Quantos graus vale a PlayStation

Três miúdos à frente de três consolas durante uma hora por dia consomem tanta electricidade como um frigorífico.

Desta vez não fui eu, mas um grupo de cientistas – categoria humana acima de qualquer suspeita – quem apontou o dedo a mais um inimigo do clima: as consolas de jogos. Esperem um pouco. Já que a ciência foi aqui invocada, convém ser rigoroso. Ninguém apontou o dedo a ninguém.

Apenas os ditos académicos devotaram o seu rigor empírico ao impacto carbónico dos jogos da PlayStation, com a pura intenção de mostrar a realidade dos factos, dada a sensibilidade da matéria – crucial, aliás, para o futuro da humanidade.

O resultado encontra-se estampado numa revista científica, que é onde normalmente as verdades são publicadas. Antes, também vinham nos jornais, mas já ninguém acredita.

Aprendi muito com a leitura do referido artigo. Sabiam, por exemplo, que até ao final de 2013 tinham sido vendidas, no total, 165 milhões de consolas de alta definição em todo o mundo? Serão certamente responsáveis pela imobilização corpórea de pelo menos 165 milhões de crianças e adolescentes, bem como de uns tantos adultos que, apesar de se acharem adolescentes e agirem como crianças, submetem-se à letargia em plena consciência.

Os aludidos cientistas computaram  as emissões de CO2 de um jogo de PlayStation ao longo de toda a sua existência, passando pela sua criação, utilização e eliminação. É o que se chama “análise de ciclo de vida”, um método de cálculo onde entram tantos parâmetros que com pequenos ajustes consegue-se obter qualquer resultado que se queira.

Não sem surpresa, o que mais suga energia é a fase do jogo em si. Mobiliza no máximo quatro dedos, mas requer 137 watts de potência. Três miúdos à frente de três consolas durante uma hora por dia consomem tanta electricidade como um frigorífico.

Desde o momento em que é instalado até ao dia em que é deitado fora, um jogo é utilizado em média durante 232 horas, segundo o estudo. Feitas as contas, num cenário médio, quem se entretém durante 40 minutos por dia no ecrã a matar pessoas ou marcar golos usualmente compra uma versão nova em cada ano. É mais um sintoma da tirania técnico-psicológica da informática, com a sua magistral habilidade em tornar obsoletos produtos que ainda há pouco eram simplesmente fantásticos. Ponto para o capitalismo selvagem.

Revelação surpreendente é a de que comprar um jogo numa loja, em CD, implica menos emissões de CO2 do que fazer um download do programa na Internet. O quê? Absurdo? Pois é, parece. Ao longo de anos de vassalagem ideológica, fomo-nos acostumando à imagem da Internet como um mundo desmaterializado e libertador, capaz de mobilizar massas e promover a economia com um simples clique, sem sacar pedaços ao planeta.

Mas eis que cientistas, que provavelmente faltaram a algumas sessões de lavagem cerebral, conseguem provar o contrário, que o material às vezes pode ser melhor do que o imaterial. Os cálculos, depois de varridas para baixo do tapete todas as incertezas, mostram que a electricidade utilizada para transferir um ficheiro pesado como o de um jogo é superior a toda a energia gasta no processo de produção, distribuição, venda, transporte e eliminação de um disco blu-ray – um DVD de alta capacidade.

Com tudo incluído, a vida de um jogo baixado da Internet é responsável por 5 a 32% mais emissões de CO2 do que as do mesmo produto em disco. Como há coisas que têm mesmo de ser conversadas em família, comuniquei estas conclusões ao meu filho, que, muitíssimo interessado, respondeu: “Ok, pai”, e voltou para a consola.
 

   

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