Albinos em África Um apartheid genético que faz vítimas

Os albinos vivem dias difíceis em alguns países africanos, devido à influência dos feiticeiros. São perseguidos, mutilados e mesmo mortos, porque partes dos seus corpos são usadas em rituais.
Em Espanha, um imigrante do Benim pediu asilo político evocando o seu albinismo. Em Portugal, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ainda não registou nenhum caso. Por Susana Almeida Ribeiro

a Moszy tem 18 anos e deu recentemente à costa das Canárias num barco que transportava outros 60 subsarianos à procura de melhores condições de vida na Europa. Natural do Benim, passou a ser imigrante ilegal e, como milhares de outros, está à espera da expatriação ou do bilhete dourado num centro temporário de acolhimento de imigrantes. Mas a sua história é diferente da dos seus companheiros de viagem. Moszy é albino e foi com base nessa característica física que pediu asilo político às autoridades espanholas. Em alguns países africanos, os albinos têm uma curta esperança de vida, porque são perseguidos, mortos, e partes dos seus corpos usadas em rituais de feitiçaria. Moszy é o segundo africano albino a chegar às Canárias nos últimos 15 anos e, ao que consta, o primeiro a pedir asilo político alegando razões humanitárias. "O meu corpo é cobiçado para ser usado em rituais de bruxaria", assegurou Moszy, citado pelo El Mundo, enquanto aguardava o seu destino no Centro de Internamento de Estrangeiros de Hoya Fría, em Tenerife. A Comissão espanhola de Ajuda aos Refugiados considerou "razoáveis" os receios do jovem.
Ser albino pode ser uma maldição em determinadas zonas rurais de África. Apesar do exponencial crescimento vivido no continente, continuam a existir muitas bolsas de ruralidade, miséria e obscurantismo, onde a diferença é encarada com desconfiança e receio. Muitos acreditam que os albinos têm poderes sobrenaturais e que trazem má sorte. Este tipo de preconceitos, em comunidades tribais dominadas por feiticeiros, transforma os albinos em alvo de ataques. Muitos são mortos e desmembrados. Os seus dedos servem para fazer amuletos e o seu sangue para fazer uma bebida chamada "muti" e que, segundo crenças rurais, trará sorte e riqueza a quem a beber.
Rui Flores, funcionário da ONU, em missão na República Centro-Africana e no Chade, relatava nas páginas do PÚBLICO, em Dezembro último, a situação vivida pelos albinos em África: "Em diferentes sociedades africanas encontra-se enraizada a convicção de que os albinos são pessoas especialíssimas, cujos corpos, utilizados com sabedoria em poções mágicas, contribuem para a cura de toda a sorte de maleitas. Daí os pedaços dos seus corpos serem tão apreciados pelos feiticeiros. E o negócio floresce. Estes fenómenos associados à feitiçaria têm raízes profundas em diferentes sociedades africanas."
Essa discriminação é sentida também nos países africanos de língua oficial portuguesa. "Os albinos são alvo de um preconceito generalizado", diz o escritor Mia Couto. O preconceito contra a comunidade albina é "muito comum" em Moçambique, embora os ataques não sejam aqui tão frequentes como noutros países, nomeadamente na Tanzânia. O escritor escreveu uma peça de teatro para meninos de rua, há cerca de dez anos, em que falava do problema, introduzido pela personagem Xidjana, uma menina albina. Quando questionado se o fenómeno é sobretudo rural, ou se acaba por transbordar para as cidades, Mia Couto explicou que há uma "fronteira fluida" entre a ruralidade e as cidades, e que muitas práticas do campo são importadas para os grandes centros urbanos.
Ataques frequentes
Os albinos são portadores de um defeito genético hereditário que os impede de produzir a melanina, o pigmento que dá origem à cor da pele, do cabelo e dos olhos. Isto significa que os albinos têm uma pele muito sensível, o que em África pode ser uma sentença de morte anunciada, graças às altas temperaturas e à forte exposição solar, num continente onde os cremes protectores são um bem escasso.
Duas pessoas de raça negra podem gerar um filho albino, basta que ambos possuam uma malformação num gene específico. Estima-se que um em cada 4000 sul-africanos seja albino. Este número é cinco vezes superior aos albinos existentes na Europa, uma desproporção que pode ser explicada pelo facto de, na África do Sul, algumas etnias casarem apenas com membros da própria comunidade. Na Tanzânia, o número de albinos poderá ascender a mais de 170 mil.
Mas o elevado número de albinos no continente africano não tem feito desaparecer o estigma. É muito comum, logo após o nascimento, os pais não assumirem as crianças albinas, deixando-as entregue às mães ou ao abandono precoce. Muitos pensam que se a mulher deu à luz um filho albino foi porque dormiu com um branco. Muita gente acredita também que o albinismo é uma doença contagiosa. Outros juram que a sida se cura praticando sexo com uma albina.
Em países como a Tanzânia, Burundi, República Democrática do Congo, Quénia e Nigéria - na chamada "zona dos Grandes Lagos" - os ataques contra os albinos são frequentes, apesar dos esforços dos governos locais para travar esta barbárie. O oculto e a feitiçaria são prática corrente nestes países e só na Tanzânia, no ano passado, foram mortas pelo menos 26 pessoas, relatou a BBC. Um bebé de sete meses foi uma dessas vítimas. O seu corpo foi mutilado sob as ordens de um feiticeiro local.
Nyerere Rutahiro foi outro dos albinos atacados durante o ano passado na Tanzânia. Estava a jantar, com a mulher, Susannah, e os dois filhos, quando um grupo de homens entrou em sua casa e o matou, desmembrando-o à catanada. "Queremos as tuas pernas", gritaram os quatro homens. O corpo de Nyerere, já sem os membros, teve que ser enterrado debaixo de uma cama de cimento, para evitar que ladrões de sepulturas voltassem para profanar o que restou. Os casos repetem-se. No Burundi, uma rapariga albina, com seis anos, foi morta em meados de Novembro. Ao cadáver faltavam a cabeça e os membros.
SEF sem pedidos
Ninguém parece conseguir explicar por que é que os ataques contra albinos têm aumentado nos últimos anos, mas o Presidente da Tanzânia, Jakaya Kikwete, tem pressionado as autoridades para que identifiquem os atacantes e os detenham. A tarefa poderá, porém, revelar-se infrutífera, num país em que os agentes de polícia são dos funcionários mais corruptos do mundo, adianta a BBC.
Precisamente para ajudar os albinos a defenderem os seus direitos, o Presidente da Tanzânia nomeou Al-Shymaa Kway-Geer, ela própria uma albina, como porta-voz no Parlamento da comunidade. O seu trabalho consiste em erradicar as brutais práticas contra albinos e em garantir-lhes, entre outras coisas, tratamento médico e protectores solares. "Dantes, quando eu saía à rua, as pessoas chamavam-me 'zeru zeru' [termo depreciativo dado aos albinos em swahili]. Perseguiam-me. Mas agora eu sou alguém", afirmou Kway-Geer, citada pela BBC.
Em Portugal, os atentados contra albinos ainda não produziram qualquer pedido de asilo. Contactado pelo P2, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) informou que o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF "não registou, nos últimos anos, nenhum pedido de asilo apresentado por um estrangeiro, que baseasse" os seus argumentos "no facto de ser albino".
Quanto a Moszy, soube-se na sexta-feira que o Ministério do Interior espanhol aceitou tramitar o processo, o que representa uma aceitação feita em "tempo recorde". A partir de agora, o jovem poderá sair do centro de refugiados e, no espaço de um ano e meio, saberá o seu destino final: ou é autorizado a permanecer em território europeu, ou é deportado, ou, finalmente, as autoridades dão parecer desfavorável ao seu caso, mas poderão autorizá-lo a ficar por razões humanitárias.

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