O vidro como "opção romântica"

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Enric Vives-Rubio

Gosta de deixar claro que, na vida, não há só espaço para vitórias. Pelo meio, "há insucessos, problemas, coisas de que se abdica", diz. Esmeralda Dourado é hoje um exemplo para o tecido empresarial português e para a sociedade civil. Percorreu um longo caminho desde que entrou, aos 25 anos, na fábrica vidreira Covina. A paixão que ganhou ao trabalho foi tanta que, à custa disso, não formou família. "Admiro as mulheres que conseguem combinar a vida profissional com a familiar. O meu entusiasmo foi tão grande que encontrei nos projectos em que me envolvi energia e, de certo modo, uma compensação", afirma.

A carreira da actual administradora da SAG, o maior grupo de distribuição automóvel em Portugal - que representa marcas como a Audi e a Lamborghini -, começou logo a seguir à faculdade, como professora da Universidade da Beira Interior. Não era bem esse o seu objectivo, mas, quando se viu confrontada com a oportunidade de trabalhar, aceitou. Na verdade, Esmeralda Dourado, formada em Engenharia Química no Instituto Superior Técnico, queria mesmo era entrar na indústria.

Chegou a enviar "centenas de currículos" e a "andar por tudo o que era empresas" para se candidatar. Mas, muitas vezes, "nem conseguiu chegar às direcções de recursos humanos", conta. O objectivo acabou por se cumprir mais tarde, em dose dupla. De repente, duas empresas foram no seu encalço: uma farmacêutica que queria uma técnica para trabalhar em laboratório e uma vidreira que procurava alguém para trabalhar perto da produção. "Fiquei completamente dividida porque eram duas realidades muito diferentes", recorda. Acabou por tomar "a opção romântica", diz. Romântica porque a fábrica de vidro que a contactou estava interessada em desenvolver novos produtos. "Era um desafio mais aliciante", explica.

Decidiu-se pela Covina, onde entrou aos 25 anos, como adjunta da produção de vidro temperado. Naquela fábrica, onde trabalhavam mais 200 pessoas, pôde "ter ideias", como a de uma estufa de vidro para usar na agricultura ou projectos de conservação de energia. Nesta fase, já como responsável do gabinete de desenvolvimento.

Mas, a certa altura, sentiu que o percurso se tinha "esgotado" e tornou-se investidora nas horas vagas. Filha única, diz que essa inclinação é um legado do pai, de quem herdou o capital para se lançar nos mais variados negócios. De um deles sente especial orgulho. Em parceria com o Ministério da Agricultura francês, trouxe a primeira plantação de espargos para Portugal. Trabalhava nestes projectos noite dentro e ao fim-de-semana porque só deixou a Covina em 1985, quando Pedro Homem, escolhido pelo Citibank para abrir uma delegação do banco em Portugal,lhe começou a ligar insistentemente porque lhe queria fazer uma entrevista de emprego.

"O Citibank estava a abrir a operação e precisavam de um determinado tipo de perfil para liderar o negócio: uma mulher, engenheira, que também fosse empreendedora", recorda. Apesar da vontade de mudar, Esmeralda Dourado não ficou convencida. Só acabou por aceitar o encontro por "respeito". No dia da reunião, "ia de calças de ganga e T-shirt", conta.

Não sabe bem definir porquê, mas aceitou o desafio e, a partir daí, manteve-se na banca. Do Citibank passou para o Fonsecas & Burnay, numa altura em que se preparava a privatização da instituição financeira. Depois, entrou no Banco Privado Atlântico, de onde saiu na sequência de uma oferta pública de aquisição do actual Millennium BCP. Até que foi convidada por João Pereira Coutinho, principal accionista da SAG, para entrar no Interbanco, entretanto vendido ao espanholSantander.

É só em 2000 que abandona a banca definitivamente e se dá uma nova inversão na carreira da empresária. Entra directamente na SAG, onde sobe a presidente. Mais recentemente, entrou no que chama "second life [segunda vida]" e assumiu o cargo de administradora não executiva. Esmeralda Dourado quer servir de exemplo, mas não de forma paternalista. "Ganhei algumas coisas, perdi outras." Esteve três vezes desempregada, uma delas durante oito meses. Hoje, aos 58 anos, continua "a plantar sementes". Vai investindo em alguns projectos.

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