ImigrantesA América não vos deseja as boas-vindas

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Guardas que patrulham a fronteira, no Arizona, interrogam suspeitos de imigração ilegal PATRICK SCHNEIDER/Charlotte Observer/KRT

Qualquer imigrante apanhado a entrar no Arizona ilegalmente é tratado como um criminoso. Na morgue de Tucson aumentam os cadáveres encontrados no deserto. O muro de separação na fronteira entre o México e os Estados Unidos é uma lâmina na paisagem. Eis as vítimas. Por Kathleen Gomes, em Tucson e Nogales

Buena suerte, e não volte mais

A voz do juiz é monocórdica.

"Guilty or not guilty?" Culpado ou não culpado?

Não há vigor na frase, que se tornou refém da repetição. Setenta vezes a dirá o juiz, setenta vezes lhe respondem:

"Culpable."

Sala de "procedimentos especiais" do Tribunal Federal Evo DeConcini, Tucson, Arizona, uma e meia da tarde. A data é irrelevante: todos os dias dezenas de homens e mulheres, maioritariamente mexicanos, declaram-se culpados em audiências colectivas. Acusação: entrada ilícita nos Estados Unidos. Todos capturados na véspera ou poucos dias antes. Uma modesta amostra das mais de mil apreensões que são feitas diariamente na fronteira a sul de Tucson, um corredor de 420 quilómetros, tido como um dos mais permeáveis à entrada de imigrantes ilegais no país.

Este cenário não nasceu ontem, mas o homicídio do dono de um rancho no fim de Março, atribuído a um imigrante ilegal, combinado com o facto de 2010 ser um ano de eleições para o Congresso, levou um punhado de republicanos do Arizona - incluindo o senador John McCain e a governadora Jan Brewer - a exigir maior protecção da fronteira (um eufemismo que, na verdade, quer dizer: encerramento da fronteira). E abriu caminho para uma nova lei em que o Arizona reclamava o direito de questionar qualquer "suspeito" sobre o seu estatuto de cidadania ou residência.

Mas, antes disso, os Estados Unidos já tinham outras formas de avisar os imigrantes ilegais de que não são bem-vindos, criminalizando os que são apanhados a tentar atravessar a fronteira clandestinamente antes de os devolver ao país de origem. Com uma particularidade: os imigrantes comparecem em massa perante um juiz. Uma versão industrial da justiça, dizem os críticos.

Homens e mulheres são separados na sala de audiências. Elas - oito, no total - ocupam a primeira fila no centro da sala, eles sentam-se nas filas da esquerda (cinco), e na bancada normalmente destinada ao júri, perpendicular à tribuna do juiz. Nas últimas filas, atrás deles, estão três border patrols, os guardas que patrulham a fronteira, em uniformes verdes como guardas florestais, mascando pastilha. Atrás delas estão os advogados de defesa que não cabem nas pequenas secretárias do centro da sala reservadas para o efeito, porque já estão ocupadas. Na tarde em que o P2 assistiu, havia 15 advogados de defesa - homens de fato (e uma mulher) e de perna cruzada, a falar entre si, na sua maioria ignorando as filas estáticas e silenciosas de imigrantes. Ignorando os seus clientes, portanto.

Os imigrantes têm auriculares para que as palavras do juiz lhes cheguem traduzidas em espanhol. Praticamente não falam, a não ser para responder, hesitantes, às perguntas do juiz.

"Entende a acusação que lhe é feita?"

"Si."

"Entende que tem o direito de ficar em silêncio?"

"Si."

"Alguém o forçou a declarar-se culpado?"

"No."

"Está a fazê-lo voluntariamente?"

"Si."

"Está a fazê-lo porque é culpado?"

"Si."

Uma lengalenga pode ser uma armadilha. As respostas saem automáticas.

"Tem algum documento emitido pelas autoridades dos Estados Unidos?"

"Si."

"A sério? Tem um green card [autorização para trabalhar] ou um visto?"

"No."

As mulheres têm um ar assustado. São as primeiras a deixar a sala. "Buena suerte", diz o advogado de defesa a uma delas, com toda a indiferença, indicando a porta de saída. Todos os imigrantes têm uma corrente à volta da cintura e as mãos algemadas, presas à corrente. Vestem as mesmas roupas que traziam quando foram capturados pelos guardas de fronteira, mas sem os cintos e os atacadores, que tiveram de entregar para evitar suicídios. Uma pulseira cor de laranja fluorescente à volta dos seus pulsos diz "Streamline".

Operation Streamline é o nome do programa de "tolerância zero" para com a imigração ilegal inaugurado em 2005, durante a presidência de George W. Bush. Imigrantes clandestinos começaram a ser criminalizados como estratégia de dissuasão; os promotores do programa acreditavam que o processo não só inibiria qualquer regresso dos imigrantes sentenciados como estes tratariam de passar o recado no México: "Esqueçam os Estados Unidos." Antes da Operation Streamline (que significa qualquer coisa como "Operação Eficácia"), os imigrantes ilegais não enfrentavam penas de prisão, a não ser que apresentassem cadastro criminal ou tivessem feito tentativas repetidas de atravessar a fronteira. Os que o faziam pela primeira vez eram devolvidos a casa ou detidos e posteriormente deportados.

Agora, a pena máxima é de seis meses de prisão e uma multa de cinco mil dólares. O que explica o sorriso no rosto de alguns dos imigrantes ao deixarem a sala do tribunal de Tucson. "80 por cento das pessoas que está a ver vão ser libertadas duas horas depois de a sessão terminar", explica o advogado de defesa Mark F. Willimann, que faz este trabalho duas vezes por semana desde que o Arizona começou a aplicar o programa Operation Streamline, em 2008.

Willimann é um homem baixo e compacto, de óculos e nariz aquilino, que usa calçado desportivo de sola curva com o fato. O cabelo começa a ficar grisalho no topo. Casado com um brasileira, filho de um libanês e de uma suíça, Willimann nasceu em Beirute e cresceu em Nova Iorque; é o produto típico de um multiculturalismo que é banal nos Estados Unidos mas que também faz com que os americanos vivam obcecados com as origens (quando conhecem alguém, uma das primeiras perguntas que fazem é: "De onde é?"). Willimann representa quatro dos réus presentes esta tarde no tribunal de Tucson. O limite para cada advogado são seis réus. Por vezes, durante a audiência, os advogados tentam apresentar atenuantes - notando que o réu tem filhos nascidos nos EUA, que não tem antecedentes criminais, ou que estava a tentar pagar a operação de uma filha deficiente, por exemplo -, mas Willimann não se pronunciou em nenhuma altura.

Quando o P2 lhe pergunta se está disponível para uma entrevista, espreita o relógio e diz que tem sete minutos - é o tempo médio de audiência que cada ronda de seis imigrantes tem perante o juiz, o que significa pouco mais de um minuto por pessoa.

Willimann encontrou-se com os seus clientes pela primeira vez nessa manhã. "Normalmente, em média, estou 25 minutos com cada um deles", diz. "Chega perfeitamente para lhes explicar a lei, os seus direitos, tudo o que precisam de saber." O cartão de visita deste advogado tem um desenho de um globo terrestre e, sobre ele, uma mulher com uma espada e uma balança, e vendas nos olhos - a Justiça pode ser cega, mas também é escultural. Ao lado, lê-se "Hablo español".

Quando conhece os seus clientes, Willimann explica-lhes que, apesar de falar espanhol, não é tão bom quanto eles. Depois de lhes comunicar as penas que enfrentam, os seus direitos e as duas opções que têm - permanecer em silêncio, o que obrigaria o governo a levá-los a julgamento e podia demorar até 45 dias; ou confessarem-se culpados e serem sentenciados nesse próprio dia -, faz-lhes um inquérito para se certificar de que entenderam tudo. "99,9 por cento abdicam do direito de ir a julgamento porque querem regressar a casa o mais depressa possível", diz.

Se o P2 procurou falar com Willimann e não qualquer outro dos 15 advogados de defesa foi porque, antes do início da audiência, ele dizia ao promotor público, sem a preocupação de ser discreto, que a Operation Streamline é uma "oportunidade em termos de relações públicas". "Qualquer cliente ouvido no âmbito do Streamline é agora um "especialista" na lei americana da imigração no que diz respeito às consequências caso tente atravessar ou voltar a atravessar após deportação", explica. "É preferível que as pessoas saibam que estão a quebrar a lei do que ter uma sociedade que quebra a lei sem o saber", diz. "Essa tem sido a situação nas nossas fronteiras durante muito tempo."

E apesar de antes, na conversa com o promotor público, parecer convencido da eficácia do programa como manobra de dissuasão, Willimann admite que não existem provas de que o tráfico na fronteira tenha sido afectado, como proclama o Departamento de Segurança Interna.

A sala de audiências está cada vez mais vazia. Um homem limpa os auriculares usados com toalhetes. Um dos advogados de defesa, de fato e botas de cowboy, lê um thriller de aeroporto, precursor do Código Da Vinci, o tempo todo. Ele representa os clientes nos intervalos da leitura. Willimann sabe que os homens levados perante o juiz são "nice guys". Não há nenhum "bad guy" ali. Como descreveria os seus clientes? "Analfabetos, na maior parte. Trabalhadores. Honestos. Desesperados. Posso dizer que não hesitaria um segundo em deixar a minha filha entregue aos cuidados de, pelo menos, 90 por cento, ou em tê-los como porteiros."

Para o final, vão restando os imigrantes que terão sentenças maiores. São os reincidentes, os que voltam depois de terem sido deportados. Enfrentam penas equivalentes a crimes graves, que podem ir até dois anos de prisão e uma multa de 250 mil dólares. Um dos clientes de Willimann está nessa situação. Paulino Ramirez foi largado na Cidade do México e duas semanas depois estava de volta. Todos eles assinaram acordos em que abdicam dos seus direitos e admitem a culpa, o que reduz a gravidade da sua ofensa para delito menor, e uma pena de prisão entre 30 e 180 dias. Paulino será sentenciado a 60 dias de prisão. Um homem, que recebe uma pena de 180 dias, pergunta ao juiz, em espanhol: "Pode reduzir a sentença?" Resposta: "Se eu reduzir, o governo retira o acordo e você é acusado de felony [crime grave]."

A Operation Streamline pode ter sido uma iniciativa da Administração Bush, mas Obama não mostrou qualquer sinal no sentido de travar ou aligeirar o programa. Pelo contrário, diz Willimann: o número de reincidentes sentenciados em tribunal este ano já está ao nível dos anos Bush, e 2010 ainda vai a pouco mais de meio. A teoria de Willimann é que Obama precisa de provar que é duro para com a imigração ilegal de forma a ter argumentos para levar a cabo uma reforma da imigração. "É quase como bater numa criança quando, na verdade, queremos dar-lhe um rebuçado", resume Willimann. O advogado olha para a bancada onde restam os últimos imigrantes. É difícil, para ele, entender por que querem vir para um país onde não são bem-vindos. "Há muita gente a morrer. Eu preferia ser pobre e vivo no México do que morto no nosso deserto." A audiência termina ao fim de duas horas e 15 minutos.

Julho é o mais

cruel dos meses

A meio de Julho, a morgue do condado de Pima, em Tucson, ficou sem espaço, e Bruce Parks, o médico legista principal, teve de mandar vir um camião frigorífico de 17 metros para armazenar cadáveres. O último mês foi o segundo mais mortífero de sempre para os imigrantes que tentam atravessar a fronteira México-EUA a pé: 59 dos corpos trazidos para a morgue de Tucson pertencem a imigrantes clandestinos mortos no deserto de Sonora.

"Nalguns casos, podem não passar de ossos encontrados nos corredores que são conhecidos pelo tráfico de imigrantes." Por vezes, os corpos ficam tanto tempo no deserto que o que resta, quando são descobertos, é uma parte do esqueleto, e alguns ossos nas proximidades. É por isso que a morgue do condado de Pima é uma das poucas no país que têm um gabinete de antropologia forense a tempo inteiro.

A taxa de sucesso de identificação dos cadáveres já foi de 75 por cento, mas agora andará pelos 65 por cento porque tem havido mais restos ósseos, explica o médico legista, um homem alto, magro e careca. A voz é suave e pausada, um absoluto contraste com a natureza do seu trabalho. Ouve-se música em fundo no seu gabinete, mas o volume é tão ténue que só o gravador revela tratar-se de jazz. Ella ou Billie Holiday, talvez. Quarenta e seis dos 59 corpos de imigrantes trazidos para a morgue em Julho estão por identificar.

Noventa por cento dos corpos que são identificados são de origem mexicana. Quando o consulado mexicano é notificado sobre um possível desaparecimento por um familiar ou conhecido, essa informação é partilhada com a morgue do dr. Parks, que tenta cruzar a descrição da pessoa em causa com os corpos que tem por identificar, para ver se há alguma correspondência. Esse é o mais simples dos cenários - e o mais raro. O habitual é trabalhar com o que o deserto não levou: quaisquer objectos que o imigrante trazia consigo - "documentos, manuscritos, roupas, compartimentos secretos" -, características específicas - "tatuagens, cicatrizes, marcas". As roupas, se as houver, são lavadas para examinar melhor marcas, cores, padrões. O que acontece aos que continuam por identificar ao fim de muito tempo? "Guardamos um pedaço de osso para eventuais testes ADN, tiramos radiografias, para ter a certeza de que não deixamos escapar uma velha fractura ou algo do género que não conseguimos ver antes. Fazemos uma ficha odontológica, com os dentes que existem, os que faltam, se existem chumbos, etc. Tiramos impressões digitais. Reunimos toda esta informação para o caso de surgir algum dado novo mais à frente e não termos de desenterrar a pessoa para fazer outros testes. Algumas são cremadas quando saem daqui, portanto também não teríamos nada para trabalhar."

Bruce Parks está na morgue de Tucson desde 1986. Antes de 2000, explica, os corpos encontrados no deserto eram tão ocasionais - entre cinco e 15 por ano - que não justificavam fazer estatísticas. "Até que em 2000 tivemos 65 pessoas. Em 2001, umas 75. Em 2002, 140. Em 2003, mais de 150."

O mês mais mortífero até agora foi Julho de 2005: 68 cadáveres. Julho parece ser o mais cruel dos meses, mas o Verão é estação baixa para o tráfico de imigrantes. O calor é a principal causa de óbito entre os corpos que chegam à morgue - nesta altura do ano, a temperatura chega facilmente aos 40 graus. A par disso, o reforço do patrulhamento da fronteira está a empurrar os imigrantes para zonas mais remotas e isoladas do deserto do Arizona, e muitas vezes têm de andar durante três ou quatro horas antes de encontrar uma estrada. A média etária dos cadáveres anda pelos 30 anos.

Não morrem sempre de excesso de calor. Recentemente, a morgue do dr. Parks recebeu três corpos de guatemaltecos. "Um deles enforcou-se, possivelmente porque o desconforto era tão avassalador que ele quis pôr-lhe fim o mais depressa possível."

Isabel Garcia, advogada de Tucson e fundadora da Coalición de Derechos Humanos, organização activa na defesa dos imigrantes, indigna-se com o facto de Obama ter anunciado o envio de 1200 guardas nacionais para a fronteira - o que será efeito no próximo mês. "Quanto mais militarizarmos a fronteira, mais pessoas serão mortas", diz ao telefone. "São as nossas políticas que matam pessoas, não é o deserto e o sol."

Onde acaba o Arizona?

Nogales, Sonora, fica menos de 100 quilómetros a sul de Tucson. Pouco mais de uma hora na Auto-Estrada 19: zero curvas, um encadeamento de montanhas ao fundo, dos dois lados, vegetação rasteira e cactos, e ocasionais excrescências civilizacionais, como um casino megalómano. Às vezes, os imigrantes descem das montanhas e os seus coyotes (contrabandistas) largam-nos em estalagens indistintas de beira de estrada. Os nomes e direcções nas tabuletas estão todos em espanhol ao longo da Auto-Estrada 19, e o limite de velocidade em quilómetros, não em milhas. Onde acaba o Arizona e começa o México? Isso é fácil: é onde os patrulhas americanos mandam parar os veículos para inspecção.

Do lado de cá é Nogales, Arizona, do lado de lá é Nogales, Sonora, e há um muro de separação levantado na década de 90, mas feito com placas de aço usadas nas pistas de aterragem durante a guerra do Vietname. A vedação sobe as colinas como uma muralha da China ferrugenta e terceiro-mundista. Vê-se que é uma imposição: nalgumas zonas, o espaço entre os dois lados do muro é tão fino que é como uma lâmina na paisagem. Há veículos-patrulha da border patrol ao longo de todo o muro, do lado americano. Jeremy Slack, um jovem antropólogo da Universidade do Arizona que fala como um mexicano e que conhece profundamente a fronteira por causa do seu trabalho de campo, avisa-nos para não nos aproximarmos demasiado do muro porque podem chover pedras do lado mexicano. Jeremy conta que, antes do muro, alguns habitantes nem sabiam se estavam do lado americano ou mexicano.

Há outra maneira de distinguir Nogales, Arizona, de Nogales, Sonora. O lado de cá é onde terminam os McDonald"s, Subways, Wendy"s e afins. Do lado de lá, o comércio barato continua, mas de outra forma: o México é caos, saturação urbanística, som, caudais de rios que estão secos nesta altura do ano e por isso são usados como estradas, camiões-tanque com água para uma cidade de 200 mil habitantes que quase não tem água potável, bairros de lata que começam onde o asfalto termina, a polícia federal a passar em alta velocidade - como todas as cidades de fronteira, Nogales é disputada por cartéis da droga; à noite dizem-nos que nessa tarde morreram três polícias.

Do outro lado da linha de comboio, numa subida, fica o Albergue para Imigrantes San Juan Bosco. Uma cruz branca, amolgada, inclina-se sobre a parede da frente. O espaço foi em tempos um armazém de cereais, mas hoje está repleto de beliches - muitos deles com três camas, e quando nem isso é suficiente, o chão enche-se de colchões e as cadeiras da capela são empilhadas para receber mais gente.

Francisco Loureiro, 66 anos, neto de um português, deu conta de que em Nogales (Sonora) "ninguém se ocupava" dos que dormiam nas ruas e mendigavam comida. Por isso, criou este albergue - já lá vão 28 anos -, que continua a ser o único na cidade destinado aos que querem emigrar. "Para que tenham onde dormir." E comer uma refeição, durante três dias no máximo.

Uma das salas foi convertida numa capela, onde domina um quadro da Virgem de Guadalupe, padroeira dos mexicanos. Na base do quadro estão "oferendas" deixadas pelos que passaram por aqui: imagens de bolso da Virgem de Guadalupe, fotos-passe, pulseiras usadas nas prisões americanas. A capela é a sala de reuniões, onde os imigrantes trocam experiências e são informados sobre os perigos do deserto. Mas Francisco Loureiro sabe que, "diga-se-lhes o que se disser, vão atravessar a fronteira". Ou voltar a atravessar. "Ainda ontem falava com um imigrante que tinha oito anos de Estados Unidos e que me dizia: "Vou regressar."" No escritório, ao lado da cozinha, as duas netas adolescentes de Francisco Loureiro abrem a página do Facebook no computador.

Os imigrantes ilegais que são deportados de autocarro e largados na fronteira vêm dar aqui, encaminhados por organizações governamentais.

Carlos Pimentel, 19 anos, reconhece-nos. "Você estava na audiência do tribunal esta tarde." É um rapaz moreno, de cabelo às ondas. Um rosto que Caravaggio teria pintado. Os jeans pretos e a t-shirt têm buracos. Os braços têm arranhões de cactos.

Ele e Adrian, 30 anos, conheceram-se na "casa de hóspedes", onde os imigrantes aguardam que um coyote os venha buscar. Faziam parte de um grupo de nove que tentou atravessar a fronteira no sábado, 31 de Julho, mas foram detidos ao tentar saltar a vedação. Um conseguiu escapar. A mochila de Carlos ficou presa na vedação, com os seus documentos de identificação e uma muda de roupa. Ele não queria regressar à Cidade do México com a roupa que tem no corpo. "Tenho vergonha de voltar assim."

A mãe e os irmãos estão na Califórnia. A mãe atravessou a fronteira grávida. Para Carlos, foi a estreia - antes não tinha conseguido juntar os 1500 dólares para pagar ao coyote. Para Adrian, foi a terceira tentativa. Mas não a última. Adrian quase não fala. A não ser para dizer que vai tentar outra vez.

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