Já fomos Charlie pela liberdade de imprensa. Já fomos Ahmed para diferenciar muçulmanos e terroristas. Agora somos todos Nico, para troçar com a sede de protagonismo de Nicolas Sarkozy, que no domingo furou por entre chefes de Estado e de governo até chegar à segunda fila do grupo de representantes oficiais que participaram na marcha de solidariedade pelas vítimas dos ataques em Paris. Os cibernautas não deixaram passar em branco esta ousadia e criaram um movimento satírico.

No fundo, é um círculo que se fecha: ao ridicularizar a acção do ex-Presidente francês, recorrendo sobretudo a fotomontagens que espalham o rosto de Sarkozy por todo o lado e por todas as épocas, o que se está a fazer é a pegar num assunto seríssimo e a brincar com as situações absurdas que ele proporciona, com as contradições e com as idiossincrasias de quem nele se vê envolvido. É a perpetuação popular do espírito do Charlie Hebdo.

A hashtag #JeSuisNico reúne em redes sociais como o Facebook, o Instagram, o Twitter ou o Tumblr imagens de Sarkozy na Última Ceia de Da Vinci, na Revolução Francesa, na libertação de Paris com de Gaulle, na Conferência de Ialta, na Marcha sobre Washington pelos direitos civis, no carro de JFK em Dallas, no Maio de 68, na Lua com Armstrong, no assassinato de Che Guevara, num encontro entre Thatcher e Reagan, em Tiananmen, na queda do muro de Berlim…

Os limites são os da criatividade dos muitos milhões de potenciais caricaturistas de corta-e-cola. A imagem que mais tem sido partilhada, porque terá sido uma das primeiras a ser produzida e está directamente relacionada com a situação em causa, é a que substitui todos os rostos dos líderes mundiais na marcha pelo do ex-Presidente. A fotomontagem evidencia o ar desentendido com que Sarkozy se abeirou de Hollande e Merkel, que encabeçavam o grupo.

O regresso à liderança do seu partido, o UMP, estará relacionada com a vontade de Sarkozy de ficar nas fotografias neste dia histórico para a França. Mas o preço que teve de pagar por contornar o protocolo, como se não soubesse o que estava a fazer, foi elevado. Custou-lhe a postura de estadista – e é também isso que os cibernautas estão a satirizar quando o colocam lado-a-lado com figuras históricas da política mundial em momentos determinantes.

A certa altura, o francês deixou de ser um político para os criativos da rede e passou a ser mais uma personagem da cultura pop, surgindo em cenas de Guerra das Estrelas, Shining, Indiana Jones, O Rei Leão, Friends, O Grande Lebowski, A Teoria do Big Bang ou A Guerra dos Tronos, e até na famosa cena do silly little dress de Marilyn Monroe, em O Pecado Mora ao Lado. Na icónica capa de Abbey Road, dos Beatles, lá está Sarkozy; no Thriller de Michael Jackson; numa visita de Elvis à Casa Branca; na selfie de Ellen DeGeneres nos Óscares; na selfie de Beyoncé e Jay-Z no Louvre; à frente do rabo de Kim Kardashian – por todo o lado.

O desporto também não escapou à presença de Sarkozy em algumas das suas fotografias mais conhecidas, dos punhos cerrados de Tommie Smith e John Carlos nos Jogos Olímpicos de 1968 à vitória da selecção francesa no Mundial caseiro de 1998. Nem Cristiano Ronaldo conseguiu evitar a companhia: no Vine, a única entrada com a hashtag #JeSuisNico é um vídeo adulterado em que Sarkozy surge ao lado do internacional português no momento em que este recebe a sua terceira bola de ouro e é consagrado, de novo, como o “melhor do mundo”.