitei Avelino Ferreira Torres, nem a Igreja Maná, nem o casal McCann.
Os McCann queriam contratá-lo?
Queriam. Não aceitei porque tenho dúvidas. E também por causa do que diriam. Se um advogado aceita defendê-los, todos acham muito bem, porque mesmo que sejam criminosos, têm direito a defesa. Mas se fosse eu...
Um criminoso não tem direito a uma agência de comunicação?
Talvez, mas não a minha. Diriam logo: "Olha, o aldrabão do Cunha Vaz está a defender os McCann."
Ainda acabava por prejudicar os McCann. Não está farto de trabalhar para os outros?
Grande pergunta! Sim, estou farto. Não vou passar o resto da vida a influenciar.
Por vezes sente que, se estivesse no seu lugar, faria melhor do que pessoa que está a influenciar?
Muitas vezes. Mas eu tenho um plano.
Vai tornar-se político?
Agora não posso abandonar a agência. Mas estou farto dos comentadores, de alguns jornalistas e de alguns clientes.
Na política, teria de os aturar todos.
Não, porque não queria ser o número 2 ou o número 3. Só vou para a política, se for para mandar.

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