Alvin e Heidi Toffler

Numa entrevista conjunta, Alvin e Heidi Toffler fazem aquilo a que estão habituados:
lançar ideias sobre o futuro. Uma das tendências é a formação de novas "e estranhas" religiões

a O casal de futurólogos Alvin e Heidi Toffler esteve esta semana em Portugal, para uma conferência organizada pela Ordem dos Biólogos. A biotecnologia, disseram, vai ajudar a transformar a sociedade e a economia. A que ponto vai a biotecnologia moldar o futuro?
Alvin Toffler: A biotecnologia é muito importante. É parte de uma quarta vaga. Mas não é a única tecnologia do futuro. Terá que ser combinada com a nanotecnologia e com a tecnologia no espaço para conseguirmos dar grandes saltos. Muitas pessoas não sabem que quando usam o multibanco, ou quando vêm televisão, estão de facto dependentes de tecnologia que está no espaço. Muitos pensam que o espaço não é importante, que é uma brincadeira, ou que é um assunto militar. Mas não é. É o início de uma parte fundamental da economia do futuro.
Em que áreas pode a biotecnologia ter mais impacto?
Heidi Toffler: Todos os países hoje têm problemas com a saúde. A genética está a ajudar a resolver muitos desses problemas. Hoje sabemos que muitas das doenças que julgávamos serem causadas por um vírus ou bactéria têm afinal uma base genética. Se conhecermos os genes que herdámos podemos intervir e, até certo ponto, mudar os nossos estilos de vida para nos tornarmos menos susceptíveis às doenças.
Os cientistas prevêem que as populações do mundo que estão a envelhecer serão muito caras, devido a doenças como a diabetes ou Alzheimer. Ainda não sabemos exactamente quais as consequências disso para a economia e para a sociedade, mas serão enormes.
A biotecnologia será característica de uma quarta vaga. Isso quer dizer que já estamos na terceira vaga que descreveram no vosso livro?
A: Não. Estamos no limiar da mudança, que vai demorar provavelmente uma geração.
H: Um dos exemplos são os jornais. Os jornais estão a assistir a um declínio da publicidade, que está a ir para a Internet. Isso é um desenvolvimento típico da terceira vaga. E a transição é o que está a causar o problema. Ainda não sabemos como nos adaptar a estas mudanças.
A: Enquanto alguém que adora a imprensa e que fica coberto de tinta preta todos os dias ao pequeno almoço e que escreveu para jornais, acho triste que a imprensa vai de facto...
H: Nós não concebemos comprar uma máquina para onde possamos descarregar as notícias. Ainda gostamos de jornais. Somos da geração errada, não lemos notícias na Internet.
A: Mas não vamos gostar dos jornais para sempre. Eu leio todos os dias, durante horas, pelo menos três jornais. Mas pergunto-me: "Porque não leio no ecrã?", como fazem muitos jovens. A resposta é que não quero estar sentado em frente ao ecrã. O fim do jornal acontecerá quando o papel for electrónico, quando o pudermos dobrar, virar e pôr no colo. O jornal é uma invenção fantástica da segunda vaga. Mas aquilo que faz é dar a todos a mesma informação. Não é personalizado.
Defendem que a personalização é uma das grandes mudanças do futuro próximo. Mas não haverá sempre produtos que precisam de ser fabricados em massa?
H: Com a ajuda dos computadores, os produtos poderão ser todos personalizados...
A: Os diferentes produtos vão fazer a transição para a personalização a velocidades diferentes. Nem tudo terá forçosamente que ser feito à medida de cada um. Mas se alguém quiser algo à medida, poderá tê-lo. Estamos a passar da produção em massa para a desmassificação. Esta desmassificação está a começar a acontecer em vários sectores da sociedade.
A Internet está a ajudar a esse fenómeno. As pessoas juntam-se online em grupos de interesses muito específicos. Isto tem tido efeitos na comunicação de massas e na política, por exemplo. Numa entrevista em 1998, o professor Toffler mostrou-se céptico quanto às comunidades online. Mantém essa posição?
A: Não sou céptico. As comunidades virtuais existem. É possível criar grupos online para todo o tipo de finalidades. São pessoas que nunca estiveram fisicamente na mesma sala, mas que se organizam. A questão é saber se essa organização pode ser transposta do ecrã do computador para outro nível, de forma a criar um movimento. Por exemplo, um movimento político. É possível criar um partido político online. Mas se quisermos fazer uma marcha... Bem, podemos marchar no ecrã, mas se queremos que as pessoas nos prestem atenção, temos que marchar à porta de casa delas.
Será que podemos transferir um movimento político, ou de outro género, de um espaço virtual e criar a mesma coisa no terreno, face-a-face? Acho que é muito difícil. Na Internet, é possível juntar pessoas de todo o mundo, mas estas não vão do Japão ou da Coreia para participar numa marcha em Washington...
É possível fazer isso a algumas escalas. Todos os candidatos à presidência americana apostaram numa forte presença online. Barack Obama tem sido bem sucedido a usar a Internet para motivar os jovens. Não é um exemplo de que os movimentos online podem passar para o mundo offline?
H: Sim, mas ele continua a ter que ir a cada Estado falar com as pessoas.
A: Penso que virá o dia em que teremos online uma experiência que será muito próxima da interacção humana...
H: Vais continuar a precisar de contacto face-a-face! Isso não pode ser substituído. Eu não me imagino sentada em casa e ter o Second Life como um substituto para a minha própria vida. É preciso termos uma vida muito má, para querermos ter um substituto artificial. Até certo ponto, é triste que haja pessoas que gastem a vida assim. O que é a vida deles?
As comunidades que se formam online são novas formas de associação. Poderão vir a substituir outras formas de associação, como as religiões ou simplesmente grupos de vizinhos?
A: Suspeito que vamos assistir ao nascimento de novas e estranhas religiões. Já há muitas religiões no mundo. Mas temos espaço para muitas mais. Pequenos grupos, e isto já aconteceu, podem criar novas versões de religiões já existentes, ou então religiões completamente novas. E há partes de religiões existentes que vão autonomizar-se. Podemos chamar-lhes quasi-religiões.
H: Pessoalmente, não me interessa o que as religiões fazem. Podem existir todos os grupos religiosos que quiserem, desde que não influenciem a política.
Essa influência existe, nomeadamente nos EUA...
A: Aconteceu durante a última administração...
H: E isso é um grande problema!
A: As igrejas fundamentalistas têm sido muito activas politicamente...
H: E decidem quem é nomeado para o Supremo Tribunal e, portanto, decidem as leis que influenciam a minha vida. Um dos elementos-chave nestas primárias é que os grupos da direita religiosa perderam poder. [Mike] Huckabee é o único que representa a direita religiosa.
A: Nós vamos votar em Obama. Não por causa do que ele promete. Os candidatos fazem promessas, mas a verdade é que é impossível para eles cumprirem as promessas que fazem. Vamos votar nele porque é um bom sinal para o mundo que a América tenha um Presidente negro. E é um candidato inteligente.

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