Um símbolo da luta pela igualdade

Começou a carreira aos 16 anos, no Cotton Club. Tornou-se uma lenda do jazz e do cinema

Foi a primeira actriz negra a assinar contrato com um grande estúdio de Hollywood (a MGM) e uma das mais importantes cantoras de jazz da sua geração. Destacou-se, desde cedo, como defensora da igualdade entre brancos e negros. E tomou posições de extrema coragem numa América dilacerada por problemas de segregação racial. Lena Horne, uma mulher notável e uma artista multifacetada cuja carreira se estendeu às áreas da música, do cinema e da política, morreu no domingo, em Nova Iorque, de causas naturais. Tinha 92 anos.

Participou em inúmeros espectáculos de apoio aos soldados, durante a Segunda Guerra Mundial, recusando sempre actuar para plateias onde os soldados negros fossem separados dos brancos. Casou-se com Lennie Hayton, branco e um dos principais maestros da MGM, e participou em marchas de luta ao lado de Martin Luther King - acções que lhe valeram intensas pressões sociais e um lugar de destaque na tristemente célebre "lista negra" do senador McCarthy.

Quando, em 2002, Hale Berry se tornou a primeira mulher negra a ganhar um Óscar, a actriz dirigiu a Horne um especial e sentido agradecimento, referindo: "Este momento é para cada mulher negra, sem nome nem rosto, que tem agora uma oportunidade porque esta porta já foi aberta".

Nascida a 30 de Junho de 1917, em Brooklyn, Nova Iorque, numa família considerada de classe alta, Horne foi desde cedo influenciada pelos valores da sua avó paterna, Cora Calhoun Horne, destacada activista dos direitos civis norte-americanos e membro da Associação para o Desenvolvimento das Pessoas de Cor.

Com apenas dois anos, aparece na capa do boletim da organização. Mas o grande impulso que iria marcar toda a sua carreira é-lhe dado pela sua mãe, actriz, quando lhe obtém uma audição no famoso Cotton Club, clube onde acabaria por ser contratada, com apenas 16 anos, como cantora e bailarina. Viviam-se os tempos da Grande Depressão, e esta era a oportunidade de Horne viver como cantora.

A sua primeira aparição no cinema acontece em 1938, em The Duke is Tops, uma produção de baixo orçamento, com um elenco exclusivamente negro, que seria posteriormente relançada com o nome The Bronze Venus. Com uma notoriedade cada vez maior, ampliada pelas aparições no grande ecrã, Horne recebe inúmeras propostas para cantar, junto de nomes como Charlie Barnet, chefe de orquestra branco que mantinha uma das poucas bandas de swing multi-raciais.

Numa carreira irregular e precária, dividida entre as frequentes e extenuantes digressões, as mudanças de cidade em busca de trabalho e os constantes regressos a casa para junto da família, Horne (na altura Helena Horne) continua a somar sucessos profissionais: gravações para a RCA Victor; uma estadia no prestigiado Café Society Downtown, em Greenwich Village; trabalho para rádio numa série da NBC, incluindo uma série de gravações pelos Henry Levine & The Dixieland Jazz Group; participações em trabalhos de Artie Shaw e Teddy Wilson; e, finalmente, a gravação do seu primeiro álbum a solo, Moanin" Low, que incluía versões de Stormy Weather e The Man I Love, dois temas que viriam a ficar sempre associados à sua voz.

Entrega total

O resto é história. Lena Horne viria a tornar-se uma lenda no meio do jazz e do cinema, recusando-se sistematicamente a assumir o papel que era esperado das mulheres negras. No cinema, devido à cor da sua pele, foi afastada de uma carreira que podia ter sido fulgurante - participando, ainda assim, em filmes como Panama Hattie e Stormy Weather, em que contracena com Bill "Bojangles" Robinson e Cab Calloway, Cabin in the Sky, de Vincente Minnelli, ou Till The Clouds Roll By, surgindo normalmente em planos pensados para serem facilmente cortados quando exibidos nos estados mais racistas do Sul dos EUA. Na música, talvez por ser o jazz um estilo naturalmente associado a intérpretes negros, teve uma carreira condizente com o seu talento, tornando-se uma das mais importantes cantoras da sua geração. Cantava com uma alma fora do comum, tendo assinado registos que ficam para a história do jazz vocal como exemplos de uma total entrega ao espírito das canções. Uma intensidade a que ninguém ficava indiferente, como no clássico At The Waldorf Astoria, gravado ao vivo em 1957.

Recentemente, já com 80 anos, refere a um jornalista: "A minha identidade é agora clara para mim. Sou uma mulher negra. Sou livre. Não tenho mais de ser uma imitação de ninguém. Sou apenas eu e diferente de todos os outros."

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