Uma aplicação para ir à boleia num avião privado

A Skyüber é uma empresa portuguesa que quer pôr pilotos a partilhar os lugares que tenham livres.

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João Paulo Girbal e Carlos Oliveira, fundadores da Skyüber Rita França

Viajar num avião privado pode não ser caro. Numa velocidade de cruzeiro económica, com vento favorável e sem esperas para descolar ou aterrar, o voo entre Benavente (a 60 quilómetros de Lisboa) e Braga durou 1h20. Se este tivesse sido um voo normal, o custo para o único passageiro (não caberiam mais) teria rondado os 35 euros. O valor inclui a viagem de regresso, o calor no cockpit, a trepidação a baixa altitude, o possível enjoo e a experiência de voar num aparelho muito mais leve do que um carro utilitário. E, ainda, uma vista que é impossível a partir das pequenas janelas dos voos comerciais.

Este, porém, foi um voo de demonstração feito pela Skyüber, uma empresa portuguesa que está a desenvolver uma aplicação móvel para que qualquer pessoa possa apanhar uma boleia – e dividir as despesas – com pilotos que já tenham viagens programadas. Os primeiros voos deverão descolar no final deste mês. 

Apesar do nome, a empresa não tem qualquer relação com a Uber, cuja aplicação permite chamar um carro com motorista. Também não quer ser uma versão de baixo custo das empresas que alugam jactos privados, nem concorrer com as companhias low cost, que estão a praticar preços cada vez mais reduzidos (este mês, a Ryanair passou a vender bilhetes a partir de cinco euros para o trajecto entre Lisboa e Porto).  

A Skyüber não é uma empresa de transportes. É, antes, "um serviço de reservas" que quer pôr pilotos a partilhar os lugares vazios, frisa o co-fundador, Carlos Oliveira, um empresário e investidor de 38 anos, que foi secretário de Estado do Empreendedorismo entre 2011 e 2013. O outro fundador é João Paulo Girbal, 53 anos, antigo director da Microsoft Portugal e hoje sócio de uma escola de pilotos. Ambos são entusiastas da aviação. 

Carlos Oliveira, que já criou uma startup que acabou por vender à Microsoft, explica que a empresa tem como alvo as pessoas que precisem de fazer voos curtos, bem como os curiosos da aviação e quem queira viver a experiência de estar ao lado do piloto. E ainda os pilotos que se queiram encontrar para voarem juntos. "É uma oportunidade para democratizar os céus. É para os entusiastas e para as outras pessoas, que podem ter acesso a algo que lhes estava vedado".

Os aviões que se inscrevam na Skyüber poderão ser tão pequenos como o de João Paulo Girbal, que transportou o PÚBLICO até Braga (um ultra-ligeiro de dois lugares, com cerca de 300 quilos), ou ter uma capacidade máxima para seis pessoas. O sistema de partilha de custos permite ao piloto cobrar pelo combustível (alguns destes aviões funcionam com gasolina 95, igual à dos automóveis), pelo óleo, por eventuais taxas de descolagem e aterragem nos aeródromos e, se for caso disso, pelo aluguer do avião (muitos aeroclubes alugam aparelhos aos sócios).  

Nem todos os voos serão tão baratos como o que o PÚBLICO experimentou: uma aeronave de maior dimensão gastará mais combustível e, em alguns casos, combustível mais caro. No voo de demonstração, também não foi preciso pagar taxas nos aeródromos de Benavente e de Braga.

Para Paulo Almeida, um instrutor de voo que pretende usar a plataforma, a Skyüber permite "partilhar o gosto de voar, as emoções do voo", numa altura em que é mais difícil encontrar com quem voar. "Noutros tempos, os pilotos privados procuravam conhecer-se, contactar uns com os outros através dos aeroclubes. Mas a vida acelera e nós não temos tempo para frequentar o aeroclube como fazíamos antes". 

Uma frota sem ter aviões
"O que a Skyüber quer é ter a maior frota do mundo de aviões, sem ser dona desses aviões", resume Carlos Oliveira. A ideia encaixa no conceito em voga de "economia da partilha", um jargão usado para dar nome à rentabilização de recursos excedentes, tipicamente através de plataformas online. Um exemplo frequente é o Airbnb, que permite aos proprietários alugarem quartos ou apartamentos por curtos períodos de tempo, quando não estão a precisar deles. 

Na Skyüber, porém, os voos não devem ser feitos com fins lucrativos. As regulações aéreas não permitem que os aviões privados cobrem pelo transporte (para isso, é preciso ter uma licença). Mas uma directiva europeia veio abrir as portas a que os pilotos possam partilhar custos. Ainda assim, não é impossível alugar uma avioneta com piloto para uma viagem específica. Um aeroclube contactado pelo PÚBLICO disse que faria uma "iniciação ao voo" para um qualquer destino à escolha, por 140 euros à hora, num avião que podia levar até três passageiros. 

Tal como acontece com os motoristas da Uber e os quartos do Airbnb, é possível classificar os pilotos usando a aplicação, numa escala que vai de uma a cinco estrelas. Mas estes também podem classificar os passageiros. E podem mesmo recusar fazer um voo, a qualquer momento e sem ser necessária uma justificação. Neste caso, não é cobrado nenhum valor. 

Também não há qualquer transacção directa entre piloto e passageiros. Os montantes devidos aos pilotos são pagos através da plataforma e cobrados aos passageiros por cartão de crédito ou PayPal. O negócio da Skyüber é simples: a empresa fica com 20% (mais IVA) do valor que entrega aos pilotos. Isto significa que, num voo de 70 euros dividido a meias com um passageiro, o piloto receberia cerca de 24 euros. 

Entre pilotos e passageiros, a plataforma tinha no final de Junho cerca de 1000 pessoas inscritas, "algumas centenas" das quais pilotos, diz Carlos Oliveira, que se escusa a revelar números concretos. Como acontece com muitas startups portuguesas, Portugal é o mercado de testes. A aplicação estará disponível em todo o mundo (inicialmente, apenas para o sistema iOS, da Apple), mas, no que diz respeito ao esforço de promoção, o país escolhido para o arranque foi o Reino Unido. Os passos seguintes deverão ser os mercados francês e alemão.

O conceito já foi tentado por outras empresas nos EUA – mas as autoridades de aviação acabaram por decidir que a partilha de custos não é legal naquele país. Carlos Oliveira tem esperança de que haja uma mudança nas regras e que, nessa altura, a Skyüber esteja madura o suficiente para descolar no mercado americano.

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